Investimentos

Precisamos desconstruir a aversão a risco dos investimentos mais rentáveis, diz Ulend

Gabriel Nascimento, fundador da fintech, fala sobre empréstimos P2P, que conecta investidores e empresas em busca de crédito

Precisamos desconstruir a aversão a risco dos investimentos mais rentáveis, diz Ulend
Os sócios fundadores da Ulend, Beatriz Antibero e Gabriel Nascimento (Crédito: Ulend/Divulgação)
  • A empresa interessada em captar recursos faz uma solicitação na plataforma e passa por uma análise de crédito. Se for aprovada, a Ulend elabora um relatório sobre ela, que o investidor poderá analisar para escolher a quem emprestará dinheiro
  • O ideal é que o investidor construa uma carteira diversificada, com pelo menos 10 empresas. Desta forma, ele consegue pulverizar os riscos
  • Quanto mais baixo o rating da empresa, maior será a remuneração, já que a operação comporta risco mais elevado para o credor. Nas grandes empresas, as taxas de retorno variam entre 7% e 35% ao ano. Já no segmento das pequenas e médias, essas taxas vão de 16% a 46%

Um dos bons frutos que a chegada das fintechs trouxe ao mercado de crédito é o modelo de empréstimos P2P (sigla que vem do inglês peer 2 peer, entre dois pares). Ele possibilita que empresas que precisam captar recursos tomem crédito diretamente de pessoas físicas. Não há a intermediação de um banco, mas sim de uma plataforma digital.

Na prática, isso permite ganhos às duas partes envolvidas. Um banco cobra taxas de juros de 30% a 40% de empresas menores, mas remunera os CDBs vendidos a investidores com apenas uma pequena fração desses juros e embolsa uma gorda diferença, o famoso spread. Já nesse modelo P2P, as taxas cobradas das empresas são menores e os juros são totalmente repassados ao investidor, que fatura um rendimento maior que em uma aplicação tradicional.

Embora já comum em outros países, a novidade foi regulamentada no Brasil há menos de dois anos. Por isso, a quantidade de plataformas ainda é pequena e poucos investidores conhecem esse assunto.

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Para entender como funcionam esses empréstimos, o E-Investidor conversou com Gabriel Nascimento. Ele deixou para trás uma carreira no Itaú BBA para fundar com a sócia Beatriz Antibero, também com passagem no Itaú BBA, a plataforma Ulend, no final de 2018. Nascimento explicou como é feita a análise de crédito das empresas e quais são os horizontes de risco e retorno para o investidor.

Veja os principais trechos da entrevista a seguir.

E-Investidor – Como funcionam os empréstimos P2P?

Gabriel Nascimento – A operação começa quando a empresa faz uma solicitação de crédito na plataforma. Nós a analisamos e, se ela for aprovada, passamos uma proposta de crédito com o rating dela, a taxa, o prazo e as condições. Se a empresa resolver tomar o crédito, elaboramos um relatório e colocamos na plataforma.

O investidor faz um cadastro simples e, depois de um dia útil para validar as informações, já pode investir. Ele visualiza todas as empresas, vê os relatórios individuais, quanto estão captando, qual a taxa, o rating, entre outros, e faz seu investimento, sempre em múltiplos de R$ 2.000. Quando todos os investidores fizerem os aportes e aquela captação encher, nós emitimos uma cédula de crédito bancário para cada investidor e a empresa recebe o dinheiro. A partir daí, a companhia passa a ter uma dívida com os investidores, centralizada pela Ulend.

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Mais de 80% das captações se completam. Uma captação de até R$ 200 mil enche em 10 a 15 minutos; as maiores, acima de R$ 500 mil, demoram um pouco mais. A maior que fizemos foi de R$ 1,374 milhão. Quando uma captação não atinge o valor total depois de 10 dias, a empresa define se quer tomar o valor que foi captado ou não.

A empresa paga para a plataforma, que atua como agente de cobrança e garantias. Nós centralizamos os pagamentos aqui e distribuímos as parcelas para os investidores. É como se a empresa estivesse tomando capital de giro mesmo.

E de que maneira a Ulend se remunera?

Fazendo uma analogia simples, é como se a Ulend fizesse miniemissões de debêntures para empresas menores. Em vez de contrair um empréstimo no banco, ela toma o crédito aqui. É como se ela tivesse emitido uma debênture para cada um dos 20 investidores que emprestaram a ela.

A Ulend cobra um fee pela estruturação, emissão e captação dessa dívida, semelhante ao que uma DTVM cobra na emissão da debêntures. Nosso fee varia conforme o porte da dívida e o prazo da operação, de 2% a 5%.

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As grandes empresas já têm acesso à emissão de crédito a mercado: Petrobras, Braskem, AmBev. Já as pequenas e médias, que faturam menos de R$ 100 milhões por ano, dificilmente têm essa possibilidade, pois é um processo burocrático e caro.

