John e Kevin Dodelande, que compartilharam segredos de fusões e aquisições de banqueiros de Londres para operadores, incluindo El Khouri, aceitaram um acordo que lhes permite evitar processos nos Estados Unidos e manter milhões de dólares em pagamentos que receberam por suas dicas, de acordo com um documento dos advogados de El Khouri. O acordo firmado em troca de cooperação é a última vertente na busca meticulosa pelas autoridades dos EUA e da Europa de uma rede internacional de negociação com informações privilegiadas.
Para o corretor de valores mobiliários britânico-libanês que caiu na mira dos promotores graças aos irmãos, o acordo parece “extremamente generoso”, enquanto ele considera sua própria extradição para os EUA injusta, disseram seus advogados em petições por escrito, argumentando que o caso deve ser julgado no Reino Unido. Um juiz de Londres deve decidir na quinta-feira se El Khouri, que supostamente ganhou US$ 2 milhões com informações privilegiadas, deve ser enviado aos EUA.
“A realidade parece ser que El Khouri é uma parte pequena e não conectada (ou a extremidade final) de um círculo de informações privilegiadas maior”, disse sua advogada Clair Dobbin.
As investigações obstinadas de uma década pelas autoridades capturaram pessoas como o ex-banqueiro do Goldman Sachs Bryan Cohen e a ex-banqueira do UBS Fabiana Abdel-Malek. O amplo caso desencadeado por lucros descomunais de negociações suspeitamente oportunas em acordos de fusões e aquisições – como a transação GE-Alstom – levou os investigadores a lugares distantes como a Sérvia e desenterrou uma rede que pode ter conseguido pelo menos US$ 100 milhões com informações não públicas.
Quem são os irmãos Dodelande
Muitas vezes semelhantes a um thriller de espionagem, as façanhas dos investigadores do Reino Unido, da França e dos EUA incluíram de tudo, desde escutar conversas entre operadores no Hotel Four Seasons de Londres até tomar uma atitude após uma carta misteriosa que acusava um advogado de passar dicas confidenciais sobre negociações.
Os irmãos Dodelande, John – um extravagante socialite de 30 e poucos anos que já teve uma queda por smokings cor-de-rosa – e seu misterioso irmão mais novo Kevin – conhecido por jogar pôquer apostando alto – proporcionaram aos investigadores dos EUA dois troféus: Marc Demane Debih e El Khouri.
Demane Debih, ex-empresário de Genebra e um dos principais integrantes da rede, foi preso na Sérvia em 2018. Ele foi posteriormente extraditado para os EUA, tornando-se uma testemunha importante cujo depoimento ajudou a condenar o filho de um diretor de uma empresa farmacêutica e ex-banqueiro do Goldman Sachs, Cohen. Demane Debih admitiu que ganhou cerca de US$ 70 milhões com informações privilegiadas – US$ 49 milhões dos quais ele teve que abrir mão.
Das seis pessoas indiciadas pelos EUA em 2019, duas se declararam culpadas, El Khouri aguarda seu destino, enquanto as demais estão foragidas. No Reino Unido, um operador e Abdel-Malek foram condenados há dois anos por cinco acusações de uso de informações privilegiadas. A ex-funcionária do UBS perdeu o recurso. As autoridades francesas acusaram cerca de meia dúzia de suspeitos, incluindo um ex-banqueiro do Société Générale.
Enquanto isso, os irmãos Dodelande foram vistos em St. Tropez, na Riviera Francesa, de acordo com o advogado de El Khouri. Enquanto John é ativo no mundo da arte, o único vestígio de Kevin é uma notícia no ano passado de que ele tinha ficado noivo da modelo russa Alesya Kafelnikova, filha do ex-tenista número 1 no mundo, Yevgeny Kafelnikov. Os irmãos não foram localizados para se pronunciar.
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Acordo generoso
O advogado de El Khouri, Dobbin, observa que se as autoridades dos EUA tivessem processado John Dodelande com sucesso, ele teria enfrentado uma sentença de prisão de mais de oito anos e seria forçado a devolver o dinheiro que recebeu por informações privilegiadas.
“Em vez disso, o governo celebrou um acordo de não condenação com John Dodelande, segundo o qual ele não será processado, não cumprirá pena de prisão, não perderá nenhum dos US$ 12 milhões e nem mesmo terá um registro em sua ficha criminal “, de acordo com os termos do acordo, que foram apresentados como prova ao tribunal de Londres no caso El Khouri.
O Departamento de Justiça fez um acordo semelhante com Kevin, que também repassou informações privilegiadas aos operadores em troca de pagamentos no valor de milhões de dólares, de acordo com os arquivos do caso no Reino Unido.
Francis Szpiner, advogado dos irmãos Dodelande, não quis se pronunciar, assim como Nicholas Biase, porta-voz do Departamento de Justiça dos EUA. Sean Buckley, advogado de Demane Debih, não respondeu aos pedidos de comentários.
Como tudo começou
Não está claro como os irmãos começaram a trabalhar com El Khouri. Mas apenas em 2015, Kevin, cuja paixão pelo pôquer de apostas altas é compartilhada por El Khouri, forneceu ao operador dicas privilegiadas em relação a cerca de seis empresas americanas, de acordo com autoridades dos EUA.
Kevin, que tinha acabado de se formar na Universidade Northeastern, em Boston, foi recompensado por El Khouri com pagamentos, incluindo o aluguel de um iate na Grécia por cerca de US$ 130 mil em meados de 2015, disseram os promotores. No início daquele ano, os dois viajaram para Nova York e El Khouri pagou mais de US$ 6 mil pelo quarto de hotel de Dodelande, frigobar e lavagem a seco.
Filhos de um pintor e de uma mulher de negócios, John e Kevin cresceram em um bairro chique de Paris comendo sushi e andando em iates.
Em meados dos anos 2000, John se tornou uma pequena celebridade na França depois de participar de um programa de TV sobre a juventude de ouro do país. O programa o apresentou como um jovem de 17 anos que escreveu sua própria autobiografia e havia posado de smoking rosa para os paparazzi no festival de cinema de Cannes.
Ele usou a fama para abrir uma loja vendendo sua própria marca de roupas em St. Tropez. Embora esse empreendimento comercial nunca tenha decolado, ele desde então fez seu nome no mundo da arte contemporânea chinesa, colecionando artistas como Ai Weiwei. Antes disso, foi assessor de um fabricante de iates de luxo com sede na Suíça.
Foi em Paris que John conheceu Demane Debih em 2012.
“Expliquei que estava fazendo isso, obtendo acesso a informações não públicas, informações secretas e ganhando dinheiro com isso”, testemunhou Demane Debih no tribunal no ano passado. “Ele me disse que tinha acesso às fontes de bancos de investimentos e que podíamos trabalhar juntos.”
John conseguiu uma carta confidencial de junho de 2013 enviada ao então CEO da Onyx Pharmaceuticals a respeito de uma oferta de aquisição da Amgen, disse ele.
Resumindo, Demane Debih disse que o francês lhe forneceu informações sobre mais de 15 transações – muitas vezes usando telefones pré-pagos descartáveis que eles trocavam regularmente – ao longo de cerca de meia década.
Então, em 2016, o Reino Unido iniciou uma investigação sobre informações privilegiadas e os irmãos foram investigados como suspeitos, mas o caso fracassou sem acusações em 2018. Eles então decidiram cooperar com as autoridades dos EUA.
No caso do Reino Unido, foi El Khouri quem fez a denúncia – dizendo aos promotores britânicos que os irmãos Dodelande estavam relaxando em St. Tropez.
(Tradução de Romina Cácia)