- A Americanas era listada no Novo Mercado, segmento considerado de mais alto nível de governança corporativa da B3
- Também fazia parte de índices de sustentabilidade, como o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISEE), Índice de Governança Corporativa (IGC), Índice de Governança Corporativa Novo Mercado (IGC-NM) e Índice Great Place To Work (IGPT)
Esta reportagem faz parte do especial “Caso Americanas: as histórias por trás dos números“
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A Americanas (AMER3) era listada no Novo Mercado, segmento considerado de mais alto nível de governança corporativa da B3. No site da Bolsa, o ambiente é descrito como “padrão de transparência”, composto por companhias que voluntariamente adotaram práticas de boa gestão adicionais à legislação vigente.
Além do Ibovespa, principal índice de ações da Bolsa, a varejista também fazia parte de diversos índices de sustentabilidade, como o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), Índice de Governança Corporativa (IGC), Índice de Governança Corporativa Novo Mercado (IGC-NM), Índice de Governança Corporativa Trade (IGCT) e Índice Great Place To Work (IGPT).
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Nos bastidores, porém, a empresa tinha a fama de espremer fornecedores para que o prazo de pagamento das mercadorias fosse o mais longo. Um deles falou ao E-Investidor e revelou que a empresa fazia os pagamentos em cerca de 90 dias, mas que atrasos eram considerados “comuns”.
“Eu forneço para eles há muitos anos e até outubro do ano passado estava tudo certo. Dali em diante, a empresa começou a atrasar ou dificultar os pagamentos”, afirma o empresário que não quis se identificar. “Mas não ficamos surpresos, até porque não era a primeira vez que acontecia de a empresa reter pagamentos. Era normal.”
A situação mudou quando as inconsistências contábeis de R$ 20 bilhões foram identificadas nos balanços e reportadas ao mercado em 11 de janeiro. No total, o fornecedor calcula um prejuízo de R$ 500 mil em mercadorias entregues à varejista no fim do ano passado e que ainda não foram pagas.
A perda de meio milhão deste fornecedor poderia ser muito maior se ele tivesse atendido um “pedido incomum”, de R$ 1,4 milhão, feito pela Americanas em agosto de 2022. “Eles queriam um volume muito alto e optei por não fazer o fornecimento desse pedido”, diz.
De acordo com a B3, no pregão seguinte à descoberta do rombo contábil (12 de janeiro), o Plano de Resposta a Eventos relacionados ao ISE B3 foi acionado. Este plano prevê a exclusão de companhias do índice em cerca de 15 dias após um evento que fira os critérios ESG (sigla para boas práticas ambientais, sociais e de governança) ser registrado. Dos demais índices, a exclusão aconteceu apenas quando a empresa entrou com pedido de recuperação judicial, em 19 de janeiro.
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De acordo com Fabio Alperowitch, sócio-fundador e gestor da Fama Investimentos, especialista em boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG), a relação pregressa da Americanas com fornecedores foi um dos motivos que o fizeram zerar posições na varejista ainda em 2019.
- Ouça os principais trechos da entrevista com Fabio Alperowitch
O especialista identificou que, apesar de estar listada no Novo Mercado e diversos indicadores “ESG”, a companhia não executava boas práticas de governança. “Entendemos que a empresa usava seu gigantismo para passar por cima dos fornecedores, por vezes mais fracos e menores, e que isso não era uma gestão sustentável”, afirma.
Em 2020, por exemplo, a Americanas ficou em primeiro lugar em disparidade salarial entre CEOs e funcionários, de acordo com um levantamento realizado por Renato Chanes, ex-diretor da Previ e especialista em governança.
O presidente da varejista ganhava 663 vezes mais do que a média dos outros funcionários, a maior distância entre as empresas do Ibovespa. “Haviam outros sinais muito evidentes que nos levaram à decisão de desinvestir. Um deles é o alto tournover de executivos, ou seja, as pessoas que trabalhavam lá ficavam por pouquíssimo tempo. Por que a empresa não conseguia reter talentos?”, questiona.
Em nota enviada ao E-Investidor, a Americanas afirmou que suas negociações comerciais seguem em ritmo saudável para a empresa e fornecedores, com quem a varejista tem “relações históricas”. “A companhia está focada na gestão do negócio e no propósito de oferecer a melhor experiência a seus clientes, parceiros e fornecedores”, diz a empresa.
Além dos índices de sustentabilidade, é importante que o investidor monitore quando uma empresa tem uma cultura corporativa construtiva, de respeito com os stakeholders” (colaboradores, fornecedores e todos que são impactados por decisões da empresa), que já é metade do caminho para a sustentabilidade empresarial. Ou se a companhia pratica o famoso “greenwashing” – uma empresa disfarçada de sustentável.
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Vale destacar que Americanas está longe de ser a primeira empresa do Novo Mercado com envolvimento em escândalos financeiros. O IRB e as empresas do Eike Batista, por exemplo, pertenciam ao segmento.
“Empresas do Novo Mercado e estão dentro do ISE não são sustentáveis e de boa governança. Os atalhos que o mercado procura através de índices e ratings são um reducionismo perigoso”, diz Alperowitch. “Para as empresas que têm má governança é de todo o interesse pertencerem neste segmento porque reduz-se sobre elas a cobrança.”
Para Alperowitch, o caso Americanas deve trazer um debate ao mercado sobre a cultura corporativa ultrapassada de resultado a qualquer custo. “Nos anos 1990, era praticado um capitalismo mais selvagem, em que empresas faziam o que fosse possível para aumentar seus resultados”, afirma.
Procurada pelo E-Investidor, a B3 afirmou que é importante ressaltar que cada índice de mercado possui sua própria metodologia.
“No caso do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3), a metodologia vigente, construída em conjunto com o mercado, baseia-se na análise de respostas e evidências apresentadas pelas companhias, e análise de risco ESG baseada em publicações nacionais e internacionais”, afirmou a B3, em nota ao E-Investidor.
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Em relação ao Novo Mercado, segmento em que a Americanas continua listada, a Bolsa afirma que avaliará a criação de regras de exclusão de empresas numa próxima revisão do ambiente. “O Novo Mercado estabelece o que as empresas devem estruturar em termos de governança corporativa, mas o esforço para evitar prejuízos ao investidor deve mobilizar todos os agentes do mercado, incluindo reguladores e auditorias”.
Ouça os principais trechos da entrevista com Fabio Alperowitch, da Fama Investimentos.