O que este conteúdo fez por você?
- Falta de previsibilidade sobre a redução nas taxas de juros dos EUA vem deixando os investidores cautelosos
- Em meio à piora do sentimento em relação ao cenário fiscal e ao futuro da inflação, os investimentos de renda variável foram penalizados
- Conversamos com especialistas para entender se a tendência de alta dos ativos de renda fixa deve se manter
A renda fixa brasileira está atingindo a maior captação financeira líquida da história em 2024, de acordo com dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima). Ao longo do primeiro quadrimestre do ano, houve uma arrecadação de mais de R$ 154 bilhões. É o valor mais alto desde 2002, quando se inicia a série histórica.
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Na avaliação de Soraia Barros, gerente-executiva de Gestão de Recursos e de Serviços Fiduciários da entidade, os principais motivos da alta são a resiliência da taxa de juros (Selic) pelo Banco Central brasileiro, em consonância com o Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano), e a menor oferta de títulos com isenção de Imposto de Renda (IR) por conta das restrições impostas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), o que elevou a demanda por debêntures incentivadas. Leia mais sobre o tema nesta reportagem.
“Neste cenário, é natural que o investidor avalie outras alternativas para diversificar seus investimentos, que conseguem um retorno interessante sem tomada de maior risco”, afirma a executiva. “Os fundos de infraestrutura, por exemplo, se tornam uma opção interessante, uma vez que oferecem liquidez e isenção de imposto de renda.”
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De acordo com Maria Luisa Nepomuceno, analista de renda fixa da Nord Research, outro fator importante foi a alteração na tributação de fundos exclusivos e offshores, sancionada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva em dezembro do ano passado. “Acabou resultando numa demanda desses grupos de investidores por ativos isentos como Letra de Crédito Imobiliário (LCI), Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRIs) e Certificado de Recebíveis de Agronegócio (CRAs)”, afirma.
Além disso, há a percepção de um contexto macroeconômico bastante incerto, atualmente. Para a analista, não há uma expectativa exata em relação às atividades econômicas dos países, como mercado de trabalho aquecido e elevação da massa salarial, contribuindo para um risco inflacionário.
Observe a tabela abaixo com os dados da Anbima entre janeiro e abril desde 2002, quando teve início o registro dos valores pela entidade.
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Vinicius Romano, especialista em renda fixa da Suno Research, explica o movimento: “É possível perceber que, nesses momentos de taxas elevadas, os recursos saem da renda variável e vão pra renda fixa, quando acontece o contrário, eles saem da renda fixa e vão pra renda variável.”
Embora não classifique como “certo ou errado”, o especialista destaca que essa é uma característica do investidor mundo afora. Nos Estados Unidos, as tendências de alta dos Treasuries (títulos de dívida pública do governo norte-americano) é um exemplo disso.
No Brasil, o período que mais se aproximou dessa valorização da renda fixa atual foi 2022, que vinha de uma alta já perceptível durante 2021. Segundo Antônio Sanches, analista de research da Rico Investimentos, era comum ouvir no mercado financeiro que “a renda fixa morreu” por conta dos retornos muito baixos naquele momento.
“Então, a pandemia do novo coronavírus começou a impactar as cadeias produtivas ao redor do mundo, acelerando a inflação”, diz Sanches. “Dessa forma, o Banco Central acabou subindo as taxas de juros para controlar esse cenário estacionando em 13,75%, e assim, acabou ‘corrigindo’ a renda fixa. Isso resultou numa busca forte devido aos ganhos altos com riscos baixos.”
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No cenário atual, em meio à piora do sentimento em relação ao cenário fiscal e ao futuro da inflação, os investimentos de renda variável foram penalizados e outros como a alocação em títulos do Tesouro Direto, com um juro real acima de 6%, ao ano se sobressaíram.
Esses são conhecidos como os “juros de crise”. Trata-se de uma oportunidade pouco comum no mercado e bastante atrativa para investidores focados no longo prazo. Segundo um levantamento realizado pelo Quantum Finance, o Tesouro IPCA+ atingiu 6% ou mais de retorno real em menos de 25% das sessões nos últimos 10 anos.
