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- Mais de 70% dos interessados em financiar um imóvel nos próximos 12 meses estão de olho em valores de até R$ 500 mil
- Só que a percepção das pessoas é de que o custo para financiar a casa própria está mais alto do que antes, o que demanda um planejamento o quanto antes
- Especialistas no setor imobiliário explicam o que está fazendo o financiamento pesar mais no bolso do brasileiro; educador financeiro explica como se organizar
Quando iniciou sua pesquisa por imóveis à venda na capital paulista, a professora particular de inglês Mariana dos Santos, 31, imediatamente sentiu um choque. Sua intenção era encontrar algo valendo até R$ 500 mil, mas as opções que atendiam às suas expectativas eram poucas numa cidade de 1.523 quilômetros quadrados. Ela não está sozinha: 70% dos interessados em realizar o sonho da casa própria nos próximos 12 meses visam o mesmo orçamento, segundo a pesquisa Tendências de Moradia, do DataZap.
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“Procurei apartamentos de 50 metros quadrados (m²) na Bela Vista, Baixo Augusta, Ipiranga, e outros bairros próximos às Linhas Azul e Verde. Nem meia dúzia de anúncios estavam dentro do valor planejado e não eram em regiões consideradas mais inseguras, como algumas regiões do Centro, ou longe do metrô”, conta Santos, que não acredita que conseguirá tirar o plano do papel no curto prazo.
Precisará desembolsar por volta de R$ 100 mil só para dar entrada no financiamento imobiliário, correspondentes a 20% do valor pretendido. Só que hoje ela tem somente um quarto disso em sua reserva de emergência. Como prestadora de serviço, é Microempreendedora Individual (MEI) e vê sua renda mensal variar numa faixa entre R$ 5 mil e R$ 10 mil, além de ter acumulado poucos anos de contribuição junto ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).
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Apesar da dificuldade da professora, 2024 promete ser o ano com o maior volume de financiamentos. A Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip) prevê que a concessão de crédito para a compra de imóveis chegue a R$ 270 bilhões no ano. Somente no primeiro semestre, o crescimento foi de 30% frente ao mesmo período do ano passado, com o volume total de empréstimos alcançando R$ 149 bilhões.
Segundo a associação, o programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida” foi o grande destaque, responsável por fazer os aportes via FGTS no primeiro semestre saltar 75% frente ao ano anterior, totalizando R$ 67 bilhões. Já os financiamentos via Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) foram de R$ 82 bilhões, alta de 7% no período.
Mas, para os que procuram financiar o imóvel e não juntaram recursos por um longo período sob a forma de investimentos, sem ter o reforço de um bom volume acumulado do FGTS, o sonho da moradia própria pode ficar mais distante. Essa lacuna dificulta o primeiro passo para destravar o processo de financiamento: dar uma entrada consistente o suficiente para reduzir as parcelas de quitação do empréstimo sem pesar no bolso do comprador.
Quem conseguiu financiar um imóvel em São Paulo?
O reajuste do aluguel foi o responsável por fazer Flávia Tozzi, 35, gerente de uma escola particular, pesquisar apartamentos à venda no bairro que cresceu e onde vive sua família, a Vila Matilde, na Zona Leste da cidade de São Paulo. Por ali, o preço médio de um imóvel é de R$ 379,6 mil, como mostra o Financiômetro da Loft (veja no mapa abaixo). Não demorou muito a encontrar uma opção na região e próximo à estação do metrô.
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Foram os 16 anos de contribuição no FGTS a principal fonte para a entrada de R$ 120 mil no apartamento de 48 m². Os R$ 300 mil restantes foram financiados em 35 anos na Caixa Econômica Federal via SBPE. “Dei entrada na papelada em outubro do ano passado e, em janeiro, peguei as chaves. Por mês, pago R$ 2,7 mil no financiamento, que é só um pouco mais caro do que o aluguel que eu estava”, diz. Tozzi ainda escolheu o Sistema de Amortização Constante (SAC), que reduz o valor das parcelas ao longo do tempo, visto que os juros, calculados sobre o saldo devedor restante, diminuem progressivamente.