Quando os empréstimos p2p começaram no Brasil?

Nos Estados Unidos, isso existe desde 2006. No Brasil, a primeira p2p lending abriu em 2012, mas o Banco Central interrompeu a operação. Na época, a legislação brasileira entendia que isso era intermediação de crédito, e só bancos podiam fazer isso. Em 2017, duas empresas encontraram uma brecha regulatória, usando um banco parceiro para fazer a emissão das dívidas.

Depois que o País adotou uma agenda mais liberal, com Michel Temer e Henrique Meirelles, o BC viu que havia ali um ganho para a economia. Em 2018, veio a regulação das fintechs, que liberou o p2p lending no Brasil. Com o assunto 100% regularizado, começamos no final do ano e fizemos nossa primeira operação em março de 2019. Começamos com outras 5 ou 6 plataformas, todas pequenas, a única mais relevante era a Nexoos. Depois, surgiram mais algumas, e hoje há entre 8 e 10. A Ulend é a segunda maior.

A Ulend afirma que oferece taxas mais baixas para as empresas e mais generosas para os investidores. Como isso é possível?

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Esse é um diferencial dos empréstimos p2p. Se a plataforma não origina boas operações e não tem uma análise de crédito boa, esse diferencial vai por água abaixo. O investidor pode sofrer uma inadimplência alta e até não receber nada. Quando é bem feito, é da natureza dele gerar valor pela desintermediação bancária. Vou explicar.

No mercado de crédito tradicional, o investidor compra um CDB de um banco e ganha 2% ao ano. O banco empresta esse dinheiro para pequenas e médias empresas, cobrando juros de 30% a 40% ao ano, conforme a avaliação de risco. Então o banco recebe 40% e paga 2%, um spread  altíssimo, mesmo depois de absorvida a eventual inadimplência.

Na Ulend, em vez de a empresa pagar 40% e o investidor receber 2%, ela toma um crédito mais barato, pagando 25% de juros. Na prática, o investidor recebe 100% desses juros, tudo o que empresa paga de juros vai para ele, como em uma debênture. Não há spread bancário. O investidor opera como um banco, emprestando dinheiro para empresas e ganhando juros.

Como é feita a análise de crédito da empresa?

São várias etapas. A que mais pesa para definir o rating da empresa é a situação econômico-financeira dela: porte, faturamento, o quanto tem de dívida, a margem de lucro. Quanto maior ela for e melhor a saúde financeira, menor o risco e melhor o rating.

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Quando entra uma solicitação de crédito, usamos tecnologia big data e consultamos vários sinais da situação dela no mercado: processos judiciais, protestos, cobranças, Serasa, regularidade de pagamentos, o endividamento por meio do Sistema de Controle de Risco do BC. Além disso, também consultamos processos e protestos contra os sócios.

Se for aprovada nessas etapas, por último analisamos a empresa em si, o mercado em que atua, se está tendo lucro ou prejuízo, se está crescendo ou se retraindo. Em seguida fazemos o score de crédito: quanto mais variáveis positivas, melhor a pontuação. Quanto mais variáveis negativas, mais penalizado fica o score.

Mesmo com essa curadoria, existe risco de inadimplência. Qual tem sido o nível até agora?

Tudo foi impactado pela pandemia, que teve a pior queda do PIB da história, algo que nenhum modelo de crédito poderia prever. Setores que eram bons, como o varejo, sofreram demais. Nenhuma empresa tinha se deparado com um cenário de ficar até quatro meses sem receita. Para o setor automotivo foi um desastre, as vendas em março e abril caíram 90%. Antes da crise, nossa inadimplência era de 2,7% ao ano. Subiu gradativamente e agora estabilizou em 9,28% ao ano.

Por um lado isso foi ruim, porque quem tomou inadimplência ficou avesso ao risco e o volume investido caiu bastante. Mas houve um saldo positivo: conseguimos comprovar que nosso modelo de crédito para em pé. Nossa carteira tem um rendimento global bruto de 22%; descontada a inadimplência de 9,28%, ainda assim há uma rentabilidade líquida sustentável.

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Como o investidor faz a escolha das empresas para quem irá emprestar dinheiro?

Sempre orientamos o investidor a construir uma carteira diversificada. Ele tem que pensar com a cabeça de um banco, não vai emprestar tudo para uma empresa só. Tem que pulverizar entre grandes, médias e pequenas empresas, pelo menos umas 10, para mitigar os riscos setoriais, cambiais, entre outros. Cada investidor tem um racional diferente para fazer sua escolha.

Nós disponibilizamos relatórios mostrando o que a empresa faz, qual o endividamento dela, o score, as condições do empréstimo. A decisão vai do perfil de risco de cada um. Alguns só querem empréstimos que paguem mais de 30% ao ano, outros só querem empresas grandes, outros só querem operações com garantia real.

