Investimentos

Por que os fundos multimercados caminham para pior ano da história

Os resgates entre janeiro e novembro somam mais de R$ 99,1 bilhões, segundo a Anbima

Por que os fundos multimercados caminham para pior ano da história
O que fazer com o dinheiro com a queda dos juros? (Foto: Envato Elements)
  • O tão aguardado início do ciclo de cortes na Selic não foi suficiente para estancar a sangria dos fundos multimercados
  • No acumulado do ano (janeiro a novembro de 2023, dado mais recente), os “FIMs” registraram um volume de resgates recorde, de R$ 99,1 bilhões
  • Se não houver recuperação em dezembro, a classe que mescla ativos de renda fixa e variável caminha para ter o pior ano em captação líquida desde 2006

O aguardado início do ciclo de cortes na Selic não foi suficiente para estancar a sangria dos fundos multimercados. Nos últimos quatro meses – de agosto a novembro -, a taxa básica de juros da economia caiu de 13,75% ao ano, maior nível desde 2016, para os atuais 11,75% ao ano.

Enquanto os fundos de ações retomaram o fôlego e captaram mais de R$ 12 bilhões no período, os multimercados andaram no sentido contrário e perderam mais de R$ 44 bilhões. No acumulado do ano, até novembro de 2023, o dado mais recente, os multimercados registraram R$ 99,1 bilhões em resgastes – um volume recorde, segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Se não houver recuperação em dezembro, a classe que mescla ativos de renda fixa e variável caminha para ter o pior ano em captação líquida desde 2006 – início da série histórica feita pela Anbima. Em uma janela de dois anos, a fotografia fica ainda mais delicada, já que as saídas de capital somam mais de R$ 186 bilhões.

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Para Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, com a Selic de dois dígitos atraindo investidores para a renda fixa, uma das explicações para este cenário de altos resgates está no desempenho negativo dos fundos multimercados nos últimos meses. Entre janeiro e 8 de dezembro de 2023, apenas 21% destas aplicações bateram o CDI. Em um universo de 446 aplicações com gestão ativa, portfólio tradicional, acima de 100 cotistas e R$ 10 milhões de patrimônio, somente 94 renderam pelo menos o benchmark.

O estudo foi realizado pela TC Economatica, em parceria com a gestora TC Pandhora. “Os fundos multimercados erraram bastante em relação à condução de juros nos EUA e Europa”, afirma Cruz. “No primeiro semestre, que exigia mais cautela, eles foram mais arrojados. Agora no final do ano, período em que deveriam ter sido mais arrojados, foram muito cautelosos.”

Em geral, esses produtos costumam apostar na alta ou baixa de uma ampla gama de ativos, como ações, juros e moedas. Para serem bem-sucedidos, portanto, precisam acertar o cenário e as projeções – um desafio complexo em anos de alta volatilidade. No 1º semestre, por exemplo, o colapso da Americanas (AMER3) impactou o mercado de crédito no Brasil, além de ter ocorrido uma crise bancária nos EUA, que lançou dúvidas sobre o curso da política monetária americana.

“Essa indústria performou muito mal em 2023, com fundos de grande renome reportando desempenho ruim”, afirma Ricardo Jorge, especialista em mercado de capitais e sócio da Quantzed. “Por uma questão de aversão a risco, é natural que o investidor troque essas aplicações por outras mais seguras.”

Equilibrando pratos

Nem mesmo os mais renomados fundos de investimento multimercados escaparam dos resgates em massa de 2023. De acordo com levantamento feito pela TC Economatica, com fundos não exclusivos e com pelo menos 20 cotistas, as cinco aplicações que mais sofreram no ano são geridas por grandes casas, como a Verde Asset, BB Asset, SPX, Legacy e Kapitalo, que preferiram não comentar a matéria.

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Entre eles, apenas o fundo Verde Master bateu o CDI do período, de 12,49% (até 14 de dezembro). A trajetória do Verde reflete o que ocorreu em toda a classe de FIMs.  O fundo demonstrou dificuldades no primeiro semestre do ano, especialmente no entre fevereiro e março, como a maioria dos multimercados. A recuperação veio mais forte na segunda metade de 2023, principalmente em novembro, mês em que o rendimento bateu 331% do benchmark.

De acordo com o Índice de Índice de Hedge Funds (IHFA), referência para os multimercados, novembro foi o mês mais positivo para a classe, com uma rentabilidade média de 2,52%. Contudo, a retomada ainda não foi suficiente para frear os resgates de R$ 30,7 bilhões no período.

“O fundo Verde teve em novembro ganhos em ações no Brasil, na posição aplicada em juros reais, na bolsa global e nas posições de juros nos EUA e Europa”, afirma a gestora de Luis Stuhlberger no último relatório divulgado ao mercado. “Nesse período (em novembro) houve uma significativa apreciação de todos os ativos de risco. A correção das taxas de juros, após uma sequência de quatro meses de fortes altas, desanuviou o ambiente de investimentos.”

