O que este conteúdo fez por você?
- O trabalho começou com o ajuste da governança corporativa da entidade mineira em algo semelhante à de uma companhia de capital aberto. O organograma passou a ter um CEO, um diretor financeiro e demais posições executivas
- No Brasil, existem três modelos de clube-empresa. O mais conhecido atualmente é o da Red Bull, uma marca de bebidas energéticas que adquiriu o clube paulista Bragantino
- Confira os planos de Dower Araújo, executivo à frente do projeto
A consultoria Ernest & Young (EY) está na fase final para transformar o América Futebol Clube, de Minas Gerais, em clube-empresa. O trabalho começou com o ajuste da governança corporativa da entidade mineira em algo semelhante à de uma companhia de capital aberto. O organograma passou a ter um CEO, um diretor financeiro e demais posições executivas. Para atrair investidores, é preciso que a engrenagem de gestão funcione e as decisões não dependam apenas da paixão pelos resultados esportivos. E o resultado desse processo será uma NewCo, ou seja, uma nova empresa que vai explorar apenas o futebol.
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“A associação não muda. Os ativos fixos, imobilizados e todo o patrimônio continuam dentro dessa associação”, diz Dower Araújo, superintendente geral do clube. “Essa associação será mantida com uma parte da rentabilidade dessa NewCo, na forma de royalties pelo uso da marca e das propriedades do clube.”
No Brasil, existem três modelos de clube-empresa. O mais conhecido atualmente é o da Red Bull, uma marca de bebidas energéticas que adquiriu o clube paulista Bragantino por cerca de R$ 45 milhões. Com times de futebol na Áustria, na Alemanha e nos Estados Unidos, a empresa deve concluir a transição da gestão e do controle até 2024.
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Outro modelo que está em campo é o do Botafogo de Ribeirão Preto, que foi adquirido pela Trexx Golding e Empreendimentos, de Adalberto Baptista, um dos principais acionistas do laboratório Aché, e transformado em uma entidade com fins lucrativos.
Mas, o mais problemático desse modelo foi o que aconteceu com o time catarinense do Figueirense, que criou uma empresa limitada e 95% da participação ficou com a Elephant Participações Societárias S/A e 5% com a associação esportiva. Assinado em 2017, o acordo tinha duração de 20 anos. Porém, diversos pontos do contrato não foram cumpridos e houve a quebra da parceria na virada de 2019 para 2020, o que fez o Figueirense dar um passo atrás nesse processo.
O América-MG conhece esse histórico e trabalha para evitar desfechos traumáticos como o que aconteceu com o Figueirense. “A preocupação maior é como garantir que exista uma saída que seja saudável para o clube e para o investidor, que todos estejam confortáveis e que não traga traumas”, afirma Dower, que é formado em ciências contábeis e construiu a carreira profissional como auditor. Passou por Arthur Andersen, Grupo Fiat e EY antes de montar a própria consultoria.
Até os anos 1960 o América era uma das duas forças do Estado, mas perdeu espaço com a ascensão do Cruzeiro no cenário nacional. Atualmente, tenta equilibrar em campo a desvantagem orçamentária e de torcida que tem no Estado para Cruzeiro e Atlético.
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Nos últimos 10 anos, esteve na Série A do Campeonato Brasileiro em 2011, 16 e 18. “O América vive da seguinte forma: série B com um orçamento de R$ 25 milhões a 30 milhões por ano; série A entre R$ 65 milhões e R$ 70 milhões ano. E fica nesse sobe-desce”, diz o CEO que quer escrever uma nova história no Coelho, que revelou nomes importantes no cenário nacional e internacional, como os do volante Gilberto Silva e do atacante Fred.
A busca do clube mineiro é por um investidor estrangeiro. A desvalorização do real frente ao dólar e ao euro é vista como um facilitador para atrair um parceiro. Afinal, com cerca de 10 milhões de euros, o orçamento da Série A passa a ser coberto.
No momento, o que está descartada é a possibilidade de promover uma abertura de capital (IPO) na B3. “Não, não temos essa intenção [de oferecer ações ao mercado]. Seria, em princípio, uma participação acionária bilateral, entre o América e mais um investidor”, diz Dower, que conversou com o E-Investidor no dia seguinte à derrota por 6 a 1 sofrida pelo Manchester United no jogo contra o Tottenham. A goleada repercutiu na bolsa de valores e as ações do clube inglês na NYSE chegaram a cair 2,5%.
Confira os principais trechos da entrevista:
‘Os clubes no Brasil se assemelham a estruturas de empresa familiar’, diz superintendente geral do América-MG
E-Investidor – Qual é tipo de investidor o clube procura: um de grande fôlego financeiro ou um fundo para ser o veículo que atraia pequenos investidores?
