- O Ministério Público Federal (MPF) entrou com um pedido requerendo a instauração de um processo criminal para apurar uma ocorrência de crime de manipulação de mercado feita pelo IRB (Re)
- A denúncia, feita no dia 09 de setembro, está relacionada ao episódio de março de 2020, quando circulou no mercado um boato de que o grupo Berkshire Hathaway, do megainvestidor americano Warren Buffet, estaria comprando participações na empresa
- As informações foram obtidas pelo Instituto Empresa. O processo corre em segredo de justiça
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com um pedido para a instauração de um processo criminal para apurar uma ocorrência de crime de manipulação de mercado feita pelo IRB (Re). A denúncia está relacionada ao episódio de março de 2020, quando circulou no mercado um boato de que o grupo Berkshire Hathaway, do megainvestidor americano Warren Buffett, estaria comprando participações na empresa.
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Na época, o grupo desmentiu a informação, enfatizando que nunca teve intenção de ser acionista da companhia brasileira. Mas o esquema foi visto como uma forma fraudulenta de elevar o preço das ações do IRB em um período de crise para o ressegurador.
Relembre a história aqui: O ‘inferno astral’ do IRB (IRBR3) Brasil, maior ressegurador do País
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O IRB e os executivos da época enfrentaram e ainda enfrentam processos na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e na Câmara de Arbitragem da B3, onde instituições ligadas a investidores minoritários buscam uma reparação pelas perdas causadas pelo episódio.
Em maio deste ano, o ressegurador fechou um acordo com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ, na sigla em inglês) para pagar US$ 5 milhões a título de compensação para colocar fim às acusações de ter mentido em relação à Berkshire Hathaway. O acordo foi realizado nos Estados Unidos, onde as informações inverídicas teriam sido inicialmente divulgadas entre fevereiro e março de 2020.
Devido em parte à ampla cooperação e remediação do IRB neste caso, a SEC, órgão americano equivalente à CVM brasileira, não impôs qualquer penalidade como parte de seu acordo com a companhia.
Agora, o assunto chega à esfera criminal no Brasil pela primeira vez. A denúncia do MPF foi ajuizada no dia 9 de setembro deste ano, mas até este momento a informação não havia sido tornada pública – o caso corre em segredo de justiça na 3ª Vara Criminal Federal do Rio de Janeiro. As informações foram obtidas com exclusividade pelo E-Investidor por meio do Instituto Empresa.
Trâmites
A denúncia é a peça de acusação que inaugura um processo criminal e ela pode ser ou não aceita pelo juízo. Neste caso, acontece três anos depois do episódio de manipulação no IRB e pode dar início a um processo de penalização dos envolvidos – somente após a aceitação da denúncia é que os citados poderão ser considerados réus.
Por lei, a companhia não pode responder por um suposto crime. Então, se o juiz responsável pelo caso entender que há precedentes para seguir com o processo, a responsabilização incide sobre as pessoas físicas envolvidas na divulgação das informações falsas.
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Marcos Sader, sócio da i2a Advogados, explica que o crime de manipulação de mercado está descrito na Lei nº 6385/1976, artigo 27-C. O trecho prevê a possibilidade de condenação em casos de operações simuladas ou outras manobras fraudulentas feitas para “elevar, manter ou baixar a cotação, o preço ou o volume negociado de um valor mobiliário, com fim de obter vantagem indevida ou lucro, para si ou para outrem, ou causar dano a terceiros”.
Sader explica que os casos mais comuns de judicialização por manipulação de mercado envolvem a negociação de ações. Foi o que aconteceu, por exemplo, em 2011 com a fabricante de alicates Mundial (MNDL3), que viu suas ações subirem 3.000% em um período de três meses, levando o CEO à época, Michael Ceitlin, e o agente autônomo de investimentos Rafael Ferri à Justiça por informações privilegiadas.
