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Comportamento

Pandemia foi um grito de alerta para mulheres que não investiam

Crise global levou jovens mulheres a buscarem informações sobre investimentos

Pandemia foi um grito de alerta para mulheres que não investiam
Foto: Evanto Elements
  • Nos primeiros 10 meses da pandemia da covid-19, as mulheres perderam um milhão de empregos a mais que os homens
  • O número de clientes do sexo feminino na Fidelity Investments aumentou quase 10%, ante um aumento de 7% no número de clientes do sexo masculino
  • Durante a pandemia, mais de 10 milhões de novas contas de corretagem foram abertas. Apesar da entrada no mercado estar em alta, os especialistas financeiros concordam que investir ainda é um músculo que precisa ser trabalhado

(Sarah Diamond, WP Bloomberg) – No início de abril de 2020, Juli Adhikari, 25 anos, sentou em frente ao seu laptop, abriu uma janela de busca do Google e digitou as seguintes palavras: “como investir”.

Depois de navegar pela internet e conversar com a amiga com quem divide apartamento, Juli encontrou a Ellevest, uma plataforma de investimentos e ferramenta de educação financeira para mulheres. Juli, coordenadora de políticas de um think tank, estabeleceu uma contribuição mensal de US$ 60 de seu contracheque para uma carteira administrada com base na exposição de risco desejada por ela. Após seis meses de retornos positivos, ela se sentiu mais confiante e aumentou o valor para US$ 75.

“Eu tive que mudar bastante minha mentalidade em relação à construção de riqueza”, disse Juli. “Você não precisa ter milhões de dólares para investir na Apple, tudo é uma questão de se sentir confortável para investir.”

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Segundo Juli, o que a fez repensar a ideia foi a insegurança financeira que ela sentiu enquanto a pandemia do novo coronavírus estava devastando a economia.

Um mês antes de Juli começar a investir, a covid-19 tinha se transformado em uma pandemia global mortal sem precedentes. Escolas fechadas, empresas sem funcionar e, em 16 de março, o mercado de ações caiu quase 3 mil pontos, a pior queda em um único dia na história dos Estados Unidos. O mundo estava mergulhando em um período de crise econômica – com implicações financeiras graves e generalizadas que recaíam desproporcionalmente sobre as mulheres.

Nos primeiros 10 meses da pandemia da covid-19, as mulheres perderam um milhão de empregos a mais que os homens, e a taxa de desemprego entre mulheres não brancas era maior do que qualquer outro grupo nos EUA. Entretanto, durante o mesmo período, muitas mulheres que vinham fazendo um balanço de sua saúde financeira também estavam escolhendo investir.

O número de clientes do sexo feminino na Fidelity Investments aumentou quase 10%, ante um aumento de 7% nos clientes do sexo masculino; e, entre fevereiro de 2020 e fevereiro de 2021, o aplicativo de negociação de ações Robinhood viu o número de mulheres em sua plataforma quadruplicar.

Em meio a uma crise que exigia ação, investir tornou-se uma oportunidade que atraiu novatos no mercado financeiro, muitos deles mulheres. “Durante as crises as mulheres acordam. Elas aprendem que precisam assumir o controle de seu próprio dinheiro e não devem depender de ninguém”, disse Tahira Hira, professora emérita de economia da Universidade de Iowa.

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Mas para muitas mulheres, inclusive Juli, esse ainda era “um mundo ao qual eu não pensava que pertencia”, disse ela.

Enquanto crescia, disse Juli, ela não conversava a respeito de dinheiro com sua família, que imigrou do Nepal para o norte da Califórnia quando ela tinha oito anos.

De acordo com Juli, a família dela passou por dificuldades na recessão de 2008, mudando sua vida consideravelmente e deixando-a com memórias dolorosas. “Lembro do meu pai nos dizendo chorando que íamos perder nossa casa”, ela disse. Eles se mudaram para uma casa menor e ela foi transferida para uma nova escola.

Quando Juli passou pelo segundo crash catastrófico do mercado de sua vida, em março de 2020, foi diferente. “Agora”, disse ela, “tenho condições para mudar minha situação financeira.”

