- Para atrair o investidor, os títulos da Salton pagam CDI + 2% ao ano, com uma duração média de 5 anos
- Há muitas opções de CRAs nas plataformas de investimentos com rendimentos até melhores. Quanto maior o prêmio, maior o risco
- Para conhecer os riscos de um CRA é necessário pesquisar, pelo menos, os três últimos resultados anuais da companhia emissora
A Salton, vinícola de Bento Gonçalves (RS) com 114 anos de história, resolveu dar um gás no fluxo de capital de giro de sua atividade. Para isso, se tornou a primeira brasileira do ramo a emitir um Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA), no valor de R$ 100 milhões.
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A oferta pública de distribuição foi feita sob regime de garantia firme de colocação – modalidade em que a instituição financeira assume o risco para assegurar a venda de todos os papéis ofertados. A coordenação líder ficou com o Bradesco BBI e a operação foi totalmente distribuída dentro das plataformas do banco.
Para atrair o investidor, os títulos pagam o equivalente ao CDI + 2% ao ano, com uma duração média de 5 anos. Os recebíveis têm como garantia as debêntures simples da vitivinícola, não conversíveis em ações.
“Nossa empresa, pela natureza da operação, possui uma necessidade de capital de giro relativamente alta. Precisamos manter estoques regulares”, diz o diretor-presidente da companhia, Maurício Salton. A verba, segundo ele, serve para mitigar os riscos de quebras de safra e preservar padrões técnicos diante de variações qualitativas que podem ocorrer entre um ano e outro. “Além disso, somos impactados por diferentes sazonalidades de compras e vendas ao longo do exercício”, completa.
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O processo de emissão e compra das CRAs da Salton já foi encerrado, com distribuição feita a um grupo fechado de investidores. Para quem se expõe ao varejo, no entanto, há diversas outras opções deste tipo de emissão disponíveis nas plataformas de investimentos, com rendimentos até melhores e que saltam aos olhos: CDI + 3,95%, IPCA + 7%, prefixados em 12% ao ano e por aí vai. Nesta reportagem é possível ter informações básicas sobre o que são os CRAs.
Os riscos do CRA
No caso da vinícola e de qualquer outra companhia do agronegócio, o investidor tem que ter em mente que fatores climáticos, regulamentação, tributação e o mercado onde a empresa atua são os principais riscos associados a este investimento em CRA.
No caso da vinícola, o executivo defende a sua capacidade de pagamento, classificando o nível de alavancagem atual da operação como “baixo”, em cerca de 1,25 vezes o Ebitda, medida financeira que representa o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização. Em outras palavras, as dívidas da companhia batem na casa dos 25% do que ela gera de caixa durante o ano.
O executivo diz que mantém bons indicadores de liquidez, trabalhando com a composição do portfólio da vinícola. Enquanto os espumantes têm um ciclo operacional mais longo, os destilados têm giro mais rápido, trazendo “uma perspectiva mais positiva ao fluxo de caixa”.
Em março de 2023, a Salton enfrentou uma crise reputacional ao ser envolvida numa investigação da Polícia Federal sobre condições análogas à escravidão em vinícolas da Serra Gaúcha. Ela e as fazendas Aurora e Garibaldi assinaram Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT), além de indenização de R$ 7 milhões por danos morais individuais e coletivos.
Cuidados ao investir em CRAs
No caso de outros CRAs, entre os primeiros cuidados que o investidor deve ter antes de comprar o papel consiste em conhecer quem está emitindo o ativo: pesquisar sobre o setor em que a empresa atua, saber se é cíclico e como a macroeconomia impacta no negócio. Todas são informações importantes na tomada de decisão. “Quem são os sócios da empresa? É legal dar essa pesquisada”, afirma Guilherme Sharovsky, investment banker da Bloxs Capital Partners.
“Para conhecer os riscos é necessário pesquisar, pelo menos, os três últimos resultados anuais da companhia. Verificar seu crescimento, ver indicadores de rentabilidade do negócio e seu endividamento”, diz Maria Luisa Nepomuceno, analista de Renda Fixa da Nord Research. Tudo isso serve para entender a saúde financeira da empresa emissora.
Depois de entender a companhia, é importante observar os prêmios do título e ponderar se a remuneração está compatível com o risco da empresa. Operações mais arriscadas demandam prêmios mais altos.
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Depois de tudo isso, vem a fase de avaliar o vencimento do papel. “O CRA é um ativo de menor liquidez, para negociá-lo antes do vencimento ele precisa ser vendido no mercado secundário e ter um comprador interessado. Por isso, é preciso ficar atento aos vencimentos, que normalmente são mais longos neste tipo de dívida”, adverte Nepomuceno.
Como última análise, vale observar se há algum tipo de garantia na emissão, como fiança, caução ou cumprimento de níveis de endividamento. Sharovsky explica que é preciso saber se há garantia real aos papeis emitidos, um imóvel ou, no caso de uma vinícola, uma fazenda que pode ser vendida para o caso de inadimplência.
“Os recebíveis são atrelados, performados ou têm risco de performance?”, questiona Sharovsky, da Bloxs, destacando esse tipo de pergunta serve para o invstidor saber se os ativos que lastreiam a operação são de fato “cobráveis” ou dependem do desempenho da empresa.
A maior parte dessas informações constam no documento de emissão da CRA, já que uma emissão pública exige todos esses documentos.
Emissões de CRAs em mudança
Os CRAs fazem parte dos títulos de renda fixa que são isentos de Imposto de Renda. Essa família de papéis passou por reformulações em fevereiro, quando o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicou duas novas resoluções que dificultaram novas emissões de Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e Agrário (LCA), Letra Imobiliária Garantida (LIG), Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI) e os CRAs, instrumentos que têm o objetivo de incentivar o mercado imobiliário e o agronegócio.
As restrições do CMN são dirigidas às novas emissões dos títulos bancários e de recebíveis. Na prática, a autoridade monetária limitou às empresas relacionadas ao agro e ao mercado imobiliário os papeis garantidos em títulos de dívida.
Para o investidor que pensa no longo prazo, as CRAs podem dar estabilidade na volatilidade da carteira ao longo do tempo, mas como visto, é necessário analisar bem a empresa por trás do papel para não incorrer em surpresas desagradáveis.
Um plano de R$ 100 milhões
Voltando ao plano da Salton, a ideia é usar os R$ 100 milhões emitidos para fazer amortização antecipada de operações mais onerosas de curto e médio prazo e buscar melhores negociações junto aos fornecedores.
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Maurício Salton afirma que nos últimos cinco anos as receitas da vinícola cresceram 85% e a geração de caixa, 105%, com investimentos em qualificação técnica, operacional, econômica e de governança. “É uma trajetória de muito aprendizado”, diz.
Segundo ele, a empresa pretende atingir um faturamento bruto de R$ 1 bilhão até 2030. Em 2023, a vinícola faturou R$ 565 milhões, contra R$ 495,5 no ano anterior, o que significa 14% de crescimento. A marca exporta seus produtos para mais de 30 países e entre eles estão França, Gana e Holanda.
A vinícola tem operações divididas nos municípios de Bento Gonçalves, Santana do Livramento, ambas no Rio Grande do Sul, e em São Paulo e em Jarinu, no interior paulista. Em 2023, em Bento Gonçalves, abriu as portas de seu mais recente empreendimento enoturístico: a Casa di Pasto Família Salton.