

A história da Auren (AURE3) representa a metáfora do príncipe que virou sapo. Sucessora da Cesp, a geradora elétrica chegou à Bolsa de Valores em 28 de março de 2022 e iniciou a sua trajetória agradando o mercado e se consolidando como uma promessa dos dividendos. Em 2023, chegou a distribuir R$ 3 por ação, ficando entre as cinco maiores pagadoras da B3, com dividend yield (rendimento de dividendos) de 20,37%.
Mas, em 2024, teve uma reviravolta após unir negócios com a AES Brasil, criando a terceira maior geradora do País. Embora a operação seja excelente para os negócios da Auren no longo prazo, o “timing” foi péssimo. O motivo é que a dívida da companhia vai aumentar, mas o fato disso acontecer em um cenário em que os juros escalam rapidamente para 15% ao ano, comprometeu o que os investidores mais gostavam: os dividendos da Auren.
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Sem perspectivas de recuperação antes de 2028, as ações já sentem os efeitos. Segundo levantamento do TradeMap, desde que começaram a negociar na Bolsa, os papéis AURE3 acumulam perdas de 31,09% até o fechamento de 20 de fevereiro de 2025, enquanto o Ibovespa soma ganhos de 7,46% no mesmo período. Em 2024, as ações AURE3 fecharam em baixa de 31,99% e em 2025 acumulam leves ganhos de 0,91%, mas ainda abaixo do Ibovespa, que já avança 6,08% neste ano.
Nesta segunda (24) a empresa divulga seu balanço do quarto trimestre de 2024, após o fechamento do mercado.
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Há quem acredite que diante do tombo das ações surge uma oportunidade de compra de olho na recuperação do papel nos próximos anos. Mas após realizar a análise de AURE3, os especialistas advertem: essa possibilidade não serve para todos os investidores. Apenas um pequeno grupo seleto pode usufruir da queda.
Afinal, vale investir na Auren como oportunidade para proventos no longo prazo ou a companhia é a maior furada da Bolsa?
Salto das dívidas e o risco para o investidor de Auren
Uma das questões que está gerando muita confusão entre os investidores pessoa física diz respeito ao endividamento da Auren. Quem olha atualmente o indicador de alavancagem se depara com uma dívida líquida/Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de até 1,4 vez. À primeira vista tal resultado passa a ideia de que o endividamento da Auren se encontra em um nível superbaixo e controlado, mas há uma pegadinha aí.
Acontece que a alavancagem ainda não considera a incorporação da AES Brasil nas operações. O patamar de endividamento será oficialmente atualizado no balanço do quarto trimestre de 2024, que será divulgado nesta segunda-feira (24). Segundo os analistas consultados pelo E-Investidor, a nova alavancagem da companhia deverá saltar para entre 4,9 vezes até 5,5 vezes.
Bruno Oliveira, analista do Vida de Acionista, destaca que uma dívida em torno de 5,5 vezes aumenta o risco do investidor em um cenário macroeconômico de juros e inflação elevados. “Existem companhias que não suportam essa alavancagem e acabam quebrando”, comenta.
No caso da Auren, por se tratar de uma empresa grande e com gestores eficientes, a possibilidade da empresa quebrar está descartada do cenário dos analistas, ao menos por hora. Mas há consequências nos fundamentos da companhia. “A alavancagem vai vir, mas será gradual. O que antes era uma empresa de dividendos, atualmente se transformou em um caso de gestão de dívida”, diz Vitor Sousa, analista da Genial Investimentos.
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“Com juros mais elevados, as empresas acabam gastando mais com despesas financeiras, o que pode comprometer a lucratividade e consequentemente os dividendos distribuídos”, acrescenta Hugo Cabral, analista da Nord Research.
Endividamento líquido de AURE3 pode explodir
Além da alavancagem, o endividamento líquido também pode explodir com os juros em alta. Oliveira lembra que a Auren já tinha projetado que a sua dívida líquida poderia saltar de R$ 2,8 bilhões para R$ 17 bilhões após a fusão com AES Brasil, mas isso não contemplava uma Selic no patamar de 15%. Nem o fato de que boa parte dos investidores optaria pela transformação das ações AESB3 em dinheiro, ao invés de receber novas ações AURE3. “Estamos falando de um aumento de 50% no custo da dívida, é bem possível que a dívida líquida supere esses R$ 17 bilhões”, afirma Oliveira.
