Um fundo imobiliário (FII) administrado pela corretora do Banco Master perdeu mais de 70% de seu valor de mercado em 2025 e afetou 14 fundos de previdência de servidores municipais e do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).
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Um fundo imobiliário (FII) administrado pela corretora do Banco Master perdeu mais de 70% de seu valor de mercado em 2025 e afetou 14 fundos de previdência de servidores municipais e do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).
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Em janeiro, pelo menos R$ 100 milhões do patrimônio do Macam Shopping FII (BLUE11) vinham dos fundos previdenciários Angraprev, CAPSECI, Guarujaprev, Ilhabelaprev, Instituto Municipal de Previdência de Salto de Pirapora, IPREM Pouso Alegre, IPREMB, IPREM-Posse, Instituto de Previdência do município de Silva Jardim (IPSJ), Mesquitaprev, Pinhais Previdência, Previscam, Serpros e Votoprev.
Como administradora, a Master Corretora tinha a responsabilidade de garantir que o fundo operasse dentro das normas de mercado. Procurada, a Master Corretora não quis comentar o assunto. Já quem escolheu quais ativos o Macam deveria comprar é a gestora BlueMac, antiga Master Capital Asset.
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O CEO da BlueMac, Felipe Separovic, argumentou que o portfólio do fundo imobiliário mantém desempenho sólido e que a desvalorização é motivada por vendas feitas por um único cotista (leia o posicionamento completo no final da reportagem), sem revelar a identidade desse cotista.
A Master Corretora pertence ao Banco Master, que teve a liquidação decretada pelo Banco Central no dia 18 de novembro em função de uma “grave crise de liquidez” e “violações às normas” que regem o sistema financeiro nacional. O presidente do Banco Master, Daniel Vorcaro, chegou a ser preso pela Polícia Federal no âmbito da Operação Compliance Zero, que investiga práticas de gestão fraudulenta.
Desde o ano passado, o mercado questionava a sustentabilidade da instituição financeira, cujo crescimento nos últimos anos foi financiado por uma emissão agressiva de Certificados de Depósitos Bancários (CDBs). Parte do dinheiro levantado, entretanto, era investido em fundos com baixa liquidez e ativos pouco convencionais, como apurou o Estadão.
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Maurício Quadrado, ex-sócio do Banco Master, também era acionista da BlueMac até o início de novembro por meio do fundo Jaguar FIP.
Procurado, o Instituto de Previdência Silva Jardim afirmou que “observa a situação com grande preocupação” (leia o posicionamento abaixo). O Serpros, entidade fechada de previdência complementar do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), não comenta ativos específicos da carteira e orientou a reportagem a procurar os responsáveis pela gestão do Macam para obter os “esclarecimentos adequados”. Os demais fundos previdenciários não comentaram.
Além da desvalorização em 2025, o Macam Shopping FII teve as contas referentes a 2024 reprovadas por 68% dos cotistas presentes na deliberação, conforme votação registrada em ata publicada nos sistemas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no fim de setembro. Isso significa que os investidores não aceitaram os relatórios financeiros apresentados pela gestora, que agora precisa responder aos questionamentos feitos e submeter novamente os números à apreciação dos cotistas.
Esse grupo de fundos de previdência, não identificados no documento, solicitava esclarecimentos sobre transações financeiras que envolvem o principal ativo do Macam Shopping, a Blue Malls S.A., empresa de capital fechado que investe em shopping centers.
No centro das discussões está uma série de empréstimos e financiamentos contraídos pela Blue Malls. Até o final do ano passado, a empresa tinha dívidas que somavam R$ 184,2 milhões, parte delas com juros de quase 30% ao ano (CDI+12,68% ao ano). Em junho deste ano, a sociedade contraiu outro empréstimo de R$ 33 milhões.
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Mesmo se endividando para levantar capital, a Blue Malls abriu mão de uma participação avaliada em R$ 130 milhões que detinha no Shopping Boulevard Brasília, o maior shopping em que a empresa investia, para pagar dívidas. Esse tipo de transação é chamada de “dação em pagamento” — quando, em vez de dinheiro, um ativo é usado para abater dívidas — e foi encarada como pouco transparente pelos cotistas, conforme ata publicada na CVM.
Outro ativo importante em que a Blue Malls investe é o Shopping Praça das Dunas. Apesar de a participação da Blue Malls neste empreendimento ter sido avaliada em R$ 282 milhões nas últimas demonstrações financeiras, o Praça das Dunas ainda não foi inaugurado. O projeto de construção foi anunciado em meados de 2013 para a região de Parnamirim (RN).
A relação entre o Banco Master e institutos de previdência entrou no radar dos investidores em outubro, quando o Rioprevidência, que cuida da aposentadoria dos funcionários públicos do Rio de Janeiro, foi proibido pelo Tribunal de Contas do estado (TCE-RJ) de investir em ativos relacionados à instituição financeira.
Além de ter R$ 1 bilhão em títulos do Master sem cobertura do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), o Rioprevidência investia em fundos administrados pelo Master e considerados pelo TCE-RJ como pouco transparentes e sem histórico relevante de operação. Um desses fundos, chamado “Revolution”, também era cotista do Macam Shopping.
