- Os prêmios surgiram pela primeira vez em 2024 no mês de abril quando o governo decidiu alterar as metas fiscais dos próximos anos
- A situação aumentou o embate do mercado financeiro que pressiona por medidas mais efetivas de controle dos gastos públicos com o governo
- Após 4 meses sob pressão, a equipe econômica anunciou um bloqueio e contigenciamento de R$ 15 bilhões, mas que não será o suficiente para aliviar os riscos fiscais no Brasil
Desde abril, os títulos públicos indexados à inflação do Tesouro Direto ganharam visibilidade no mercado com a oferta de ganhos reais acima dos 6%. A atenção ao redor do investimento se deve aos poucos períodos em que os investidores viram esse nível de rentabilidade. Como mostramos nesta reportagem, os títulos com vencimento mais curtos alcançaram esse retorno em menos de 13% das sessões. Já aqueles com prazos mais longos chegaram a esse pico em menos de 14% das sessões em que foi negociado. Agora, após quatro meses desde a primeira aparição do IPCA+6% em 2024, a dúvida que prevalece é saber até quando a festa em torno dos títulos públicos vai durar.
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No cenário atual, a resposta para o questionamento não possui uma precisão para o fim desse nível de prêmio. Tudo vai depender de dois fatores, considerados cruciais para determinar o futuro dos títulos públicos: a condução fiscal no Brasil e as expectativas para a curva de juros nos Estados Unidos. Do lado do ambiente doméstico, os analistas e gestores de investimentos ainda aguardam decisões mais efetivas sobre o controle dos gastos do governo. No dia 18 de julho, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, informou o bloqueio e contingenciamento de cerca de R$ 15 bilhões para cumprir a meta fiscal de 2024.
Embora a notícia tenha soado como positiva para o mercado, o anúncio não muda as projeções fiscais para o Brasil nos próximos anos nem demonstra aos investidores o compromisso do governo em cumprir as regras do novo arcabouço fiscal. “A medida isolada pode não ser suficiente para aliviar a pressão nos prêmios da curva de juros e, por consequência, nos títulos públicos IPCA+6%”, afirma Vinicius Romano, especialista em renda fixa da Suno. Isso porque a grande dúvida dos investidores é saber se o governo será capaz de cumprir as metas fiscais dos anos seguintes.
Em abril, o mercado foi surpreendido com a revisão das metas fiscais para os anos de 2025 e de 2026. Na época, a equipe econômica comunicou que a meta para as contas públicas para o próximo ano sairia de um superávit de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB) para 0% no próximo ano. Já para 2026, o superávit de 1% do PIB foi reduzido para 0,25%. As alterações aconteceram menos de um ano do novo arcabouço fiscal entrar em vigor. Desde a mudança, o governo é pressionado para apresentar maior comprometimento com as contas públicas diante do aumento do risco fiscal.
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O estresse de mercado influenciou na elevação dos prêmios dos títulos do Tesouro Direto. Segundo dados da Economatica, foi durante esse contexto que as NTNB-s (títulos públicos indexados ao IPCA) saíram de um ganho mensal de 5,7% em março para 6,2% em abril. A chegada da rentabilidade – vista apenas em períodos de crise econômica – materializou a desconfiança dos investidores sobre a continuidade de uma melhora no ambiente econômico interno, mesmo com a espera do início da queda de juros nos Estados Unidos.
“Enquanto não houver uma indicação de ajuste fiscal com impacto relevante nessa busca pelo cumprimento das metas do arcabouço, o mercado vai continuar exigindo prêmios mais altos nos títulos públicos”, diz Filipe Arend, head de renda fixa da Faz Capital. Ou seja, os retornos reais dos títulos públicos atrelados à inflação vão continuar disponíveis no mercado para os investidores por um tempo ainda considerável. A situação fez com que a atenção de grandes nomes do mercado ficasse direcionado para os ativos de renda fixa em detrimento da bolsa de valores.
Em abril, Luis Stuhlberger, gestor da Verde Asset, afirmou em evento que está “de olho” nos títulos do Tesouro IPCA+ para aproveitar o “juro real insano”. Na época, o gestor classificou a presença da rentabilidade como uma “oportunidade imensa”. “Qualquer conta de matemática elementar diz o seguinte: se o Brasil tiver até 2060 um juro desse tamanho, o País quebra no caminho. Não dá para chegar lá com um juro desse, é uma oportunidade imensa”, disse Stuhlberger durante o evento. Veja os detalhes nesta reportagem.
Veja os prêmios dos títulos IPCA+ em 2024
Mês | Títulos IPCA+ com vencimento em 2029 | Ttítulos IPCA+ com vencimentos em 2035 | Títulos IPCA+ com vencimentos em 20240 | Títulos IPCA+ com vencimentos em 2045 | Títulos IPCA+ com vencimentos em 2055 |
Janeiro | 5,50% | 5,62% | 5,64% | 5,69% | 5,69% |
Fevereiro | 5,57% | 5,67% | 5,68% | 5,74% | 5,73% |
Março | 5,74% | 5,84% | 5,85% | 5,89% | 5,87% |
Abril | 6,27% | 6,28% | 6,21% | 6,22% | 6,21% |
Maio | 6,19% | 6,18% | 6,14% | 6,16% | 6,16% |
Junho | 6,51% | 6,51% | 6,43% | 6,49% | 6,47% |
Julho | 6,45% | 6,34% | 6,26% | 6,36% | 6,32% |
Fonte: Economatica |
Qual é o cenário de juros nos Estados Unidos?
