- De acordo com relatório da FGV, o brasileiro ainda investe majoritariamente em poupança e títulos públicos. Entretanto, o apetite por criptomoedas é muito maior do que o observado pelos investidores franceses e ingleses que participaram da pesquisa
- Segundo William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da FGV EAESP, o brasileiro ainda pensa muito no curto prazo e busca investimentos que prometem dar altos retornos rapidamente, o que explicaria parte de preferência por criptomoedas
- Felipe Medeiros, analista de criptomoedas e sócio da Quantzed Criptos, ressalta que o mercado cripto nunca foi de enriquecimento rápido e que investidor deve ter cuidado com falsas promessas
O investidor brasileiro ainda é bastante conservador e aloca capital principalmente na poupança (37,5%) e em títulos públicos e renda fixa no geral (21%). Ainda assim, o País se destaca quando o assunto é investimento em criptomoedas, uma classe de ativos com um nível de risco ainda maior do que o visto no mercado acionário tradicional.
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De acordo com o relatório ‘Risco relevante para o investidor brasileiro, francês e inglês’, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), finalizado no início deste mês, 14,5% dos investidores brasileiros afirmam investir em criptoativos. O porcentual é quase cinco vezes maior do que o apontado pelos respondentes franceses (3%) e nove vezes maior do que o observado nos investidores ingleses (1,5%) que participaram da pesquisa.
O número de brasileiros que investe em criptoativos ficou pouco mais baixo do que o porcentual que afirma investir em renda variável tradicional (16,1%), o que inclui bolsa de valores, fundos de investimento e outros ativos de risco. Nesta seara, os franceses aparecem com um porcentual ainda menor, de 12,6%. Já os ingleses apresentam maior apetite por equities (17,5%).
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A pesquisa foi feita com 595 pessoas: 200 do Brasil, 198 na França e 197 no Reino Unido.
Na visão de William Eid, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da FGV EAESP e um dos autores do relatório, esse panorama não é uma surpresa. O especialista afirma que a Inglaterra tem um mercado de ações bastante desenvolvido, enquanto a França e o Brasil ainda possuem mercados pequenos. Essa distância em maturidade das economias explica, segundo ele, a menor adesão de brasileiros e franceses à Bolsa.
Por outro lado, o destaque dos brasileiros em relação a criptoativos viria do próprio perfil do investidor doméstico. “A preferência por criptos é causada por essa visão de curto prazo, por essa necessidade que o brasileiro tem de ficar rico logo”, ressalta Eid. “O brasileiro não tem paciência para investir o dinheiro e deixar 15 anos em algum lugar. Ele quer que o dinheiro se multiplique rapidamente. E as criptomoedas parecem prometer isso.”
De fato, o relatório da FGV deixa claro a perspectiva mais imediatista do investidor brasileiro. Cerca de 76% dos participantes do Brasil afirmaram investir visando curto ou médio prazo, contra 45,5% dos franceses e 64,5% dos ingleses.
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Os brasileiros também são o que menos investem no longo ou longuíssimo prazo (24%), enquanto 54,5% dos franceses e 35,5% dos ingleses o fazem.
Na decisão de investimento, o brasileiro também considera menos o risco (22%) do que os investidores da França (26,8%) e Reino Unido (36%). Além disso, os investidores do Brasil olham mais para a rentabilidade passada (19%), de até um mês atrás, e confiam mais nas recomendações de influenciadores digitais (10%).
“Durante um tempão teve todo um movimento para empurrar o investidor (brasileiro) para as criptomoedas, com cursos e influenciadores falando sobre o assunto. Eu particularmente sempre me posicionei contra”, diz Eid.
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A preocupação de Eid faz sentido, já que a mistura entre alto risco (e a pouca preocupação com ele), considerar rentabilidade passada como indicativo para o futuro e seguir recomendação de influenciadores pode ser uma forma de perder dinheiro.
Felipe Medeiros, analista de criptomoedas e sócio da Quantzed Criptos, afirma que o Brasil se tornou um país pioneiro em tecnologias e soluções para criptomoedas. “Podemos citar a tokenização de empresas e programas de clubes de futebol, bem como a criação de ETFs na Bolsa brasileira. Vale lembrar que no caso de alguns ativos, o Brasil foi o primeiro país do mundo a negociá-los em bolsa, via ETF.”
Todo esse avanço em opções de investimento em ativos digitais atraiu principalmente os jovens para as finanças, o que é positivo. Porém, Medeiros se preocupa com narrativas de enriquecimento rápido e fácil que são espalhadas nas redes sociais.
“Cripto nunca foi um mercado que possibilitou enriquecimento rápido”, reforça Medeiros. “Investir a partir de "dicas" de influenciadores adiciona um grande risco ao investidor. Recentemente muitas pessoas perderam grande parte do seu patrimônio na cripto 'LUNA', que era um dos ativos mais indicados por influencers no Youtube, Instragram e Tiktok.”
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Para o analista de criptomoedas da Quantzed Criptos, a estratégia é estudar o mercado antes de entrar e começar por criptomoedas mais resilientes, como Bitcoin (BTC) e Ethereum (ETH), aplicando quantias pequenas. “Os investidores que entram pensando no curto prazo, na absoluta maioria das vezes, abandonam o mercado com perdas acima de 50% do capital. Existem grandes e promissoras tecnologias sendo desenvolvidas nesse mercado, que podem ser tratadas como bons investimentos a longo prazo”, diz.
Esta foi a lição que o securitário Guilherme Adario aprendeu na prática. Ele começou a investir em bitcoin em meados de 2017, aportando cerca de US$ 5 mil - antes disso, Adario investia apenas na poupança. Chegou a ganhar dinheiro fazendo daytrades e possuir 1 BTC inteiro, que hoje custa cerca de US$ 30 mil.
Contudo, no ano seguinte a cripto sofreu grandes baixas e terminou 2018 com uma queda de mais de 70%. Apavorado com as perdas, o então iniciante em criptos acabou vendendo o bitcoin com prejuízo.
“Fiquei um pouco traumatizado. Até acompanhava o mercado, mas só voltei a comprar no ano passado e sem fazer muitos daytrades. Só comprei e segurei, pensando para um prazo maior. Este ano continuei comprando e aproveitando as quedas”, afirma Adario. “Antes eu achava que era fácil enriquecer (com criptos), hoje sei que não é assim tão simples", destaca.
O securitário passou pelo pior medo apontado pelos brasileiros, franceses e ingleses na pesquisa da FGV: perder permanentemente parte ou todo o seu investimento inicial. Para cerca de 24% dos entrevistados do Brasil, esse é o maior pesadelo financeiro. Perder dinheiro de forma irreversível também tira o sono de 37,4% dos franceses e 37,6% dos ingleses.
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Curiosamente, o segundo maior medo absoluto dos brasileiros são os riscos de liquidez (não conseguir vender o ativo rapidamente), o que indica, novamente, essa tendência mais de curto prazo que pode fazer justamente com que o investidor perca capital (o pior medo).
Já os franceses e ingleses, apesar de também temerem perder capital, têm como segundo grande medo a variação do retorno (24,2% e 16,8%).
“Nosso principal objetivo nesse estudo era esse último tópico, do maior medo do investir. No Brasil, nós temos muito medo de risco de liquidez e da falência da instituição financeira, mas não deveríamos ter. Isso é falta de educação financeira, porque no Brasil temos o Fundo Garantidor de Crédito (FGC)”, diz Eid, da FGV. “Falamos de educação financeira há décadas, mas não tem jeito, não investimos nisso e, quando investimos, não fazemos do jeito certo.”