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Para João Pedro Zanott, analista da EQI Research, apenas em 2027 a Auren atingiria patamares mais confortáveis de alavancagem, entre 3 e 3,5 vezes dívida líquida/Ebitda, o que permitiria a retomada de bons dividendos. A título de comparação, a maioria das elétricas trabalha com um endividamento na faixa entre 3,5 e 4 vezes o Ebitda.
Seca dos dividendos
O principal impacto do endividamento elevado da Auren recai sobre os dividendos, que devem ser fracos até pelo menos 2028. A maioria dos analistas acredita que a companhia se limite a distribuir os 25% do lucro líquido obrigatório estabelecido pela Lei das SA entre 2025 e 2028.
“Seria imprudente se comprometer com um payout (parcela do lucro líquido destinada a proventos) maior, porque a dívida tende a ficar muito grande”, pontua Oliveira. As distribuições começariam a melhorar apenas no final de 2028 ou no começo de 2029, na visão do analista.
Sousa acredita que a Auren pode ainda não pagar dividendo nenhum em 2025, ou se pagar o mínimo, o dividend yield (DY) será muito baixo. Entre os analistas consultados pela reportagem, a expectativa de DY da Auren para 2025 vai de 1% até 3,70%. Veja na tabela abaixo:
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Já no levantamento de consenso de mercado do TradeMap, que leva em conta a opinião de seis bancos, corretoras e casas de análise, o dividend yield no caso mais otimista chega a 7,30%, um ponto fora da curva. Confira:
Um ponto a ser observado ainda é que a Auren tem planos de investimento em 2025. Segundo Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, a companhia já manifestou interesse no leilão de Reserva de Capacidade e no leilão de transmissão. “Havendo possibilidade e bons projetos, a gestão pode ter interesse”, comenta.
De acordo com Arbetman, o investidor precisa observar essa alocação de capital, para entender como ficarão os dividendos.
O que aconteceu com os dividendos da Auren?
Dividendos mais atrativos só devem acontecer em 2028 ou 2029, segundo analistas. Tentar projetar qual será o “novo normal” dos proventos da Auren após 2028 é uma tarefa complexa, porque a companhia nunca chegou a estabelecer uma política de distribuição substancial no seu estatuto nem a determinar um payout acima do mínimo de 25%.
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Os pagamentos desde 2022 foram, na verdade, um pouco diversos. Naquele ano, a Auren distribuiu R$ 0,10 por ação. Em 2023, graças a um pagamento extraordinário e não recorrente, fruto de uma indenização, a companhia remunerou os investidores com R$ 3 por papel. Em 2024, os dividendos foram de R$ 0,40.
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Segundo Cabral, outro ponto que inviabiliza projetar os dividendos futuros vem da falta do cronograma de amortização das dívidas. Pistas que devem ser apresentadas no balanço do quarto trimestre de 2024.
Oliveira destaca que um payout de 50% do lucro líquido para Auren seria interessante no futuro. Além de ficar parecida com pares como a Engie (EGIE3), o analista acredita que acionistas maioritários, como o fundo CPP Investments e a Votorantim, gostam bastante de receber renda passiva, o que favoreceria este patamar de distribuição.
Vale investir na Auren?
Mesmo com as ações em queda nos últimos anos, o que poderia abrir espaço para uma compra dos papéis AURE3 por preços menores, a maioria dos analistas consultados considera que Auren é furada e não vale a pena o investimento no curto prazo. Principalmente se o objetivo do investidor for receber dividendos.
Sousa acredita que atualmente existem ações melhores pagadoras de dividendos no setor elétrico. Segundo o analista da Genial, não valeria se posicionar nem pensando na retomada no longo prazo, porque o custo de oportunidade é muito alto. Ele não recomenda Auren para nenhum tipo de investidor, nem iniciante nem experiente. Para quem já possui os papéis, a indicação da Genial é manter.