Quem também conseguiu financiar um apartamento na Zona Leste foi a professora de idiomas, Thamyres Moura, 28. Mas, no caso dela, os planos, juntamente com o marido, vinham desde o segundo holerite de pagamento recebido em seu primeiro emprego. Foram três anos juntando dinheiro, o que fosse possível a cada mês, até chegarem aos R$ 10 mil em 2018, além dos FGTS acumulados. Na época, a renda do casal, por mês, estava na faixa dos R$ 5 mil, tornando-os aptos para o “Minha Casa, Minha Vida”.
Eles também queriam morar na Vila Matilde, só que o preço os fez optar por um bairro vizinho, na Vila Nhocuné. O apartamento de R$ 224 mil, com 42 m², atendeu às necessidades do casal. Por mês, o financiamento custa R$ 1,4 mil. “Temos uma estação do metrô a dez minutos da nossa casa, mercados, padarias, farmácias e tudo que se pode imaginar”, aponta Moura. Atualmente, o programa habitacional concede crédito para famílias com rendas mensais de até R$ 8 mil, permitindo o financiamento de imóveis de até R$ 350 mil — saiba mais detalhes das regras nesta reportagem do Estadão.
Custo do crédito e dos insumos: por que o financiamento imobiliário está caro?
Não é novidade que a poupança tem perdido espaço na estrutura de funding (dinheiro para crédito) imobiliário. Embora a fuga dos brasileiros desse tipo de investimento esteja desacelerando, especialistas do setor acreditam que outros instrumentos financeiros devem continuamente ganhar espaço — caso das Letra de Crédito Imobiliário (LCI), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Letra Imobiliária Garantida (LIG) e Fundos de Investimentos Imobiliários (FII).
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No entanto, o presidente da Abecip, Sandro Gamba, alerta para o fato de que os juros do crédito imobiliário estão mais atrelados à taxa básica de juros (Selic), hoje a 10,5% ao ano. “Qualquer movimentação da taxa de dez anos contribui para a precificação do crédito imobiliário. É importante acompanhar essa taxa e ter uma referência sobre as tendências”, diz. Junto a isso, Gamba aponta que a ampliação do prazo de liquidez das LCI, por meio da Resolução 5.119, pesou contra o ativo e deve fazer preço ao crédito imobiliário. “Para buscar a distribuição desse mercado, o custo da LCI aumentou.”
Para Leandro Mendes, head de Assessoria na Terra Investimentos, essa mudança das regras prejudicou mais o investidor do que o tomador de crédito. Mesmo assim, ele explica que a redução da captação da poupança faz com que haja uma maior procura por recursos vindos do LCI ou do CRI: “as incorporadoras e construtoras vão buscar alternativas de crédito.”
Acontece que isso tende a tornar o crédito imobiliário, seja para as construtoras ou para compradores, mais caro. “A Selic é a rentabilidade mínima aceita em um investimento. Sendo assim, é bem provável que veremos as taxas subirem nos próximos meses, seja com a sinalização de aumento dos juros básicos e a pressão da inflação recente, junto à recorrente redução da poupança”, explica.
A Selic não impacta apenas os juros aplicados nas transações financeiras e no custo do crédito. Ricardo Teixeira, coordenador do MBA em Gestão Financeira da Fundação Getulio Vargas (FGV), lembra que há reflexos na inflação do custo da construção. “Matérias-primas e terrenos estão mais caros. Além disso, há localizações que, em função da oferta e demanda, estão mais valorizadas do que outras, mesmo na mesma cidade ou bairro.”
