Tesouro Nacional reduz ritmo de emissões após forte alta no primeiro semestre. (Foto: Adobe Stock)
A alta intensidade de emissões do Tesouro Nacional no primeiro semestre de 2025 e a moderação das ofertas em boa parte do mês de julho sugere alguma desaceleração nos próximos meses. Mas essa percepção tem sido desafiada pelo volume expressivo dos leilões recentes de títulos da dívida pública, mesmo neste período de hiato dos dealers (negociantes). Neste contexto, profissionais da renda fixa discutem o quanto, de fato, o Tesouro deverá reduzir os lotes.
No último dia 28, o coordenador-geral de Operações da Dívida Pública, Helano Borges Dias, disse que julho veio “para trazer justamente a percepção de que pode haver uma redução do ritmo de emissão”, mas não descartou a possibilidade de o Tesouro “continuar emitindo fortemente” se houver ambiente favorável e apetite ao risco.
A reserva de liquidez do Tesouro em junho, segundo o mais recente Relatório Mensal da Dívida (RMD), atingiu R$ 1,030 trilhão, suficiente para a cobertura de pagamentos em 8,44 meses – quase três vezes maior que o índice de três meses considerado como mínimo prudencial.
Ítalo Franca, economista especialista em política fiscal do Santander Brasil (SANB11), destaca que o ritmo de emissões de títulos públicos do primeiro semestre dá margem para o Tesouro desacelerar um pouco as ofertas na segunda metade do ano para se adequar ao nível da demanda.
Segundo cálculos de Franca, a emissão média semanal de janeiro a junho ficou em R$ 38 bilhões, superior aos cerca de R$ 30 milhões estimados. “A estratégia do Tesouro foi formar um colchão de liquidez para um maior nível de cobertura da dívida“, diz.
Para ele, a tendência é que o ritmo recue de julho em diante para algo próximo de R$ 35 bilhões por semana – montante bastante superior aos R$ 20 bilhões necessários para manter a reserva de liquidez. Nas projeções do Santander, as reservas podem chegar a R$ 1,4 trilhão até o fim de 2025, o equivalente a mais de 12 meses de cobertura de vencimentos.
Apesar do colchão robusto, o chefe de estratégia Macro e Dívida Pública da Warren Investimentos, Luis Felipe Vital, acredita que o Tesouro Nacional manterá o ritmo forte dos últimos meses.
“Eu não vejo o Tesouro segurando neste segundo semestre. O único elemento que poderia fazer o Tesouro segurar é a condição de mercado, e tem que ser uma piora muito grande”, diz.
Vital considera que julho foi um mês difícil, “talvez um ponto fora da curva”, o que explica a redução nas ofertas, mas lembra que nas últimas operações o volume de papéis voltou a crescer. No último dia 31 o Tesouro vendeu 19 milhões de Letras do Tesouro Nacional (LTN) e 6 milhões de Notas do Tesouro Nacional – Série F (NTN-F). “Era uma semana tipicamente de leilão muito pequenininho e foi bem grande, até para um dia normal. Grande nos papéis longos, grande em risco e em quantidade”, afirma.
Leilões de títulos do Tesouro desafiam expectativa de desaceleração
O período entre 31 de julho e 7 de agosto configura um intervalo em que não há instituições credenciadas como dealers, o que sazonalmente puxa os volumes dos leilões de títulos de dívida para baixo.
“Um leilão desse tamanho numa semana de hiato mostra que há tomador final. Não é dealer pegando papel para girar no secundário. Tudo indica que existe alguém disposto a tomar esse risco prefixado e ficar com o papel, para encarteirar”, afirma Vital.
No último dia 5, o leilão de Notas do Tesouro Nacional – Série B (NTN-B, o chamado Tesouro IPCA+) também veio robusto para um período de hiato, com venda de 1 milhão de títulos.
Publicidade
Ian Lima, gestor de Renda Fixa da Inter Asset, concorda que julho foi um mês fora da curva nas emissões, que perderam ímpeto porque o Brasil estava “sob ataque” dos Estados Unidos na questão tarifária. “O Tesouro já ia ter uma folga importante para enfrentar o segundo semestre e pode se dar ao luxo, em momentos como esse, de desacelerar as emissões”, diz.
Para Lima, como já rolou 80% dos vencimentos que ocorrem em 2026, o Tesouro está “bem adiantado” e em posição bastante confortável para enfrentar volatilidade adicional, tendo em vista o ano de 2026, de eleições presidenciais. “Olhando para a frente, esse ritmo adiantado [de emissões] permanece, e vai depender da demanda.”
Papel das LFTs na estratégia do Tesouro
Para o head de Renda Fixa da Porto Asset, Gustavo Okuyama, o colchão construído no primeiro semestre permitiria agora deslocamento do foco para o custo da dívida pública nos próximos meses. “Vimos muitas emissões longas no primeiro semestre e em níveis de preço historicamente muito esticados. Tivemos alguns leilões históricos, com DV01 (risco) muito grande, tanto de prefixado quanto de Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) também. Se a dívida fosse toda rolada nesse nível, o serviço da dívida seria bastante preocupante”, avalia.
“Nesse segundo semestre, faria sentido, sim, ter emissões menores, já que o colchão está mais confortável. E, novamente, acho que com um perfil um pouco diferente, talvez privilegiando Letras Financeiras do Tesouro (LFTs, títulos pós-fixados com rentabilidade atrelada à taxa de juros) e talvez em vencimentos um pouco mais curtos”, diz, ponderando que é necessário que esta estratégia “case” com a demanda do mercado.
Ao contrário das NTN-B, o leilão de LFTs (Tesouro Selic) no dia 5 de agosto foi muito fraco, com o Tesouro reduzindo a oferta para 650 mil e, ainda assim, vendendo apenas 212,6 mil.
Okuyama lembra que a perspectiva de redução da Selic deve contribuir para a redução da dívida como um todo, em especial na parcela pós-fixada, o que, por outro lado, pode abrir uma janela de oportunidade para elevar a colocação do papel. As LFT representam 48,16% do estoque total, segundo RMD de junho, no piso do intervalo definido no Plano Anual de Financiamento (PAF), entre 48% e 52%. Outro estímulo para emissões mais fortes do papel é o vencimento de R$ 230 bilhões no dia 1º de setembro.
Borges, do Tesouro, lembrou no dia 28 que grandes vencimentos também interferem no planejamento dos lotes. “Quando a gente tem vencimentos grandes, tem uma tendência maior a emitir em seguida, após esses vencimentos”, disse.
Publicidade
Franca pondera que o custo da dívida, atualmente em 11,4% – abaixo da taxa Selic, em 15% – deve aumentar nos próximos meses, o que traz um desafio ao Tesouro Nacional e reforça a avaliação de que um ajuste fiscal é necessário para reduzir o nível da taxa neutra de juros (aquela que não acelera nem desacelera a economia). “O juro real das NTN-B tem mostrado prêmios maiores no curto prazo. É importante ter uma redução mais para a frente”, diz, pensando no médio prazo.