Que tipo de proteção o investidor tem? 

Há seis tipos de crédito. Há o sem garantia real, em que os credores precisam executar a empresa judicialmente para receber, caso ela tenha quebrado. Além disso, a companhia pode usar como garantias duplicatas, recebíveis de cartão de crédito, imóveis, aplicações financeiras dela ou de sócios, ou ainda bens móveis, como máquinas e equipamentos. Se a empresa tomou 100 e pagou apenas 30, a Ulend assume a dianteira e faz o papel de agente de cobrança, tanto extrajudicial como judicialmente.

Quem escolhe a modalidade de garantia é a própria empresa, mas isso também depende de sua análise de crédito. Sem ter boa saúde financeira, ela não vai conseguir tomar crédito sem dar garantia.

Vale lembrar que o fato de a operação ter garantia não significa que não há risco. Garantias são um fator mitigatório de risco, mas não existe crédito sem risco.

Qual é o horizonte de retorno para o investidor?

Nós temos um modelo de crédito próprio, com faixas de retorno diferentes para cada rating, de AA até D4. Hoje, temos duas tabelas diferentes, uma para pequenas e médias empresas e outra para as grandes, que oferecem um risco bem menor e portanto pagam taxas mais baixas.

Nas grandes empresas, as taxas variam entre 7% e 35% ao ano. Já no segmento das pequenas e médias, as taxas vão de 16% a 46% ao ano.

A etapa final da análise de crédito dá o score dela, a nota de crédito. Quanto maior o score, menor o risco de inadimplência e menor a taxa paga ao investidor.

A maior procura dos investidores tem sido pelas empresas com maior risco e retorno, ou pelas mais seguras e que pagam menos?

Isso vai do perfil de cada investidor. Quanto maior a taxa, mais facilidade temos para captar os recursos. Como o p2p lending ainda é um investimento pouco conhecido, visto como inovação e com risco mais alto, quem procura a plataforma costuma ter um perfil mais agressivo. Esses caras tomam mais risco e procuraram uma rentabilidade maior. Estamos tentando educá-los.

Investir em um crédito de risco mais alto, com 20% ou 30% de inadimplência, não é ruim, desde que você esteja recebendo uma boa remuneração. Se você tem um risco de 20% ao ano e está ganhando 50%, no líquido você fica com 30%. O banco trabalha assim: ele também tem carteiras de crédito pessoal de baixa renda, sem comprovação de renda e com inadimplência mais alta. O próprio cartão de crédito tem inadimplência alta, mas as taxas são enormes, de 200% ou 300% ao ano. Então crédito de alto risco não é ruim, desde que seja bem precificado.

Para ganhar dinheiro, o investidor não precisa investir só na de carteira de 30% ao ano. Na de 10%, a inadimplência será mais baixa e, no líquido, também haverá uma remuneração boa. Os investidores mais especuladores são mais agressivos e gostam mesmo é de taxa gorda [risos].

Quando a taxa é boa, ele cresce o olho e vai em frente. Mas, se não diversifica, quando começa a tomar uma inadimplência proporcional ao risco que tomou, não gosta. Nosso trabalho também é de educar as expectativas dele sobre investimentos de risco.

Qual o horizonte de prazo desses investimentos?

Nossa carteira tem operações de 4 a 30 meses. Quando o prazo é longo demais, o empréstimo P2P não tem liquidez. Se o cliente investiu em uma operação de 24 meses, para receber todo o principal e os juros dele de volta, ele terá que esperar a empresa pagar todas as 24 parcelas. Não há como fazer um resgate antecipado.

Os empréstimos P2P se enquadram na categoria alternative investment. Claro que tudo depende do perfil de risco de cada investidor, mas aconselhamos uma alocação de 10% a 30% do portfólio.

Com menos de 10%, o ganho extra da carteira será muito baixo; mais de 30%, não é aconselhável nem para os mais agressivos, pois é um investimento de risco e sem liquidez imediata. O prazo médio da carteira aqui é de 18 meses. Supondo que os investidores prestaram informações financeiras verdadeiras quando fizeram o cadastro na Ulend, a grande maioria deles não alocou mais de 30% da carteira nisso.

O nosso objetivo é disseminar o conhecimento sobre empréstimos p2p no mercado brasileiro, como uma alternativa de investimento rentável e sustentável. Percebemos que tem muito investidor que poderia alocar 10% da carteira aqui, mas começa com um investimento muito baixo, de R$ 2 mil ou R$ 4 mil, porque não confia. O Brasil tem um histórico de inadimplência, golpes de pirâmide, instabilidade econômica, então precisamos desconstruir essa aversão a risco do investidor e essa desconfiança em relação a investimentos mais rentáveis.

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