- "Olhando à luz de hoje, talvez tenha sido excessivo, talvez teria de ter aumentando em janeiro. Mas como ele ainda estava amarrado pelo forward guidance, acabou deixando passar"
- "Só para se ter noção da magnitude da inflação para este ano: estamos com projeção de 5,5%. Nas nossas projeções, vai romper o teto da meta, vai ter cartinha explicando o que aconteceu"
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central decidiu aumentar a Taxa Selic em 0,75 ponto percentual, para 2,75% ao ano, nesta quarta-feira, 17 de março. Essa é a primeira elevação da taxa básica de juros desde julho de 2015.
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Com o IPCA acumulando alta de 5,20% em 12 meses, até fevereiro, o Copom age para evitar que a inflação ultrapasse o centro da meta de 5,25%. A alta das commodities e o cenário fiscal são dois desafios para a autoridade monetária sentir nas próximas semanas se a elevação da taxa de juros foi precisa.
Essa nova Selic mexe tanto com os investimentos como com o dia a dia da economia. Para entender esse cenário de juros em alta, o E-Investidor conversou com Daniel Weeks, economista-chefe da Garde Asset Management.
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E-Investidor – O Copom demorou para subir os juros frente a essa inflação que só aumenta?
Daniel Weeks – Voltando um pouco. O Copom baixou bastante os juros durante a pandemia porque estava com um cenário bem desinflacionário. Em agosto, chegou nos 2% e o mercado gostaria de cair mais. O Focus estava a 1,60% para o ano de 2020 e 3% para este ano, e o BC via a necessidade de dar mais estímulos. Era um outro mundo: commodities para baixo, um mundo desinflacionário e o Brasil com uma incerteza grande sobre quando ia voltar à normalidade. Creio que o BC fez certo em jogar o juro tão para baixo. Ficamos com juro real bem negativo. No entanto, ao fazer o forward guidance, ele amarrou as mãos durante um tempo. Olhando à luz de hoje, talvez tenha sido excessivo, talvez teria de ter aumentando em janeiro. Mas como ele ainda estava amarrado pelo forward guidance, acabou deixando passar. Mas não é uma falta que não dê para corrigir: subiu 75 basis points (bps, ou 0,75%) hoje e provavelmente mais uma alta de 75 bps e 50 bps nas próximas reuniões.
E-Investidor – Essa alta da Taxa Selic de 2% para 2,75% é suficiente?
Weeks – É 75 bps de alta hoje e um discurso mais forte, mais hawkish. A melhor forma de fazer esse discurso mais duro é tirar a menção, que não estava no último comunicado mas estava na última ata, do ajuste parcial. O pessoal que já queria no último Copom começar o ajuste parcial estava pensando em voltar o juro para 4%, 4,25%. Acho que o cenário deteriorou tanto… Já tinha deteriorado de dezembro para janeiro, de janeiro para março, então, deteriorou muito: o petróleo subiu mais de 20%, os alimentos mais de 12%, o dólar aqui andou 5%, ou seja, veio uma avalanche inflacionária tanto com preços de commodities lá fora como de piora de fundamentos internos, com riscos fiscais ajudando a manter o câmbio tão depreciado. O plano de voo lá em janeiro era: se tiver de normalizar, vamos de maneira parcial. Mas isso cai por água abaixo dada a deterioração do cenário.
E-Investidor – Mas a volta do auxílio emergencial, que pressionou a inflação em 2020, não exigiria uma alta maior?
Weeks – A alta maior que eu vejo é elevar os juros até 6% no final do ano. O Boletim Focus ainda está em 4,5%. Muito mais do que isso eu não vejo necessidade. Basicamente porque, apesar de toda essa piora de inflação no curto prazo, o BC já está reagindo. Se não reagisse e fosse subir só no final do ano, talvez tivesse de subir muito mais os juros. Podia ter subido em janeiro e está subindo agora, mas não é algo que desancorou completamente o mercado. Ele subindo e normalizando para o neutro já leva a inflação para perto da meta em 2022. Temos de lembrar que, por mais que se tenha uma nova rodada de auxílio emergencial, é muito menor do que foi o do ano passado. Vamos fazer em quatro meses o que se fez em um mês. Essa pressão vinda do lado da demanda foi o que aconteceu no ano passado, quando colocamos mais de R$ 300 bilhões nas mãos de uma população de baixa renda, que tem uma propensão a consumir maior. Por isso o consumo de alimentos e bens duráveis, como geladeira, TV. Eles tiveram mais renda até do que tinham antes da pandemia, foi uma transferência de renda muito grande.