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Quem está no dia a dia das obras concorda com o apontamento e vai além. O engenheiro civil Ricardo Gonzales*, que atua em uma construtora na região metropolitana de São Paulo, frisa que o preço dos insumos dispararam desde a pandemia e não têm dado sinais de queda. Junto a isso, até mesmo a mão de obra escassa no setor, de mestres de obras, pedreiros, arquitetos e até outros engenheiros, acaba encarecendo o valor final do imóvel. “Há muita rotatividade e as pessoas estão procurando formas ‘mais simples’ de ganhar mais dinheiro fora do trabalho formal.”
Por que está difícil dar a entrada do financiamento imobiliário?
Alcançar o sonho da casa própria demanda disciplina e algumas estratégias, avalia Marcelo Milech, planejador financeiro pela Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar). Segundo ele, o primeiro passo é a criação de uma reserva de emergência que cubra de seis a 12 meses de gastos médios mensais.
“Se a pessoa ou a família não dispõe desse valor, é melhor não começar a pensar na aquisição. Considerando isso, reserve 30% da renda familiar”, explica, observando que, caso não seja possível poupar essa fatia da renda, o prazo se estende para mais que 30 anos, impossibilitando a capacidade de contratação. “Faça essa reserva por cinco anos, aplicando em títulos do Tesouro Direto, por exemplo. A tendência é que isso gere suficiente para dar entrada num financiamento imobiliário de 30 anos.”
A tarefa pode não ser tão simples para quem não tem renda fixa e arca com o aluguel e condomínio mensalmente, como acontece com Mariana dos Santos, que ganha por aula dada. Ainda assim, ela faz reservas mensais, embora ainda não tenha conseguido acumular um valor que cubra pelo menos seis meses de gastos, como recomendam os educadores financeiros. “Ainda não consigo poupar dinheiro exclusivamente para a entrada do financiamento.”
Mas nem todo MEI trabalha sob esse regime porque é um prestador de serviços hoje em dia. O relações públicas Rafael Damasceno*, 29, conta que se tornou celetista — isto é, contratado sob as regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) — somente há dois anos e meio, passando a contribuir para o FGTS.
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Em agências de comunicação anteriores, mesmo cumprindo os requisitos do vínculo empregatício, emitia nota e precisava tirar do próprio bolso os custos que são benefícios da CLT. Embora não tivesse os descontos na folha de pagamentos, arcava com os custos com plano de saúde, alimentação, transporte, contador, além do aluguel. Sem benefícios remunerados, como as férias e o décimo terceiro salário, mal havia espaço para uma reserva de emergência.
Ele conta que entrou no mercado de trabalho em 2014, tornando-se MEI quatro anos depois. “A reforma trabalhista foi bem nessa época”, aponta Damasceno. Isso porque, sancionada em 2017, ela passou a incentivar a contratação de profissionais como Pessoa Jurídica (PJ), ao reduzir os encargos trabalhistas nesse modelo frente à CLT.
Ricardo Teixeira, da FGV, explica que a reforma foi feita para que as empresas mantivessem o número de colaboradores, só que numa forma jurídica diferenciada. “A pejotização mantém empregos mais do que cria problema. Ao trabalhar como PJ, as pessoas recebem mais do que se houvessem os descontos da CLT.”
Apesar disso, Damasceno conta ao E-Investidor que, quando trabalhou como PJ, foi porque esse era o único formato de contratação oferecido. “Minha renda mensal hoje, sendo CLT, é superior à daquela época, mesmo com os descontos”, revela. Ainda assim, em seus cálculos, vai precisar de uns 20 anos de contribuição ao FGTS para chegar a um valor que permita o financiamento.
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O relações públicas também está de olho em um imóvel de até R$ 500 mil. Não na capital, mas no interior paulista. Junto com a noiva, a renda mensal da família varia entre R$ 15 mil e R$ 20 mil. Mesmo reconhecendo ser uma realidade financeira distante da maioria dos brasileiros, ele diz não saber quando vai conseguir comprar a casa própria. “É um sonho que vai levar alguns bons anos para se realizar.”
*Os nomes foram trocados a fim de manter o sigilo das fontes