A inspiração para o comportamento de investidor começa na infância. Tahira estuda as desigualdades de gênero nos investimentos há mais de 30 anos. Ela disse que a facilidade de lidar com o dinheiro começa com a maneira como os pais falam de finanças com os filhos.

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“Em uma casa, pais e avós falam com os filhos de maneiras diferentes a respeito da gestão do dinheiro”, disse Tahira. “Quando é um menino, eles falam de um jeito diferente. Quando é uma menina, eles conversam de outra maneira. A socialização financeira é muito, muito importante.”

Durante a pandemia de covid-19, mais de 10 milhões de novas contas de corretagem foram abertas. Apesar da entrada no mercado estar em alta, os especialistas financeiros concordam que investir ainda é um músculo que precisa ser trabalhado.

Schelo Doirin, 28 anos, disse que identificou a necessidade de tornar os investimentos acessíveis para as mulheres antes da pandemia. Em 2019, ela fundou a Black Women Invest, uma comunidade para mulheres investidoras não brancas. A página do grupo no Facebook começou em 2020 com 300 participantes, disse Schelo. Atualmente, ela conta com mais de 10 mil pessoas.

“A pandemia foi um grito de alerta para as mulheres”, disse Schelo. “Ela obrigou as pessoas a começar a perceber que ‘esse emprego que eu pensava ser tão estável, na verdade, não é.’”

No auge dos lockdowns provocados pela pandemia, Schelo passou cinco horas por dia no Facebook respondendo a perguntas de outras mulheres em relação a investimentos, negociação, terminologia e aposentadoria. Ela tem esperança de que sua presença sinalize para outras mulheres que elas têm permissão para entrar nessa área.

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“Quando você vê alguém que se parece com você fazendo algo, seja investindo em ações ou investindo em imóveis, isso se torna um pouco mais próximo”, disse ela.

Quando Vickie Bajtelsmit, professora do departamento de finanças e imóveis da Faculdade de Administração da Universidade do Estado do Colorado, começou sua carreira e viu a cobertura da imprensa de homens alcançando enormes lucros com investimentos, ela se perguntou se as mulheres estavam investindo de forma incorreta. Em vez disso, ela descobriu que “as mulheres estão fazendo algo certo”, afirmou.

A análise do comportamento dos investimentos revelou que, embora as mulheres tendam a tomar decisões mais avessas ao risco, elas criam carteiras de investimento de longo prazo mais bem-sucedidas. Porém, as mulheres têm motivos para serem avessas ao risco, disse Vickie. A exposição à perda pode ter implicações terríveis, sobretudo para mulheres com famílias e filhos pequenos, como Shelby Strong.

Shelby, 31 anos, é uma ex-professora de matemática que se tornou consultora educacional e investiu pela primeira vez durante a pandemia. Ela mora nos arredores de Nova Orleans com o marido e o filho de 5 anos. Antes da pandemia, ela não pensava em investir. “Eu mal ganhava dinheiro suficiente para cada mês”, disse ela, “então não havia dinheiro para fazer algo diferente.”

Mas quando sua mãe morreu no final de 2019, Shelby herdou o dinheiro que ela guardava em uma poupança. E quando a pandemia surgiu, Shelby e seu marido viram o mundo ao redor deles desmoronar. Os educadores estavam passando por dificuldades e seu marido, um terapeuta de saúde mental, estava fazendo hora extra.

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Ela passou meses pesquisando na internet por um planejador financeiro. “Não me lembro de ter visto o nome de uma mulher aparecer nenhuma vez”, disse. Quando ela e o marido encontraram um planejador financeiro, ela assumiu o comando.

Agora, Shelby está entusiasmada por dissipar mitos de que apenas pessoas ricas podem se envolver com finanças pessoais. “Existem pessoas que dão conselhos financeiros sem ter ideia do que significa estar com fome, ou não sabem o que é ter insegurança quanto à moradia”, disse ela. Ela aprendeu durante a pandemia que até mesmo reservar US$ 5 por mês para o futuro é suficiente para promover o empoderamento financeiro. “Você sabe que em uma emergência, aquilo está lá”, disse ela.

