- O início do ciclo de cortes na taxa de juros parece estar cada vez mais perto
- O mercado passou a precificar o primeiro corte na Selic para a reunião do Copom de setembro, um movimento que deve alterar as estratégias de investimento
- O E-Investidor conversou com analistas, estrategistas e gestores para entender como eles estão preparando os portfólios para capturar esta possível redução dos juros
A taxa básica de juros brasileira, a Selic, não vê um ajuste para baixo desde agosto de 2020, quando foi cortada de 2,25% para 2% ao ano, no menor patamar da história. De lá para cá, foram 12 aumentos consecutivos suficientes para elevar os juros a 13,75% ao ano, nível em que estão estacionados desde agosto de 2022.
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As estratégias de investimento nesse período mudaram. Se os juros baixos favoreciam as ações na Bolsa, aos poucos a renda fixa foi reconquistando seu lugar de queridinha dos investidores, à medida que o aperto monetário penalizava os ativos da renda variável.
Agora, com a inflação dando os primeiros sinais de arrefecimento e os planos para a política fiscal ficando mais claros, o mercado passou a precificar o tão esperado primeiro corte na Selic para o segundo semestre do ano.
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Entre os mais otimistas, há quem diga que o Copom irá reduzir os juros na próxima reunião de junho, mas a expectativa geral é de cortes no encontro de setembro. Sinal de que as estratégias de investimento também vão começar a se alterar.
O E-Investidor conversou com analistas, estrategistas e gestores para entender como eles estão preparando os portfólios de investimento para capturar este possível movimento de redução dos juros. Afinal, o mercado é conhecido por sempre antecipar os eventos que afetam a economia.
É importante destacar que as mudanças nos portfólios não são unanimidade. Há os que ainda não veem a redução da Selic como um movimento de curto prazo e preferem manter as estratégias inalteradas, ao menos por enquanto. Veja o que esse grupo diz nesta outra reportagem.
Entre quem já começou a adequar as carteiras pensando em capturar a queda dos juros, as mudanças também não são um grande giro. Segundo os especialistas, o cenário ainda conta com diferentes fatores de incerteza – o arcabouço fiscal ainda não aprovado ou a possibilidade de recessão nos Estados Unidos, por exemplo. Por isso, os ajustes nas estratégias são gradativos.
Ainda assim, aqui e ali é possível ver corretoras e gestoras aumentando as posições em renda fixa prefixada ou híbrida, ocupando um lugar que até então era predominantemente dos ativos pós. Também há quem já esteja alterando as carteiras de ações, começando a apostar em ativos de setores sensíveis a juros, que vinham sendo muito penalizados na Bolsa.
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Fundos imobiliários (FIIs), especialmente os de tijolos que também apanharam no ciclo de alta da Selic, e títulos de crédito privado também voltam a ganhar lugar.
Separamos abaixo as principais mudanças que estão acontecendo nos portfólios do mercado. Confira:
Toro Investimentos
- Estratégia: na carteira de renda fixa, mais atenção aos prefixados e crédito privado
Para se preparar para um possível corte nos juros no segundo semestre, a Toro Investimentos vem há alguns meses fazendo pequenas alterações nas suas recomendações ao investidor. A principal delas é a mudança no perfil da carteira de renda fixa, que antes estava concentrada em ativos pós-fixados e, agora, passa a incluir também títulos prefixados, como as NTN-Fs.
Ainda na renda fixa, quem também voltou às recomendações foram os títulos de crédito privado, que viram suas taxas aumentarem no início de 2023 desde o problema financeiro encontrado na Americanas (AMER3).
“O mercado está bem estressado e tem títulos de empresas de rating de crédito muito bom e solidez financeira – aquelas que chamamos de high grade – negociando a taxas de high yield praticamente”, diz o analista João Vítor Freitas. Enxergando isso como uma oportunidade, a Toro está começando a aumentar a exposição a essa classe de ativos, dando preferência a papéis de empresas de maior qualidade.
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Em FIIs, apesar de não estarem indicando um aumento na alocação em fundos, a Toro também está começando a fazer pequenas alterações nos segmentos dos ativos em que investe: reduzindo a exposição a FIIs atrelados ao CDI e voltando com os aportes no mercado de lajes corporativas, que devem se beneficiar da queda da Selic.
Quanto ao investimento em ações, mudanças nas alocações ainda dependem de maiores sinais de melhoras no cenário doméstico e internacional. “Continuam sendo uma parte do portfólio, mas entendemos que ainda não é o momento de aumentar a exposição”, explica Freitas.
Genial Investimentos
- Estratégia: em ações, tese de commodities dá lugar a ativos ligados à economia doméstica
A Genial Investimentos começou a mudar sua estratégia de alocação em ações para se antever a um possível corte de juros no 2º semestre; um movimento que foi iniciado em abril, mas tomou força nas carteiras recomendadas de maio.
Filipe Villegas, estrategista de ações da corretora, explica que, até então, a estratégia de investimento em ações estava muito concentrada em uma carteira dolarizada, composta por empresas exportadoras e de commodities, que poderiam se beneficiar do processo de reabertura da China que começou em janeiro.
Agora, com a possibilidade de recessão nos Estados Unidos ganhando força – o que joga contra o aumento da demanda global por commodities – essa tese começa a perder impulso na carteira recomendada da Genial.
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No lugar, entraram ativos de empresas mais ligadas à economia doméstica, que foram penalizadas durante o ciclo de alta dos juros e podem ser as primeiras a esboçar uma reação assim que o BC decidir cortar a Selic.
