O que este conteúdo fez por você?
- Benjamin Graham definiu o value investing nos anos 1930 e 40, para afastar os investidores das empresas que dominam o mundo pré-guerra
- Warren Buffett se tornou o mais fiel seguidor e propagador da doutrina, ao definir seus investimentos olhando atentamente para o balanço e os fundamentos das empresas
- As big techs trouxeram os 'ativos intangíveis' para o centro da tomada de decisão dos investidores e do humor dos mercados
(The Economist) – Por um momento ao longo da semana que passou os investidores se deram ao luxo de ignorar estrelas do mercado acionário como Amazon e Alibaba. A notícia de uma possível vacina fez com que um grupo meio aleatório de empresas cansadas de guerra empurrasse Wall Street para cima: alimentadas pela esperança de uma recuperação, ações de companhias aéreas, bancos e petrolíferas deram um salto.
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A retomada já era aguardada há tempos. As chamadas “ações de valor” costumam a ser emitidas por empesas com muitos ativos, atuantes em setores mais paquidérmicos da economia. A última década foi um inferno para esses papéis, que ficaram para trás no mercado acionário americano por uma diferença de 90 pontos percentuais.
A situação gerou uma crise de confiança entre alguns gestores de fundos, que passaram a se perguntar se sua estrutura para medir o valor das empresas ainda funciona na era digital. A preocupação tem fundamento: é preciso mudar para enfrentar uma economia na qual ativos intangíveis e externalidades contam mais.
Como surgiu o value investing?
Durante quase um século o investimento em valor (“value investing”, em inglês) foi a ideologia dominante no mundo das finanças. Embora tenha evoluído com o tempo, ela está atrelada a uma visão mais conservadora das empresas, que valoriza aspectos como ativos, fluxos de caixa e registros – e menos os planos de investimento e a trajetória do negócio.
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Essa linha nasceu nas décadas de 1930 e 1940. Na época, Benjamin Graham defendia a ideia de que os investidores precisavam se afastar da era pré-1914 – período em que o mercado era dominado por títulos de empresas que construíam ferrovias e pela circulação de informações privilegiadas. No lugar desse sistema, Graham propunha uma estratégia mais científica: avaliar o balanço das empresas e identificar papéis precificados incorretamente.
Décadas mais tarde ele teria entre seus discípulos Warren Buffett, responsável por popularizar e atualizar esses conceitos no momento em que a economia migrou para empresas de consumo e finanças, no final do século 20.
Atualmente, a aferição de valor está plugada em computadores que buscam “fatores” capazes de turbinar retornos – e até em Xangai existem investidores vagamente inspirados por uma doutrina surgida na Nova York recém-saída da Grande Depressão.
O problema é que o value investing conduz a resultados fracos. Quem comprou uma ação que valia um dólar há dez anos hoje conseguiria US$ 2,50 – em comparação com US$ 3,45 do mercado como um todo e US$ 4,65 considerando um mercado que exclui as ações de valor. Nesse meio tempo, a Berkshire Hathaway, empresa de Buffett, passou a comer poeira.
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Apesar dos esforços para se modernizar, o value investing costuma produzir portfólios que olham para trás, e não para frente. Como resultado, quase todos passaram batido pela ascensão das empresas de tecnologia. O modelo de negócios da indústria de gestão de ativos está sob pressão, e agora uma das filosofias mais duradouras desse setor também se vê sitiada.
Talvez os investidores em valor argumentem que são vítimas de uma bolha acionária, e que em algum momento irão provar que estão certos. O último período ruim para o investimento em valor foi entre 1998 e 2000, logo antes da quebra das empresas “ponto com”. É verdade que o mercado acionário de hoje parece, sim, estar caro. Mas esse cenário vem acompanhado por duas mudanças profundas na economia, e o investimento em valor parece ter dificuldade para compreendê-las.
Quais mudanças estão engolindo o value investing?
A primeira mudança é o crescimento dos ativos intangíveis, que atualmente respondem por mais de um terço de todos os investimentos em negócios americanos – são coisas como dados ou pesquisa. As empresas tratam esse tipo de custo como despesa, e não como um investimento que cria um ativo.
Alguns investidores institucionais mais sofisticados tentam se ajustar à situação, mas mesmo assim é fácil cometer erros na hora de calcular quanto essas empresas reinvestem – e vale ressaltar que o desempenho de longo prazo é determinado, em grande medida, justamente pela capacidade de reinvestir muito, com altas taxas de retorno. Tomando como base uma definição tradicional, as dez maiores companhias americanas negociadas em bolsa investiram US$ 700 bilhões desde 2010.
Partindo de uma definição mais ampla, o valor salta para US$ 1,5 trilhão ou mais. Negócios intangíveis também costumam ser capazes de ganhar escala em velocidade acelerada e de se beneficiar dos efeitos da rede como um todo para manter lucros elevados.
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A segunda mudança é o aumento na importância das externalidades – custos pelos quais as companhias são responsáveis, mas que evitam pagar. A doutrina de valor sugere que o investidor encha seu portfólio com ações de empresas automobilísticas e petrolíferas, mas as perspectivas desses negócios dependem do passivo associado à sua pegada de carbono – e esse custo pode subir à medida que regras sobre emissões fiquem mais severas e a produção de CO2 passe a ser amplamente tributada.
É verdade que o rigor e o ceticismo do investimento em valor são mais importantes do que nunca, sobretudo diante de um mercado tão impalpável. Porém, muitos investidores estão demorando a entender como avaliar os ativos intangíveis e as externalidades das empresas. A tarefa é trabalhosa, mas quem acertar a mão pode contribuir para um novo ciclo de vida da gestão de ativos e ajudar a garantir uma alocação eficiente de capital. Nas décadas de 1930 e 1940, Graham afirmou que a antiga estrutura de investimentos havia ficado obsoleta. Está na hora de uma nova atualização. (Tradução: Beatriz Velloso)
© 2020 The Economist Newspaper Limited. Direitos reservados. Publicado sob licença. O texto original em inglês está em www.economist.com
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