- As mudanças propostas pela reforma tributária em relação às heranças tem feito muita gente correr atrás do planejamento sucessório
- Mas especialistas alertam: a pressa pode ser inimiga da perfeição — ou de fazer da melhor forma a partilha dos bens
- Existe um momento ideal para dar início aos planos de sucessão e a ajuda de profissionais permite que conflitos e arrependimentos aconteçam
O planejamento sucessório e a antecipação de herança entraram nas discussões dos brasileiros com o avanço da reforma tributária. Afinal, o projeto de lei aprovado na Câmara dos Deputados propõe o aumento do imposto incidente sobre as transmissões e doações de bens. Não é à toa que famílias estão contra o tempo para fugir desse tributo. No entanto, os especialistas alertam: a pressa pode ser inimiga da perfeição — ou, no caso, da melhor forma de fazer a partilha dos bens.
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Ainda assim, a preocupação e pressa são justificadas. No Brasil, os custos e despesas com inventário, que podem incluir advogados e oficiais de justiça, podem consumir uma média 15% do valor total do patrimônio. Não importa o tamanho da família ou do patrimônio, um Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), que pode chegar a 8%, virou mais uma dor de cabeça no processo de sucessão.
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Para quem já estava nesse processo, o momento é agora. No entanto, para quem nem estava pensando nisso, e apenas iniciou o movimento por conta da reforma tributária, é melhor ter calma. Pelo menos é essa a avaliação de Mari Emmanouilides, sócia e responsável pela área de wealth management na Galapagos Capital. “A falta do planejamento sucessório ou se ele for feito sem atenção aos detalhes pode impactar a herança mais do que a carga tributária, independentemente da alíquota”, afirma.
Quando é hora de fazer o planejamento sucessório?
Ao E-Investidor, a especialista explica que há um “momento ideal” para dar início aos planos de sucessão. “Quando a matriarca e o patriarca passaram da fase de acumulação [de capital], cujos filhos já se casaram e estão compondo um novo grupo familiar. Esse momento acontece numa faixa etária média de 60 anos”, diz Emmanouilides.
Isso, no entanto, não significa que os pais vão abrir mão completamente dos bens ainda em vida. É possível fazer a doação via usufruto, permitindo que o herdeiro usufrua da propriedade enquanto o proprietário mantém o direito sobre ela.
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Mas para quem ainda está em fase de acumulação de recursos e ativos, com filhos menores de idade, Emmanouilides acredita que não se justifica já preparar os planos de sucessão e partilha. “Corre-se o risco de tomar uma decisão antecipada e até equivocada. Não é algo que gostamos de pensar, mas pode acontecer do filho vir a faltar antes dos pais”, alerta.
Outras situações que podem ocorrer são dos donos do patrimônio se arrependerem da maneira como os bens serão distribuídos. Seja porque algum herdeiro se casou e não havia as cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, o que pode dar brecha para genros e noras terem direito aos bens em casos de divórcios, ou até mesmo se o filho crescer e os pais simplesmente se arrependerem da configuração da partilha por qualquer motivo que seja.
Erros como esse podem trazer custos, pois quem recebeu a doação precisa concordar com a reversão caso o dono do patrimônio se arrependa. “Vai depender se existe a concordância ou não do herdeiro [em devolver a doação], e obviamente vai ter custo de novo de transmissão de patrimônio. Por isso, o planejamento sucessório tem que ser muito bem pensado. É melhor pagar um pouco mais lá na frente do que fazer algo na emoção.”
Como organizar o planejamento sucessório?
Realizar um planejamento sucessório pode não ser uma tarefa fácil. Afinal, tudo vai depender do tamanho do patrimônio, como o titular deseja que seja feita a partilha e até mesmo como ocorrerá a tributação sobre os bens. Por isso, os especialistas em sucessão familiar destacam a importância da contratação de uma consultoria.
“Há muitos problemas que podem surgir no futuro em função de um planejamento mal feito, seja do ponto de vista tributário quanto ou de uma eventual briga entre os herdeiros”, diz o advogado e economista Samir Choaib, responsável pelas áreas de planejamento sucessório e tributário do escritório Choaib, Paiva e Justo.
A recomendação é a contratação de uma consultoria especializada em planejamento sucessório. O primeiro passo, é uma reunião deles com a equipe, que vai buscar conhecer detalhadamente os bens e ouvir os desejos dos donos do patrimônio.
Feito isso, herdeiros e patriarcas se reúnem, na presença de advogados, para anunciar como se dará a configuração da herança e divisão de bens. “Os pais se sentam na presença dos filhos, em perfeito juízo, e dizem o que querem que seja feito. Há uma menor possibilidade de desarmonia na família no futuro”, explica Choaib.