Villegas cita os setores que mais podem se beneficiar: construção civil, small caps, varejo, shoppings, bancos e elétricas. A preferência, no entanto, é somente pelas três últimas.
“O setor mais impactado pela alta dos juros, sem sombra de dúvidas, é a construção civil, mas ele é muito mais impactado em vencimentos longos, que dependem mais da política fiscal. Levando em consideração que o arcabouço apresentado pelo governo não é o melhor dos mundos, taxas de longo prazo acabam não sendo um grande trigger nesse momento”, explica Villegas.
A preferência, então, é por aqueles setores que se beneficiam da queda da curva de juros curta, como shoppings, bancos e elétricas. “Como são setores mais resilientes, se a gente errar no timing ou na estratégia, sofreríamos menos. Na dúvida, preferimos essa posição mais conservadora.”
Guide Investimentos
- Estratégia: foco na renda fixa pré e híbrida, e ativos de Bolsa e FIIs sensíveis a juros
A Guide Investimentos segue bastante focada em renda fixa, concentrando o risco da carteira em ativos prefixados e híbridos, aqueles atrelados à inflação. Um viés de alocação que já vem desde o início de 2023 justamente mirando um possível corte nos juros no segundo semestre.
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Na exposição à Bolsa, a corretora dá preferência a ativos sensíveis à taxa de juros, que sofreram muito em 2022 e agora devem se recuperar. No entanto, a recomendação é não “comprar o índice”, já que recentemente o Ibovespa vem sendo pressionado pelo desempenho mais baixo dos ativos ligados a commodities.
“Preferimos um stock picking, escolhendo esses papéis que estão sub precificados e devem se beneficiar de um fechamento maior na taxa de juros. Também vale para alguns fundos imobiliários, que também devem ter desempenho melhores como eventual queda da taxa de juros”, explica Victor Beyruti, economista da Guide Investimentos.
Principal Claritas
- Estratégia: preferência por NTN-B curtas
Com visão mais de longo prazo, a estratégia de alocação da Principal Claritas para capturar o início do ciclo de corte nos juros é a alocação em NTN-Bs, o Tesouro IPCA+, com prazo de vencimento de até 5 anos. A gestora entende que uma posição em prefixados, como boa parte do mercado está montando posição, pode vir a fazer sentido em algum momento ao longo do ano, mas ainda não é a hora.
“Via NTN-B, a gente se beneficia do eventual corte de juros, mas também se protege via inflação caso haja alguma surpresa em outro sentido”, explica Rodrigo Cabraitz, gerente de portfólio da casa.
Cabraitz destaca ainda que um corte na Selic também poderia beneficiar os investimentos em renda variável, principalmente com um maior apetite dos investidores institucionais. Apesar disso, a Claritas mantém uma posição neutra em ações, um viés de cautela frente aos riscos políticos e do exterior que ainda permanecem no radar.
XP Investimentos
- Estratégia: aumento das posições de renda fixa prefixada, renda fixa global também vai bem
A principal alteração na alocação da XP neste início de maio também foi na renda fixa. Até então, a corretora mantinha uma alocação baixa em ativos prefixados, que começa a aumentar a partir de agora como uma estratégia para capturar um eventual corte nos juros. Por ser um ativo de maior risco, a recomendação é para títulos com vencimentos mais curtos, com vencimento entre 2025 e 2026.
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“É bem verdade que a alocação sugerida em pré é menor do que a de pós-fixado e de inflação, principalmente nas carteiras de baixo e médio risco. Mas a direção importa mais do que a magnitude”, destaca Rodrigo Sgavioli, head de alocação e fundos da corretora.
Outro destaque entre as preferências de alocação da XP são os ativos internacionais, especialmente a renda fixa global. Com a alta de juros em curso nas economias desenvolvidas, a avaliação é que este pode ser um bom momento para se expor a ativos como as treasuries americanas – os títulos públicos dos Estados Unidos – ou títulos corporativos de empresas de alta qualidade. “De preferência, também com duration não muito longa”, diz Sgavioli.
Para ações, a visão da casa segue neutra até que o caminho da política fiscal esteja mais consolidado e permita o aumento das posições em Bolsa.
Lifetime Asset Management
- Estratégia: bom momento para crédito privado e FIIs de logística e shoppings
Na Lifetime, a expectativa é de que o primeiro corte na Selic aconteça já na próxima reunião do Copom, em junho, ou no mais tardar no encontro de agosto. Josian Teixeira, diretor e gestor de recursos da gestora, destaca que esse movimento já está presente inclusive nos ativos prefixados, cujo preço já reflete um fechamento da curva de juros futura.
Na parte de crédito privado, Teixeira destaca que existem bons ativos com taxas atrativas. O ponto de atenção, no entanto, é analisar os níveis de alavancagem e endividamento das empresas emissoras para não acabar assumindo um ativo de risco elevado. “É importante analisar caso a caso, mas empresas de boa qualidade, bom rating, baixa alavancagem, se tornam nesse momento atrativas”, diz o gestor.
A Lifetime também dá atenção aos FIIs, especialmente aos do segmento de tijolo, que foram muito penalizados durante o ciclo de alta nos juros. Muitos deles negociam até mesmo abaixo de seu valor patrimonial. “Com um possível início do ciclo de corte de juros, o segmento de logística e shoppings tendem a performar melhor”, diz Teixeira.