Para muitas mulheres, a pandemia proporcionou tempo para se concentrar em estabelecer metas financeiras. Isso também gerou falatório na mídia em relação aos investimentos sobre os quais Sabrina Scull, 27 anos, ouviu falar no início deste ano em um parque para cães em Washington, D.C. Dois homens na casa dos 30 anos se sentaram em um banco próximo a Sabrina, e enquanto o filhote de labrador deles corria com o cão dela, eles conversaram a respeito do WallStreetBets e da GameStop.

Quando Sabrina voltou para casa, ela leu matérias a respeito do fenômeno: um grupo de investidores amadores se reuniu em um subgrupo do Reddit chamado WallStreetBets para aumentar o preço das ações de empresas vendidas a descoberto por alguns dos fundos mais consagrados de Wall Street. Uma dessas ações, da GameStop, aumentou 400% em uma única semana. Segundo Sabrina, ela percebeu que parecia que os investidores obtendo sucesso financeiro eram predominantemente homens. Isso a fez pensar: “Se tantas pessoas estão investindo agora, principalmente homens, por que eu não estou?”

Ela baixou o aplicativo Robinhood e aplicou US$ 1.000. No entanto, em vez de investir nas ações do WallStreetBets, Sabrina optou por investir em empresas robustas nas quais ela acredita, um método que ela chama de “ligeiramente estratégico, mas em grande parte baseado em valores”. Como editora assistente da revista científica Frontiers in Ecology and the Environment, ela escolheu empresas de energia verde e solar. Desde março de 2021, Sabrina disse que aumentou seus investimentos em 7%.

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Embora ela concorde que seria bom ter lucro, seu verdadeiro objetivo é aprender como funciona o investimento e construir uma rede com outras mulheres que estão fazendo a mesma coisa. Anna Gordon, 23 anos, lembra de ter a mesma mentalidade quando começou a investir.

Anna estava terminando sua graduação em economia na Universidade Johns Hopkins quando a pandemia surgiu no início de 2020. Ela tinha ouvido falar sobre investimento com alguns de seus amigos e, com tempo extra para fazer pesquisas em seu dormitório no campus, começou a usar o aplicativo Robinhood.

Como uma investidora avessa ao risco, Anna inicialmente aplicou US$ 300 em sua conta. Ela vinha acompanhando a corrida pelas vacinas de perto e achou que investir em empresas como a Moderna e a Pfizer seria uma boa maneira de aprender como o mercado funcionava. “Nunca quis ser super-rica”, disse ela, “mas se de algum modo encontrasse um ótimo investimento que pagasse magicamente meus empréstimos estudantis, ficaria muito feliz.”

Embora Anna tenha tido sucesso com as ações das fabricantes de vacinas, o mesmo não aconteceu com outras que foram menos lucrativas. De abril de 2020 a agosto de 2021, Anna disse que sua carteira diminuiu em US$ 100, o que ela acha que pode ser constrangedor de se falar a respeito.

“Percebi entre meus amigos que as mulheres tendem a ser mais severas consigo mesmas em relação às perdas”, disse ela. “Meus amigos só falam sobre as vitórias.”

Por meio de pequenos investimentos, Anna agora tem um melhor entendimento das estratégias que pode utilizar para reduzir o risco. “Você pode assistir a todas as aulas de economia do mundo”, disse ela, “mas ainda não consegue ter uma ideia de como o mercado de ações funciona até que esteja investindo nele.”

Da mesma forma que Anna, Juli vê o investimento como uma oportunidade para aprender sobre finanças pessoais. Depois de pesquisar os benefícios de investimentos de longo prazo, ela agora está economizando para a aposentadoria. Juli tem US$ 1000 em sua carteira na Ellenvest e seus investimentos aumentaram em US$ 30, disse. Ela espera que sua carteira acabe dobrando enquanto ela continua contribuindo com pequenas quantias a cada mês.

Tahira e Vickie disseram que, com maior acesso a recursos para investimentos nas redes sociais e comunidades online, trata-se de um ótimo momento para as mulheres melhorarem o bem-estar financeiro.

E, na opinião de Juli, nada deve ser uma barreira: “Talvez eu tenha menos dinheiro para investir do que outra pessoa, mas isso não significa necessariamente que não deva tentar.”

Tradução: Romina Cácia

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