Vale destacar que a equipe responsável pelo planejamento sucessório costuma ser multidisciplinar, composta por:
- advogados;
- profissionais com certificação CFP (Certified Financial Planner);
- contadores;
- tributaristas.
Por que a sucessão patrimonial é importante?
A importância do planejamento sucessório reside em vários aspectos:
- Proteção do patrimônio: garantir que os bens acumulados ao longo da vida sejam protegidos e direcionados conforme os desejos do titular;
- Redução de conflitos: minimizar disputas entre herdeiros que podem surgir na ausência de um planejamento claro;
- Continuidade dos negócios: para empresários, é crucial garantir a continuidade dos negócios, evitando a fragmentação de empresas familiares;
- Segurança jurídica: prover clareza e segurança jurídica sobre a divisão dos bens;
- Evitar conflitos entre herdeiros: ao deixar claro como seus bens serão divididos, você reduz a chance de disputas entre seus familiares após sua morte.
Como amenizar o impacto fiscal na herança?
A presença de profissionais com certificação CFP no planejamento sucessório não é por acaso. Mari Emmanouilides, da Galapagos Capital, lembra que além de destinar para onde vai os bens em vida, o momento em que essa organização é feita também abre espaço para os donos do patrimônio avaliarem como será a sua renda e “fluxo de caixa” enquanto ainda estão vivos. Nesse caso, o planejador financeiro vai ajudar a fazer isso e ainda ter uma rentabilidade sobre esses valores.
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“O planejamento inclusive ajuda no orçamento da família, pois parte dos recursos podem ficar aplicados em fundos, na previdência ou em outros ativos financeiros. Muitas vezes as famílias não sabem como fazer isso e ter esse fluxo de caixa. O planejador financeiro cumpre esse papel”, explica.
Estratégias para minimizar os impactos da reforma tributária
De acordo com os especialistas ouvidos pelo E-Investidor, existem algumas estratégias que podem ser adotadas para minimizar os impactos da reforma tributária. Confira a seguir.
1. Holding familiar
Para quem tem muitos bens, existe a possibilidade da constituição de uma holding familiar. Com isso, os ativos passam a ser da empresa em nome dos pais. Posteriormente, eles não vão deixar os imóveis para os herdeiros, mais as cotas desta empresa.
2. Fundos fechados
Apesar do come-cotas semestral, os fundos exclusivos também podem ser uma boa opção. Isso porque o dono do patrimônio será o responsável sobre como os investimentos serão feitos, se haverá usufruto com herdeiros e até regular como será feita a distribuição da renda gerada (ou não).
3. Doação em vida
Mas para quem tem pressa e já tem a certeza de como fazer a partilha, é possível antecipar as transferências ainda em vida. Uma das principais indicações diante das mudanças do ITCMD com a reforma tributária e a transferência de imóveis ainda neste ano, que pode minimizar os impactos fiscais futuros sobre as heranças.
4. Inventário em vida
Para já acordar algumas decisões junto aos herdeiros, e ajudar no pagamento de alguns impostos, é possível realizar um inventário em vida. A prática dispensa a solicitação de um inventário judicial. Entretanto, tanto em vida quanto em morte, tanto o inventário quanto a transmissão de bens requerem pagamento do ITCMD.
O que muda nas heranças com a reforma tributária?
A principal mudança que a reforma tributária trouxe em relação ao tema é a mudança do ITCMD. Caso o texto seja aprovado como está (lembrando que ainda haverá votação no Senado para, então, ocorrer a sanção presidencial), os governos estaduais não terão a liberdade de legislar como bem entenderem. Na legislação ainda vigente, cada Estado define a sua alíquota, que pode ser fixa ou progressiva, cujo teto é de 8%. Com a reforma tributária, esse tributo será obrigatoriamente progressivo conforme a base do valor calculado.
Mas além de incidir sobre as heranças e até doações de bens, o ITCMD também será tributado sobre a previdência aberta, incluindo os Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL) e Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL). No entanto, valores aportados há mais de cinco anos do evento tributável não serão objeto de tributação no caso do VGBL.
Além disso, o texto da reforma tributária também abriu caminho para a cobrança do ITCMD sobre heranças de quem tem bens no exterior ou é residente ou teve o inventário processado fora do Brasil. Atualmente, não há a incidência desse tributo sobre doações ou heranças originárias do exterior para beneficiários domiciliados no Brasil. Com as mudanças, essas transações também serão tributadas.
Entretanto, as mudanças da reforma tributária sobre patrimônio e herança devem começar a valer de forma gradual. A entrada plena em vigor ocorrerá apenas em 2033. “Com a aprovação da PL, haverá um tempo adequado para movimentações patrimoniais antes da vigência das novas alíquotas. Porém, quanto maior a antecedência das análises e definições, maior é a assertividade de um planejamento sucessório bem-feito”, explica o advogado Rogério Baptista Fedele.