“Acredito que ninguém deveria entrar na Auren nesses preços. Exceto se tiver um evento como mudança de política fiscal ou de governo, que possa reduzir os juros e a ação seja reprecificada. Mas por razões operacionais, eu não compraria a ação”, pondera.
Para Zanott, da EQI, Auren deixou de ser opção para proventos atrativos, dado que o foco da empresa está na integração de ativos e na dívida alta. “O principal gatilho para valorização da Auren seria a queda dos juros, que impulsionaria o desempenho da ação frente a pares do setor. Mas não parece ser cenário para o curto prazo”, avalia.
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Oliveira, do Vida de Acionista, acredita que tudo depende do custo psicológico de ter Auren na carteira. Para os investidores iniciantes ou aqueles que ainda não vivem da renda dos dividendos, é aconselhável evitar aportar na empresa. Isso porque o investidor pode passar três ou quatro anos recebendo dividendos pífios, antes de ver bons resultados. “Eu não diria que Auren é a maior furada da Bolsa, mas com certeza fica no ranking dos TOP5 furadas atualmente”, observa.
Tem a questão ainda de que ao escolher Auren, o investidor pode estar deixando de lado outras elétricas que são bem geridas, têm dívida controlada e podem pagar até 10% de dividendos no curto prazo.
Para Oliveira, o perfil de investidor da Auren neste momento seria alguém com uma carteira milionária, que já vive de renda passiva e que compraria a ação apenas a título de “perfumaria”. “Se der errado, não vai mudar em nada o padrão de vida desse investidor”, completa.
A ação AURE3 está cara ou barata?
A queda de mais de 30% nas ações AURE3 nos últimos anos não necessariamente deixou os papéis baratos. Pelo contrário, a maioria dos analistas consultados acham as ações bem precificadas, por conta das incertezas da empresa.
Sousa destaca que a Auren virou uma empresa influenciada pela macroeconomia, principalmente de olho em 2026, quando ocorrem eleições presidenciais no Brasil, e por conta da política fiscal. “Se houver uma reforma fiscal, o custo da dívida vai cair e o mercado vai reprecificar as ações. No momento está cara, mas pode ficar barata”, destaca.
Para Cabral, da Nord, a Auren já não era barata antes da aquisição, porque negociava a 11 vezes lucros. Mas como AES Brasil vinha reportando prejuízos antes de ser incorporada, provavelmente os múltiplos da ação devem ficar mais caros ainda, na visão do analista.
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Oliveira acredita que uma empresa vale o que consegue remunerar os investidores de forma sustentável. Portanto, a Auren seria hoje uma das mais caras ações do setor elétrico.
Quais ações do setor elétrico são melhores que Auren?
Convenhamos, o investidor não precisa perder o sono tentando esperar até quatro anos para a Auren voltar a remunerar bem seus acionistas. Há opções mais atrativas no setor elétrico para quem busca bons dividendos já em 2025 e pretende substituir a Auren na carteira de investimentos. Analistas citam sete ações com dividend yields que podem chegar a 11,5%.
A mais indicada foi a Engie, que é a segunda maior geradora de energia elétrica do Brasil. Segundo Cabral, da Nord, 71% do portfólio vem de fontes hídricas e 29% de fontes eólicas, solares e biomassa. “A Engie trabalha com contratos de venda de energia de longo prazo, que proporcionam previsibilidade e estabilidade de receita. A carteira de clientes está balanceada entre livres e regulados”, diz.
Cabral destaca que nos últimos cinco anos, o lucro da Engie cresceu em média 13% ao ano, impulsionado pelo aumento de capacidade instalada e reajustes tarifários. Sobre dividendos, o analista explica que o payout está em 55% atualmente e a companhia paga uma vez ao ano.
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Arbetman, da Ativa, acredita que no fim do ciclo de investimentos da Engie, em 2027, o payout voltará para a faixa dos 100% do lucro. “A Engie fez em 2024 a compra de ativos de geração. Recentemente, os preços de energia recuaram e seguem comportados por conta das chuvas. A empresa também está investindo em ativos renováveis e de transmissão”, comenta ele, para justificar a queda dos dividendos. Apesar do payout de 55%, Arbetman, ainda a considera uma das melhores opções do setor elétrico, bem na frente da Auren (AURE3).