- Cerca de 30% das mulheres dizem sentir sintomas físicos ao lidar com números, como tremedeira, palpitação ou sudorese excessiva, contra 16% dos homens
- Adiar decisões financeiras por medo de encarar as finanças é uma situação mais comum para as mulheres (41%) do que para os homens (36%)
- Elas também se sentem mais culpadas quando o assunto é dinheiro (46%) do que eles (30%)
Nos Estados Unidos, 99% dos episódios de violência doméstica estão relacionados à violência financeira. Nestes casos, o homem controla todo o dinheiro ou patrimônio da mulher e a priva de tomar qualquer decisão financeira, usando os recursos como bem entende. Em muitas situações, o agressor proíbe a mulher de ter a própria conta bancária ou mesmo de conseguir um emprego, o que poderia garantir a ela recursos para abandonar um relacionamento abusivo.
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O dado alarmante pertence à Allstate Foundation Purple Purse, fundação americana voltada a ajudar vítimas da violência doméstica por meio da capacitação financeira. “Eu não tenho uma pesquisa semelhante no Brasil mas, em contato com responsáveis por delegacias da mulher aqui, posso dizer que a mulher vítima de violência depende financeiramente do marido em praticamente 100% dos casos”, diz Andreia Fernanda da Silva Castro, economista com especialização em psicologia econômica e fundadora da Rico Foco, consultoria de planejamento financeiro.
No Brasil, Andreia foi a responsável acadêmica pelo levantamento “O bolso do brasileiro”, realizado pelo Instituto Locomotiva, a pedido da Xpeed (escola de educação financeira e negócios da XP Inc.). A partir da pesquisa, é possível observar que, antes mesmo de entrar em qualquer tipo de relacionamento, boa parte das mulheres têm questões urgentes para resolver com o dinheiro. Cerca de 30% delas sentem o impacto físico de ter que lidar com números – como tremedeira, palpitação ou sudorese excessiva. Quando se trata dos homens, este contingente cai quase à metade, para 16%. Adiar decisões financeiras por medo de encarar as finanças atinge 41% delas, contra 36% dos homens. E quase a metade das mulheres (46%) se sentem mais culpadas quando o assunto é dinheiro, percentual que cai a 30% em se tratando de homens.
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São os sintomas da “fobia financeira”, condição psicológica faz com que as pessoas tenham um medo paralisante de encarar as próprias finanças, de modo que abrir boletos bancários, analisar os gastos e tomar decisões financeiras no geral se torna algo extremamente desconfortável. As mulheres são a maioria deste público, o que a torna mais vulnerável a casos de violência doméstica. “É um ciclo vicioso: a falta de confiança da mulher com as finanças se traduz em falta de iniciativa para administrar o próprio dinheiro, o que leva a resultados ruins, que retroalimentam a insegurança e a dependência do companheiro”, afirma.
Insegura, ela pode se endividar ou não investir tão bem quanto poderia, planejando a aposentadoria, por exemplo. “Ela passa a depender ainda mais do marido, que assume total controle do dinheiro”, diz ela. “Se ele tiver tendência à violência, tudo fica muito mais complicado.”
Fatores históricos e culturais contribuíram muito para esta dependência e temor em relação ao dinheiro. Até 1962, por exemplo, as mulheres só poderiam trabalhar fora de casa, aceitar o recebimento de uma herança e até mesmo abrir contas em bancos se tivessem a autorização do marido. A necessidade de permissão estava expressa no Código Civil de 1.916, alterado pela Lei 4.121/62, que ampliou os direitos femininos.
“No Brasil, temos uma geração muito recente de mulheres que pode ter conta em banco sem autorização do marido, que pode criar e mandar no próprio dinheiro”, lembra Andreia. Apesar de a legislação brasileira ter avançado em relação à década de 40, esta limitação imposta às nossas mães ou avós deixou marcas que atravessam gerações.
Chefa de família
A carga posta em cima das mulheres, que hoje comandam quase a metade das famílias do País (45%), de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), é mais um fator que pode servir de gatilho para a ansiedade financeira. Claudia Yoshinaga, coordenadora do Centro de Estudos e Finanças da FGV EAESP, explica que diferentemente dos lares em que os homens são os responsáveis pelas finanças, essas famílias tendem a contar apenas com a figura feminina.
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“Em muitos lares chefiados por mulheres, o homem abandonou a família, e todos os cuidados com filhos estão apenas com a mãe. São lares em que as contas são bem apertadas, porque apenas em parte dos casos elas conseguem receber a pensão das crianças”, explica Claudia. “A preocupação com o dinheiro pode gerar então palpitação, dor de cabeça, dor de barriga, ou até sintomas mais fortes, porque são casas com o orçamento muito restrito.”
Reflexo no mercado de trabalho
A fobia financeira das mulheres também pode explicar em parte a desigualdade de gênero no mundo corporativo. Em cargos equivalentes, elas costumam ganhar menos que os homens. “Se ela não consegue falar de dinheiro, encarar as próprias finanças, ela também não consegue negociar salários”, diz Thiago Godoy, head de educação financeira da Xpeed, braço de educação financeira da XP.
Ou seja, muitas mulheres teriam dificuldade em reconhecer o seu valor profissional no mercado. A saída, dizem especialistas, é cortar o mal pela raiz: as mulheres precisam entender que são tão capazes quanto os homens de administrar suas finanças. Até por uma questão de defesa dos próprios direitos.