E-Investidor – O setor de construção também sentiu esse efeito.
Weeks – Sim, vimos pressões grandes em material de construção. O dinheiro estava sobrando e o pessoal resolveu reformar a casa. Mas tem um problema na parte industrial. As cadeias ficaram bem desorganizadas com a pandemia, no mundo inteiro. Não tem chips, por exemplo. As cadeias da indústria foram quebradas na pandemia quando tudo foi fechado pelo pânico e ficamos sem esse problema de oferta, que tende a se normalizar com o tempo. Obviamente tem de ver como vai ser aqui no Brasil essa segunda onda; a princípio também tende a se dissipar. Com o BC levando o juro para o neutro, que seria entre 6% e 6,5%, que é a nossa estimativa, isso faz com que esse choque de curto prazo se dissipem ao longo do tempo. Ainda vai ter um hiato, uma taxa de desemprego alta. Por isso, falta o BC reforçar sua credibilidade. Ainda é um BC crível, mas se deixasse a inflação correr demais poderia ter um problema maior.
E-Investidor – A inflação acumulada em 12 meses, encerrado em fevereiro, chegou a 5,20%, muito próximo ao teto da meta de 5,25%. O Brasil está numa zona perigosa?
Weeks – Só para se ter noção da magnitude da inflação para este ano: estamos com projeção de 5,5%. Nas nossas projeções, vai romper o teto da meta, vai ter cartinha explicando o que aconteceu. E, de fato, grande parte disso é um choque de commodities. Só o aumento da gasolina calculamos 23% no IPCA até abril. Isso dá mais de 100 bps na inflação. Apenas um item! Mas o BC consegue [controlar] sem precisar dar um choque de juros. Muita gente pediu uma alta de 200 bps de uma vez. Não acho que é o caso, também. Começa com 75 bps e deixa aberto para acelerar na próxima reunião. E vai acompanhando o cenário porque, bem ou mal, as incertezas continuam muito grandes: pandemia, fiscal, tudo pode acontecer o tempo todo.
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E-Investidor – Por que a Garde está mais pessimista que o mercado financeiro, segundo a mediana do Boletim Focus?
Weeks – Temos 6% de Selic para 2021 e 6,5% na primeira reunião de 2022, fechando o ciclo total. O Focus está com 4,5% neste ano e 5,5% só no fim do outro ano. O Focus ainda está com uma cabeça de fazer um ajuste parcial. O Focus também está com inflação de 3,6% e a nossa é bem mais alta. E isso gera uma inércia de inflação para 2022 mais alta também. Uma coisa que difere o nosso cenário é que temos R$ 5,50 de câmbio para o fim do ano; o Focus é R$ 5,30, está mais baixo. E temos alguns motivos para sermos mais pessimistas. Um deles é a parte fiscal. Estamos bem preocupados. Não que a PEC que foi aprovada não seja boa. Foi um avanço, é ótimo, mas o maior risco para o nosso cenário é a pandemia. Esse colapso generalizado dos sistemas de saúde nos Estados vai gerar demanda por mais recursos fiscais, ou seja, uma situação bem complicada.
E-Investidor – Esse é o principal risco que você enxerga?
Weeks – O que não durmo à noite é qual vai ser o número da pandemia, de mortos amanhã e depois, se vai ter gente morrendo nas filas… Porque isso vai gerar mais demanda por recursos. Não que esses recursos mudem alguma coisa porque está meio contratado que vai continuar piorando. Mas essa é uma narrativa no mundo político que “precisamos de mais recursos, vamos declarar o Estado de calamidade”, e aí a gente pode ter mais uma rodada de piora da situação fiscal. Isso pega no nosso Risco País, no câmbio e pressiona a inflação. O rombo fiscal foi muito ruim no passado. Talvez a gente tenha exagerado no tamanho dos auxílios, principalmente o emergencial, que foi muito forte. Vamos ter mais uma rodada e está perigando ter mais. Dado o nosso nível de dívida, o câmbio deve continuar pressionado pelo nosso risco fiscal.
E-Investidor – Desta vez a alta da Taxa Selic não vai ajudar a apreciar o real?
