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Gestora limitou Vale (VALE3) da carteira após Brumadinho e hoje surfa ‘onda verde’

JGP se aprofundou sobre questões ESG e criou um método próprio para avaliar empresas

Gestora limitou Vale (VALE3) da carteira após Brumadinho e hoje surfa ‘onda verde’
Foto: Washington Alves/Reuters
  • A JGP despertou para as questões ESG no início de 2019, após o desastre ecológico que a Vale provocou em Brumadinho (MG). A partir daí, gestora se debruçou sobre o tema e, em maio deste ano, lançou seu primeiro produto ESG aberto ao público, um fundo de ações
  • Os estudos sobre o assunto transformaram a política de investimentos da gestora e acabaram influenciando os outros produtos da casa, que não tinham um viés temático ESG, mas também passaram a examinar essas questões
  • Gestora criou metodologia própria de avaliação e prefere não basear suas escolhas de empresas no Índice de Sustentabilidade Empresarial, que considera pouco confiável

O mercado de fundos de investimento com viés ESG no Brasil é explorado, principalmente, por assets de grandes bancos, como Itaú e Bradesco. Mas, como o assunto desperta um interesse crescente no mercado e nos investidores, há gestoras independentes que também estão se enveredando pelo terreno da sustentabilidade. Uma delas é a JGP, atualmente com R$ 21 bilhões sob custódia.

A gestora despertou para as questões ESG no início do ano passado, após o primeiro desastre ecológico causado pela Vale (VALE3) – o rompimento da barragem de Brumadinho (MG), em janeiro daquele ano. A partir daí, ela se debruçou sobre o tema e, em agosto de 2019, desenvolveu um fundo ESG exclusivamente para um cliente.

Em maio de 2020, a JGP lançou seu primeiro produto ESG aberto ao público, o fundo de ações JGP ESG. Ele foi o resultado de um processo de evolução da política de investimentos da gestora que acabou influenciando também os outros produtos da casa.

O analista Marcos Di Tullio, uma das principais lideranças na introdução dos critérios pela gestora, conversou com o E-Investidor e explicou por que a JGP resolveu entrar nessa seara e apostar em um tema ainda tão incipiente.

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Ottoni conta que a gestora começou a ser cobrada por alguns clientes para incorporar critérios ESG no processo de investimento, mas, por falta de conhecimento, nunca havia se aprofundado nesse assunto. Até que veio o rompimento da barragem da Vale em Brumadinho. A empresa era a principal posição da carteira da gestora no momento.

“No dia seguinte, as ações desabaram 20%. Sofremos muito. Foi o primeiro gatilho para a gente parar e olhar com cuidado para as questões ESG”, lembra. “Sob o ponto de vista financeiro, o investimento estava correto, mas como era possível termos ignorado o aspecto ambiental? Pouca gente olhava a situação das barragens.”

A partir daí, a JGP iniciou uma jornada de estudos para entender o significado e a relevância de cada uma dessas três letras. Di Tullio liderou a iniciativa no time de equity, enquanto outros colegas assumiram o leme nas equipes de crédito e wealth management. Hoje, o prisma ESG permeia toda a parte de análise da gestora.

“Vimos que precisávamos mudar nossa atuação. A questão climática vai levar a uma catástrofe dentro de algumas décadas. Nosso dever fiduciário é trazer consciência para esses fatores, que podem trazer riscos muito graves”, diz o analista.

Aos poucos, foi ficando claro que esse viés sustentável também trazia ganhos. Estudos foram apontando uma correlação entre uma atuação ESG e melhores retornos para as empresas. Companhias como a Suzano passaram a considerar a hipótese de monetizar créditos de carbono. E as novas gerações, mais conscientes, mostram interesse maior em entender os impactos que os produtos que consomem geram em cada etapa de seu processo de fabricação.

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“Foi um processo trabalhoso para a gente, de entender os impactos de toda a cadeia e também identificar o que é ou não importante cobrar de cada empresa”, diz Di Tullio. “É bacana a Vale construir escolas, mas, se ela não cuida das barragens, não adianta. O benefício da primeira ação não se compara ao malefício da segunda.”