Dower Araújo – Não temos essa pré-definição, não discutimos isso com a EY. Mas a preferência seria um investidor que já trabalhe no business esporte. Não falo exclusivamente no negócio futebol, mas que seja do esporte. E que tenha uma preferência de investimento de longo prazo. Sabemos que fundos às vezes querem resultados imediatos, então não casa muito com o perfil do nosso projeto. Seria mais um investidor do negócio futebol ou esporte e que busque uma parceria de longo prazo.
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E-Investidor – Neste momento está descartada uma escolha como as que fizeram o inglês Manchester United e o italiano Roma, que foram para a bolsa de valores?
Araújo – Não, não temos essa intenção. Seria em princípio uma participação acionária bilateral, o América e mais um investidor. O modelo societário ainda estamos definindo, mas possivelmente será uma nova empresa onde o América fará o aporte de capital com o business futebol e essa nova empresa fará o aporte de capital com dinheiro. Daí construiremos uma nova empresa onde os direitos de competição estarão aportados e ele disputará as competições. Por isso não teremos essa abertura de mercado para preservar a identidade dos investidores sem ter negociação em mercado.
E-Investidor – Há um prazo para esse projeto começar a rodar?
Araújo – Não conseguimos cravar. Quando a gente trata com possibilidades de investimento externo, a intenção era ter identificado esse investidor até o final de 2020 ou primeiro semestre de 2021. Mas ainda estamos prospectando. E existe uma subjetividade de tempo porque entra a due diligence, entra negociação, entra acordo de acionista, então não dá para cravar tempo. Se as duas partes têm a intenção, a maior parte do caminho está andado. O restante é o acordo comercial e societário, com as garantias. Mas a expectativa é no próximo ano.
E-Investidor – A EY apresentou valuation do clube. Qual seria ele e o que o investidor pode esperar de retorno? Só o ganho esportivo?
Araújo – Falar de valores fica difícil por conta da confidencialidade do negócio. Mas é uma coisa dentro da expectativa do clube para propiciar a esse investidor justamente esse retorno financeiro. porque o dinheiro não será investido apenas em compra e venda de atleta, mas em infraestrutura, como CT, que é o berço da formação de atletas. o America já tem o certificado de clube formador na CBF, por revelar jogadores. É famosa por revelar jogadores. Então parte desse investimento vai para a infraestrutura da base de tecnologia, e o retorno viria na forma de direitos federativos negociados. é o retorno que o investidor terá. além do business, vai ter o retorno financeiro com certeza porque essa é a grande atratividade que a gente oferece para esse investidor.
E-Investidor – A estrutura de governança corporativa será como a de uma empresa de capital aberto?
Araújo – Sim, aí é uma empresa de mercado, normal. Estamos partindo para o modelo societário e tributário que existe no mercado hoje, de empresa de lucro real, tributado em 34% de imposto de renda e contribuição social, PIS e Cofins. Vai ter uma estrutura de uma LTDA ou SA fechada. Não vamos aguardar o novo modelo societário ou tributário de clube-empresa, que pode sair este ano ou não [a discussão está no Congresso Nacional]. Vamos ter uma empresa com o modelo corporativo, de CEO, CFO, diretor de futebol. Aliás, o América já está organizado dessa forma: estrutura organizacional do mundo corporativo. Os clubes no Brasil se assemelham a estruturas de empresa familiar, mas aqui estamos fazendo a transição desse modelo doméstico para um modelo onde entram e saem pessoas e a operação continua.
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E-Investidor – O endividamento é um problema para vários clubes brasileiros*. Como é essa questão para a nova estrutura? Quem chega assume como parte do problema?
Araújo – Não, até por uma questão legal. A maior dívida do América, hoje, é com o Profut. Desde 2014 nossos balanços são publicados e disponibilizados no site do clube. A maior parte da dívida, quase R$ 50 milhões, é com o Profut, que é de longuíssimo prazo. Elas permanecerão na estrutura do clube societário até porque com o Profut não pode ser feita a migração. Então, vamos fazer essa equação de qual é a necessidade de capital para a equalização dessas dívidas e fazer dentro desse acordo de acionistas através dos royalties e direitos de uso. A NewCo vai fazer o pagamento para o clube social pagar essas dívidas.
*Segundo a EY, o endividamento líquido do América-MG é de R$ 82 milhões, ocupando a 15a. posição entre os 20 principais clubes do País. Desse montante, R$ 50 milhões enquadram-se como dívida tributária. A relação entre endividamento líquido e receita recorrente do clube é de 2,96 vezes.