Weeks – Obviamente, o juro sendo normalizado ajuda o câmbio a apreciar um pouco. Mas, quando rodo esses modelos de câmbio, com todas as dificuldades possíveis e imagináveis, o que entra nesse modelo não é a Selic, hoje. O que entra é a curva de juros, que já está embutindo altas gigantescas. A curva de juros já tem esse meu cenário de 6% no fim do ano. O câmbio só não está pior porque tem isso. Esse risco fiscal é interessante que, por mais que se fale, o País aprovou a PEC, foi ótimo, é um avanço, principalmente quando se pensa um país numa dificuldade muito grande de fazer o ajuste fiscal. Acho admirável o que foi feito: conseguir no meio de uma pandemia, que não é fácil, melhorar o seu arcabouço fiscal para o longo prazo. No entanto, no caminho para se aprovar essa PEC, vimos tentativas, como o aval do Bolsonaro, de tirar o Bolsa Família do Teto de Gastos que, em última instância, seria acabar com ele. Por mais que se tenha conseguido no não quebrar o Teto de Gastos, melhorar as regras etc, foi revelada uma preferência do presidente: “não sou tão comprometido como teto”. Tudo isso gera um viés, com a pandemia piorando, sobre qual é a próxima rodada que eles vão aprontar. Apesar de ter aprovado a PEC, os riscos fiscais continuam muito altos. Por isso não consigo ver o câmbio apreciando muito.
E-Investidor – Isso tudo sem contar o cenário externo.
Weeks – Aí tem mais uma coisa que não podemos esquecer: o cenário global. Apesar de commodities para cima ajudarem o câmbio, em tese, há uma rodada de dólar forte no mundo todo porque os Estados Unidos é, novamente, o expoente de crescimento. Estamos vendo esse decoupling, que deve ficar por alguns semestres. Até a metade do ano os EUA será o grande expoente de crescimento porque vacinou melhor, porque está com uma nova rodada de estímulo fiscal, que é uma pancada. O crescimento dos EUA, se comparar com a Europa, vai ser fenomenal. Olha o resto do mundo, tirando Israel e Reino Unido, todo mundo tropeçando nas vacinas. Por isso o dólar, no ambiente global, também tende a ficar fortalecido.
E-Investidor – O que pode mudar esse cenário todo?
Weeks – Só para não ser totalmente pessimista. Tem um pessimismo grande no curto prazo. Vamos passar março, abril bem complicado: piora dos números da pandemia e pressão por mais estímulo fiscal. Mas quando olhamos os acordos que estão sendo feitos de vacina, é plausível imaginar que em maio a gente consiga ter a nossa população vulnerável, acima de 60 anos, já vacinada. Isso já é um alento. Talvez a gente esteja passando o pior cenário. Vamos fazer um monte de lockdown, vai ter risco fiscal, etc, só que em algum momento a vacinação começa e lá em maio os números da pandemia serão melhores, com a vacina disponível. Não temos um problema logístico de vacinação, nosso problema é não ter vacina. Existe uma programação para que elas existam e essa oferta se intensifique em abril, maio. Aí, conseguiremos vacinar relativamente rápido; Por isso, quando penso na atividade no segundo semestre, estou mais otimista com a retomada. Chegamos a ter PIB de 4% este ano, mas reduzimos para 3,5%. Ainda é um PIB forte, mesmo com esse lockdown e essas restrições, vemos que o segundo semestre pode ser bem forte. Porque na hora que vacinar essa população começará a reabrir a economia. Apesar da taxa de desemprego alta, a população está com uma poupança alta porque não esgotou tudo o que ganhou no ano passado. Apesar da crise gigantesca e da alta do desemprego, o rendimento médio subiu. Mesmo naquela crise gigantesca, o governo proveu tanta coisa que as pessoas ganharam dinheiro, o que é uma coisa incrível. Passada essa fase mais aguda da crise, e estamos no meio desse limbo de não ter vacina com os números piorando, acho que o segundo semestre pode ser bom, de uma recuperação mais forte. E se está recuperando mais forte, acho que casa com nosso cenário de o BC normalizando o juro mirando inflação na meta em 2022. Pode ser que pareça muito ruim no curto prazo, mas pode ser que no segundo semestre tenha um alento – obviamente com todos os disclaimers sobre fazer projeção de vacina em pandemia.
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