Os elementos que contribuíram para isso incluem tanto a já política monetária dos Estados Unidos quanto a crescente preocupação com os riscos fiscais no Brasil. Analistas concordam que as taxas vigentes apresentam atratividade e podem servir como instrumentos valiosos para alcançar metas financeiras, como o planejamento da aposentadoria.
O ‘fator Americanas’
O setor financeiro enfrentou turbulências significativas nos últimos anos, de acordo com os analistas Antônio Sanches e Vinicius Romano. Eventos como o pedido de recuperação judicial da Americanas (AMER3) e da Light S.A. (LIGT3) impactaram profundamente a credibilidade da renda variável, especialmente o mercado de crédito.
A gigante varejista Americanas surpreendeu os investidores ao revelar uma fraude contábil de R$ 43 bilhões em janeiro de 2023, o que a posicionou como a quarta maior operação de RJ na história do Brasil. Com a medida, a companhia pôde negociar com seus credores e apresentar na Justiça um plano de reestruturação, enquanto suas obrigações financeiras ficaram suspensas.
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O impacto desse evento reverberou pelo mercado financeiro, gerando uma reação imediata nos agentes financeiros e nas instituições. “Isso fez com que os prêmios se elevassem muito no começo do ano passado, contribuindo para a criação de um ambiente disfuncional. Tinha tudo para ser um ano recorde em termos de captação, mas logo no início houve uma deterioração, com vários pedidos de RJ”, diz Romano.
Essa elevação nos prêmios de crédito reflete a percepção de risco dos investidores, que passaram a exigir retornos mais altos para compensar o aumento da incerteza em relação à capacidade da empresa de honrar seus compromissos financeiros. Como resultado, o mercado de crédito experimentou uma fase de desestabilização, com os investidores retirando capital dos fundos de crédito em busca de alternativas mais seguras e menos arriscadas.
De maneira histórica e comportamental, é importante para o investidor pessoa física analisar uma ‘janela’ de 12 meses para fazer comparações entre um investimento e outro, de acordo com Antônio Sanches. Passado quase um ano dos eventos citados anteriormente, esse valor de prêmio foi caindo, normalizando a situação. Mesmo assim, os benefícios de investimentos com menos risco parecem superiores.
Qual o futuro da renda fixa?
De acordo com Fabrício Silvestre, analista da Levante Corp, a renda fixa deve crescer ainda mais ao longo de 2024. “A tendência de crescimento deve se manter pelo menos durante os próximos seis meses. O momento atual tende a privilegiar esse tipo de investimento por conta da incerteza, o que não significa que vai durar para sempre”, salienta.
Para Antônio Sanches, os juros altos não têm sido suficientes para frear a economia o suficiente, e assim, reduzir a inflação. Por conta disso, o ritmo de corte deve se manter reduzido por mais tempo. “Como resultado, nas três classes de indexadores, vemos as taxas dos pré-fixados melhorando, o IPCA+6% que tem chamado a atenção nesse momento e na Selic pós-fixada também será possível encontrar melhores retornos mais para frente”, diz.
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Além disso, o analista também projeta um cenário promissor para os fundos de debêntures incentivadas nos próximos meses, especialmente diante do fechamento dos prêmios de crédito. Esses fundos já estão entregando retornos superiores aos observados em 2022 e podem se beneficiar ainda mais com a tendência de queda da curva de juros. “O mercado de renda fixa mantém sua relevância para os investidores, com destaque para o crédito privado, que mostra sinais positivos. A perspectiva para os fundos de debêntures incentivadas é favorável, com oportunidades atrativas nos vencimentos para 2026 e 2027”, afirma o analista.
- Leia também: Além do Tesouro IPCA+6%: os títulos de renda fixa pública e privada para investir em junho
Segundo Maria Luisa Nepomuceno, da Nord Research, o mercado está num patamar no qual está sendo contemplado bastante risco, atualmente. Dificilmente haverá uma piora, então os elementos devem se manter até o momento em que houver mais clareza sobre os cortes nas taxas de juros e sinais de melhora no cenário fiscal.