A partir daí, a JGP começou a se aproximar das empresas e tentar engajá-las para que se comprometessem mais com a sustentabilidade, em um tom que Di Tullio chama de “abordagem construtiva”.

“Trabalhamos junto com as empresas e não contra elas. Não vamos atacá-las em público, mas eventualmente investir nelas e fazê-las melhorarem suas práticas”, diz.

Metodologia ESG própria mudou outros fundos

O olhar mais afiado para as questões ESG acabou contaminando positivamente a condução dos outros fundos da JGP. Por causa disso, a política de investimentos da casa não pode olhar para alguns setores, como o de tabaco, por exemplo. A diferença entre o fundo ESG e os demais é que o primeiro tem critérios adicionais e dá maior importância para questões de sustentabilidade.

A gestora tenta mapear dados como as emissões de carbono e o estresse hídrico causados por cada empresa, por exemplo – ainda que muitas delas não divulguem essas informações de forma estruturada. Isso ajuda a casa a dar um peso maior para os papéis de companhias que não causem grande impacto ambiental.

Se uma empresa se deparar com uma situação sensível, como um caso de corrupção, seu papel sofrerá um bloqueio e não poderá entrar na carteira da JGP por dois anos. Nesse período, a gestora mantém um contato próximo com a companhia e reavalia se os problemas foram ou não mitigados.

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“A Vale está muito barata e nossa posição nela seria gigantesca. Mas, por causa do nosso olhar ESG, a nossa posição nela no fundo equity tradicional é limitada. E no ESG ela não entra”, conta Di Tullio.

Passados os dois anos de suspensão, a Vale poderá eventualmente ser admitida na carteira ESG. Porém, para isso, a JGP teria que rebalancear todo o portfólio, já que a empresa tem emissões de escopo 3 elevadas. Assim, o conjunto de ações estaria dentro de limites ambientais colocados pela gestora.

JGP ignora o ISE

Para fazer a avaliação dos critérios ESG, a JGP desenvolveu um rating próprio. A casa optou por não usar os métodos de provedores de score do mercado, porque há muitas discrepâncias entre eles.

“Dependendo de qual provedor você escolhe, uma empresa pode ser ótima ou péssima. Como podemos confiar?”, diz Di Tullio. “Por que a Natura é boa? Fugimos de obviedades. Preferimos nós mesmos conversar com a empresa, analisar os números, sem conceitos prontos que possam nos levar ao erro.”

Enquanto outras gestoras se baseiam no ISE (Índice de Sustentabilidade Empresarial) tanto para escolher as empresas que entrarão na carteira ESG como para balizar a performance do fundo, a JGP não nutre apreço pelo índice e não o usa como benchmark.

“Temos várias críticas ao ISE, pois ele contém empresas que não são nada sustentáveis, como CCR e JBS. Não há um trabalho de avaliação profunda”, justifica Di Tullio.

Novos produtos ESG no forno

Com apenas quatro meses de vida, o fundo ESG da JGP ainda é um bebê. Alguns clientes da gestora, que se interessavam pelo tema, já migraram para o ativo “verde”. Mas outros têm preferido o fundo Equity, mais antigo – e que também acabou ganhando uma condução pautada pelos princípios ESG depois que a casa passou a pender para esse lado.

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“Existe um processo de aculturamento que demora um pouco, inclusive dentro da própria gestora. Nem todo mundo está na mesma página”, reconhece Di Tullio.

Mas a casa não pretende parar por aí. Há pelo menos outros dois produtos com viés ESG no forno: um fundo de crédito, que deve sair dentro de algumas semanas, e um de previdência, mais tarde. A gestora não adiantou outros detalhes sobre os dois, mas está certa de que esse olhar sustentável veio para ficar.

“Ter incorporado as práticas ESG nos livra de várias roubadas. Às vezes ficamos tentados a comprar uma empresa que está barata, mas, se depois algo acontece com ela, o papel despenca 30%. O ESG ajuda a gente a fugir desses riscos”, conclui Di Tullio.

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