Esta foi a primeira condenação penal no País por este tipo de crime, em 2016. Na sentença da Justiça Federal do Rio Grande do Sul, eles foram condenados à pena privativa de 3 anos e 9 meses de reclusão, em regime aberto, além de pagamento de multas na casa de R$ 2,3 milhões. Em 2019, no entanto, o Tribunal Federal Regional da 4ª Região (TRT-4) absolveu Ceitlin e Ferri das acusações.
O caso do IRB não envolve a negociação de ações. Ainda assim, o sócio da i2a Advogados entende que haveria, em tese, a possibilidade de enquadrar o episódio envolvendo as informações falsas relacionadas à Berkshire no artigo 27-C.
“Não necessariamente uma manipulação de mercado precisa ter alguma vantagem financeira, pode ser outro tipo de vantagem para si ou para outro. E essa vantagem também não precisa ter sido atingida, é preciso apenas da intenção de buscar a vantagem para atrair a responsabilidade criminal”, explica Sader. “Por isso acho possível que em um caso semelhante a esse – a divulgação de uma informação para tentar beneficiar a ação, ainda que o ativo não tenha sido negociado – configure crime no 27-C”.
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Procurado, o IRB não retornou o contato até o fechamento desta reportagem.
Denúncia afeta investidores?
Em 2023, as ações do IRB estão conseguindo reverter parte da desconfiança do mercado depois de todo esse episódio e inúmeros prejuízos contábeis. Até meados de julho, a IRBR3 era o papel que mais subia no Ibovespa, acumulando à época alta de mais de 105%, cotada a R$ 53. A valorização refletia como investidores estavam mais confiantes em relação ao processo de “turnaround” na companhia, com as reformulações no quadro de executivos e números mais positivos sendo apresentados.
Até o fechamento desta terça-feira (17), a companhia havia devolvido uma parte desses ganhos na Bolsa. Ainda assim, acumula uma valorização de 54,11% em 2023, cotada a R$ 39,76.
Para Felipe Pontes, sócio da L4 Capital, a abertura de um eventual processo criminal contra a empresa deve mudar pouco esse cenário. “Se esta for a única informação nova que tivermos, acredito que não tenha efeito significativo na imagem da empresa nem no preço, a menos que exista uma probabilidade muitíssimo alta de haver devolução de recursos aos cofres da companhia”, afirma.
A denúncia do MPF também muda pouco para aqueles investidores com IRBR3 na carteira, que foram prejudicados pelo episódio falso envolvendo a Berkshire. O processo criminal – ainda que culmine na condenação dos envolvidos, por exemplo – não está pleiteando nenhum tipo de ressarcimento ou indenização a minoritários.
Atualmente, há alguns processos abertos com essa finalidade, na arbitragem da B3 e em ações civis públicas.
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Um processo aberto pelo Instituto Empresa representa cerca de 400 investidores em busca de indenização na Câmara de Arbitragem. “Quando se trata de companhias abertas, a arbitragem é impositiva para obtenção de indenizações. O processo criminal vai averiguar as condutas à luz do Direito Penal e, eventualmente, punir alguns responsáveis”, diz Eduardo Silva, Presidente do Instituto Empresa.
Um outro processo foi aberto em fevereiro deste ano por 155 requerentes estrangeiros, incluindo fundos de investimento. O valor provisoriamente atribuído à causa corresponde a aproximadamente R$ 10 milhões; veja detalhes aqui.
Novo conselho
O IRB realizou nesta terça-feira (17) uma assembleia geral extraordinária (AGE) para a eleição de novos membros para seu Conselho de Administração. Em comunicado divulgado na mesma noite, a companhia informou que foi eleito o servidor público federal Mauricio Quintella Malta Lessa para a presidência do Conselho de Administração do ressegurador.
O economista Antônio Cássio dos Santos também foi aprovado como titular do colegiado. Louise Barsi, economista, analista CNPI independente e sócia-fundadora da Ações Garantem o Futuro (AGF), foi rejeitada.