No relatório de novembro, o BB Mult LP Juros e Moedas afirmou que a posição em inflação implícita foi a única detratora e que os ativos públicos atrelados à Selic, que têm peso relevante na carteira do fundo, tiveram rendimentos abaixo do CDI. Já a exposição a crédito privado contribuiu positivamente, assim como as posições em Prefixadas, Opções de Juros, IPCA+, Juros de 10 anos americanos e real contra dólar.

O fundo SPX Nimitz registra o único rendimento negativo do ranking, com um retorno de 1,56% no acumulado do ano. No pior mês da aplicação em 2023, o rendimento foi de -3,30%, em junho. No melhor mês, em janeiro, a rentabilidade foi de 2,05% (182% do CDI), segundo dados do Mais Retorno.

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O pior mês do Legacy Capital Master FI em 2023 também ocorreu em outubro, com uma baixa de 2,08%, enquanto o melhor mês foi em novembro, com uma alta de 4,14% (452% do CDI). Fluxo similar pode ser observado no Kapitalo Master II, com o pior mês em fevereiro (-0,84%) e o melhor em novembro (6,32%).

Já em relação ao fundo “Itaú Vértice Optimus Titan Mult FC”, a Itaú Asset afirmou em nota que “embora o ano tenha sido de resgate líquido para essa linha de estratégia da família Optimus, o montante não é representativo frente aos mais de R$ 34 bilhões geridos por todo esse time, de forma que apresenta pouco impacto para a gestão dos produtos”.

Rodrigo Giordano, superintendente da área de Fund of Funds do Itaú, também comentou a situação específica dos fundos ‘Itaú Managed Portfolio 3 FC Mult’, campeão em rentabilidade de toda a seleção, e ‘Itau Seleção Multifundos Plus Mult Fc’. O executivo explica que as aplicações sofreram com a alta volatilidade, incertezas e quebras de tendências ao longo do ano. “Para 2024, o cenário base de queda de juros no mundo pode contribuir para um ambiente mais positivo para os ativos de risco e consequentemente para a performance e fluxo de captação”, diz Giordano.

 

O resgate atrapalha a vida dos gestores. Para dar saída aos cotistas, os profissionais acabam sendo “obrigados” a venderem papéis em que as aplicações estão posicionadas. Essas vendas impactam a rentabilidade e o movimento encoraja os investidores a resgatarem ainda mais. Ou seja, se torna um ciclo complexo de ser superado, principalmente em um cenário de juros mais altos, em que as opções na renda fixa simples estão mais tentadoras.

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Além disso, a queda no patrimônio das gestoras afeta diretamente áreas sensíveis do negócio. Segundo Caio Dantas, analista de fundos da Empiricus Gestão, o fluxo negativo tem um efeito financeiro e psicológico nas casas. Em relação ao financeiro, o menor patrimônio impacta diretamente a receita da asset e, por consequência, a capacidade de reter talentos.

“Como a gestão de ativos depende de muito capital intelectual, o efeito da saída pode alterar a capacidade na geração de alfa dos fundos”, afirma Dantas. Já o efeito psicológico pode fazer com que as equipes busquem riscos maiores em uma tentativa de obter ganhos e reverter a perda de capital. Por esse motivo, é importante ter uma equipe com processos e gestão de risco bem definida.

Contudo, olhando para frente, os analistas enxergam um 2024 potencialmente mais positivo para os fundos multimercados. As principais razões são os cortes esperados na Selic, que podem reduzir a atratividade da renda fixa, e um cenário macro nacional e internacional um pouco mais previsível. “No geral, parece ser um ano mais propício para a tomada de risco. Os juros, que são aquilo que concorre com os multimercados, estarão mais baixos”, diz Gabriel Tossato, especialista de investimentos da Ágora Investimentos. “Render 130% do CDI com o juro a 13% é mais difícil do que render 130% do CDI com o juro a 9%.”

Como escolher um fundo multimercado

É consenso entre os especialistas que um período de 1 ano é curto para avaliar a performance de um fundo. A recomendação é analisar janelas maiores de tempo antes de sair ou investir em um produto. “Não é saudável sair de uma estratégia de investimentos porque a rentabilidade de 12 ou 6 meses está menor do que o CDI e depois retornar quando as cotas estiverem mais positivas”, diz Tossato. A Ágora não tem recomendação de saída para os fundos multimercados.

Para selecionar os fundos multimercados nas carteiras recomendadas, os investidores podem avaliar vários critérios. Entre eles, o histórico dos gestores, incentivos de remuneração para a equipe de gestão, consistência dos resultados e as características do fundo.

Essa também é a indicação de Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos. “É relevante conhecer o histórico do fundo e não se guiar por rendimentos de curto prazo. A hora certa de sair do fundo sempre é um desafio e não existe um momento ideal", diz.

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Lembre-se que uma boa estratégia de investimentos é focada em resultados de longo prazo e o excesso de "mudanças de direção" pode, inclusive, trazer prejuízos. Em outras palavras, ao ficar sempre resgatando e redirecionando recursos, o investidor pode estar vendendo ativos na "baixa" e recomprando na alta, sem perceber este fluxo.

 

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