Desde o primeiro semestre, os investidores monitoram de perto os indicadores econômicos dos Estados Unidos (EUA) para tentar prever quando o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) irá realizar o primeiro corte da taxa de juros. A expectativa do mercado é de que esse movimento tenha início ainda este ano. Por enquanto, os juros norte-americanos permanecem no intervalo de 5% a 5,25% desde julho do ano passado. Mas ao olhar os retornos dos títulos soberanos dos EUA com vencimento de 20 anos, é possível ver um pequeno alívio nas taxas.
Ainda de acordo com a Economatica, em abril, esses papéis estavam sendo negociados com uma rentabilidade de 4,71%. De lá para cá, houve um recuo ao passo de os títulos serem negociados com taxas de 4,29%. Se esse movimento ganhar ainda mais força nos próximos meses, poderá trazer uma alívio no cenário de juros do Brasil. “Quando temos taxas muito elevadas em países desenvolvidos, como os Estados Unidos, pode criar uma forte pressão para que os países emergentes mantenham as taxas de juros mais elevadas (para entregar um retorno aos investidores estrangeiros compatível ao risco)”, diz Maria Luisa Nepomuceno, analista de Renda Fixa da Nord Research.
Além disso, o alívio nas taxas de juros no mercado norte-americano pode atrair o capital estrangeiros para a bolsa brasileira. Segundo os dados mais recentes da B3, os gringos já retiraram R$ 29,6 bilhões apenas neste ano. Por outro lado, em julho, o mercado acionário tem tido mais entradas do capital estrangeiro do que retiradas ao registrar o primeiro saldo positivo do ano com uma captação líquida de R$ 9,1 bilhões. No entanto, a melhora no cenário internacional não será suficiente para reduzir sozinho os prêmios dos títulos públicos.
O peso sobressai ainda mais para o campo fiscal do que pelo cenário de aperto monetário nos mercados desenvolvidos. O mercado está à espera de medidas mais efetivas e um discurso mais alinhado do governo em prol de corte de gastos. “Não vejo que tenha força suficiente para derrubar nosso prêmio de risco. Acredito que a queda de juros nos EUA vai ajudar mais o nosso Banco Central a retomar o ciclo local de queda da Selic do que efetivamente diminuir o prêmios dos títulos públicos”, avalia João Coutinho, diretor da RJ+Asset.
Onde investir no Tesouro Direto?
O contexto atual reforça que os investidores pessoa física ainda podem aproveitar os prêmios dos títulos do Tesouro Direto para incluir na carteira sem adotar risco elevados. Segundo Nepomuceno, quem deseja incluir os ativos no portfólio deve priorizar os papeis indexados ao IPCA com vencimentos de médio e de longo prazo. Os títulos indexados à Selic também devem entrar no radar diante das expectativas de juros a dois dígitos por mais tempo no Brasil com a interrupção do ciclo de afrouxamento monetário.
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“Recomendamos o Tesouro Selic pós-fixados por possuir liquidez e permitir ao investidor aproveitar a Selic ainda em 2 dígitos”, diz a analista de Renda Fixa da Nord Research. Romando também compactua com a mesma visão de Nepomuceno. Para ele, a preferência deve ser para os títulos IPCA+ de longo prazo com vencimento para 2045 e 2055. Os outros títulos, como os prefixados e pós-fixados, também devem ter espaço no portfólio do investidor diante da relação risco e retorno. “A chave é ajustar o percentual destinado a cada um desses títulos nos portfólios de acordo com os objetivos e o perfil de risco de cada investidor”, reforça Romando.
Veja a rentabilidade dos títulos públicos
Título Público | Rentabilidade |
TESOURO PREFIXADO 2027 | 11,92% |
TESOURO PREFIXADO 2031 | 12,26% |
TESOURO PREFIXADOcom juros semestrais 2035 | 12,05% |
TESOURO SELIC 2027 |
SELIC + 0,0844%
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TESOURO SELIC 2029 |
SELIC + 0,1476%
|
TESOURO IPCA+ 2029 | IPCA + 6,41% |
TESOURO IPCA+ 2035 | IPCA + 6,24% |
TESOURO IPCA+ 2045 | IPCA + 6,34% |
TESOURO IPCA+com juros semestrais 2035 | IPCA + 6,27% |
TESOURO IPCA+com juros semestrais 2040 | IPCA + 6,19% |
TESOURO IPCA+com juros semestrais 2055 | IPCA + 6,27% |
Fonte: Tesouro Direto/Dados até o dia 26.07.2024 |