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Fonte: CVM/ Dados de junho de 2025
Em posicionamento público divulgado em novembro, o Rioprevidência afirmou que o valor investido junto ao Master é inferior ao da folha mensal paga pela autarquia aos aposentados e pensionistas e que, na época dos aportes, o banco tinha “autorização de funcionamento emitida pelo Banco Central do Brasil, credenciamento ativo junto ao Ministério da Previdência Social e classificação de risco de crédito de grau de investimento”.
O Macam Shopping foi criado em 2012, inicialmente como um fundo de investimento em participações (FIP) administrado pela Planner Corretora. Maurício Quadrado, ex-sócio do Master e da BlueMac, era acionista de Planner na época, junto a Carlos Arnaldo, que segue na empresa até hoje. Procurados, não se manifestaram até a publicação do texto.
Neste início, o fundo era fechado para resgates e tinha prazo de 10 anos. Isso significa que quem investisse logo no começo das operações só poderia tirar o dinheiro após uma década. Este foi o risco assumido por alguns institutos de previdência, como o Serpros, Instituto Salto de Pirapora, IPREM Pouso Alegre e IPREMB, quando aplicaram capital no Macam ainda entre 2012 e 2013.
Por ser bloqueado para resgates e composto por uma única empresa de capital fechado, o Macam logo entrou no radar das auditorias dos fundos de previdência.
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O IPREM Pouso Alegre, por exemplo, move há cinco anos uma ação de improbidade administrativa contra antigos diretores por terem conduzido investimentos em fundos “fraudulentos e desvantajosos” entre meados de 2012 e 2018 e que teriam causado prejuízos de mais de R$ 140 milhões ao instituto, segundo documentos do processo aos quais a reportagem teve acesso. O Macam Shopping, que já se chamou “Realesis FIP”, “Usina Invest Malls FIP” e “LA Shopping FIP”, é citado entre esses fundos. A ação ainda está em andamento e em fase de citação dos acusados, segundo apurou o E-Investidor.
A Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) também multou em mais de R$ 200 mil quatro ex-diretores do Serpros por conduzir investimentos em desacordo com as regras do segmento, com destaque para o aporte inicial de R$ 50 milhões no Macam. O processo da Previc mostrava uma ligação entre ativos do fundo e o falido Banco BVA, que teve a liquidação decretada pelo Banco Central em meio a indícios de desvios de recursos e fraudes em fundos de pensão.
Em 2023, o então fundo de investimento em participações foi transformado em fundo imobiliário, mas as cotas só passaram a ser negociadas em Bolsa no início deste ano.
Segundo a BlueMac, a Master Corretora deve ser substituída por outra administradora em função da liquidação pelo Banco Central. Em nota enviada à reportagem e aos cotistas do Macam, a gestora diz estar em “fase avançada” de tratativas com instituições habilitadas para o cargo, mas não revelou quem são essas instituições.
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Fora as 14 entidades de previdência identificadas pelo E-Investidor, o Macam tem outros cotistas. Um deles até junho possuía mais de 40% do capital do Macam e, consequentemente, maior poder de decisão em assembleias. Esse “investidor” é o Máxima Crédito Privado 2, um fundo também administrado pela Master Corretora.
O CEO da BlueMac, Felipe Mota Separovic Rodrigues, argumenta que o fundo Macam Shopping apresenta evolução consistente em seus indicadores. Segundo ele, o patrimônio do fundo evoluiu de aproximadamente R$ 70 milhões, em 2021, para mais de R$ 473 milhões em outubro de 2025. Não há demonstrações financeiras públicas do período anterior a 2022.
Segundo Rodrigues, a desvalorização das contas é resultado de vendas feitas por um único cotista por valores abaixo do preço justo das cotas. Em outras palavras, esse cotista, não identificado pelo CEO, está tentando diminuir a posição no fundo e por isso está aceitando negociar as cotas por valores mais baixos.
“Tais movimentos são temporários e característicos do mercado secundário, não configurando deterioração do portfólio do fundo nem de seu valor patrimonial”, diz Separovic. “A gestora mantém estrita observância à regulamentação da CVM, às normas de autorregulação da Anbima e às melhores práticas de governança corporativa.”
A BlueMac também ressalta, em nota, que não faz parte do conglomerado do Banco Master e que a liquidação da Master Corretora não afeta o patrimônio do Macam.
O IPSJ afirmou ao E-Investidor que investe no fundo desde 2018, quando o Macam Shopping ainda era um FIP. Contudo, em 2024, o Macam deixou de ser um FIP e foi transformado em fundo imobiliário com cotas negociadas em Bolsa e sujeitas às flutuações de mercado.
“Como cotistas, observamos essa situação com grande preocupação, pois não foi nesse perfil de fundo que investimos originalmente”, diz o instituto. “Além disso, por se tratar de um fundo ilíquido e estar atualmente desvalorizado, optamos por monitorar a situação, para neste momento não resgatar as cotas, a fim de evitar a realização do prejuízo, aguardando um momento mais favorável.”
O IPSJ diz acreditar que “caso haja qualquer irregularidade”, os órgãos reguladores deveriam adotar as providências cabíveis para a proteção dos cotistas. “Nós precisamos. O mercado precisa mostrar para o investidor os mecanismos de proteção, funcionamento e oferecer segurança para um segmento tão crescente. No mais, continuamos acompanhando atentamente os desdobramentos”, diz o IPSJ.
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