- A Americanas (AMER3) entrou com pedido de recuperação judicial exatos oito dias após a descoberta de um rombo financeiro de R$ 20 bilhões nos balanços. O banco BTG, um dos credores, fez o bloqueio de R$ 1,2 bilhão da varejista, que agora diz ter um caixa de menos de R$ 800 milhões
- A leitura inicial é de que a crise da Americanas "beneficie" as varejistas cujo modelo de negócio é similar, como Magazine Luiza e Via. Ainda assim, as companhias ainda não figuram entre as principais recomendações de compra, por conta da conjuntura macro desafiadora
- “Aqui no Brasil, as empresas enfrentam dificuldades pela guerra de preços e desafios logísticos. Eu não sou descrente com o varejo, acredito que a Magazine Luiza dê a volta por cima ainda, por exemplo, mas entendo que para 2023 não é um setor para entrar, não acho que vai ser destaque”, afirma Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos
A Americanas (AMER3) entrou com pedido de recuperação judicial pouco mais de uma semana após a descoberta de um rombo financeiro bilionário. O banco BTG Pactual, um dos credores, fez o bloqueio de R$ 1,2 bilhão da varejista, que agora diz ter um caixa de R$ 800 milhões e uma dívida total de R$ 43 bilhões – que é a soma entre as “inconsistências contábeis” e a dívida bruta anterior da companhia.
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Os papéis da empresa desvalorizaram mais de 90% nesse curto período, passando de R$ 12 para os atuais R$ 0,71. Negociada por centavos, a AMER3 é a nova “penny stock” da Bolsa, ao lado de empresas como Triunfo Participações e João Fortes Engenharia, cujos papéis estão a R$ 0,90 e R$ 0,70. Os dados foram levantados por Einar Rivero, head comercial do TradeMap.
O escândalo contábil teve repercussões diferentes nas principais concorrentes, Magazine Luiza (MGLU3) e Via (VIIA3). Enquanto as ações da companhia de Luiza Trajano subiram 25% desde o escândalo contábil, os papéis da dona das Casas Bahia desvalorizaram mais de 12%.
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A leitura inicial é de que o Magalu, principal nome do segmento na B3, conseguirá captar uma fatia maior do fluxo de vendas que hoje é direcionado a Americanas. “Alguns fundos têm que ter porcentuais fixos em setores, então acabam recompondo comprando outras varejistas. No rebalanceamento, podem ter escolhido a Magalu em detrimento da Via”, afirma Mario Goulart, analista de investimentos e criador do canal ‘O Analisto.
De acordo com análises preliminares do Citi em relatório obtido pelo E-Investidor, é esperado que o valor bruto de mercadoria (GMV, na sigla em inglês) on-line do Magalu cresça 18% somente em função desse redirecionamento de tráfego. O efeito nos GMVs de Via e Mercado Livre (MELI34) seria menor, com um impulso de 15% e 11%, respectivamente. Desta forma, em 2023, o Mercado Livre deve ficar com 40,3% de participação de mercado, enquanto Magalu e Via, 19,4%, e 9,0%, respectivamente. Os outros players disputariam os 31,3% restantes.
“Essas varejistas são beneficiadas porque, teoricamente, você está tirando um player do mercado. Não quero dizer que a Americanas vai quebrar e deixar de vender, mas há, sim, uma quebra de confiança. Os fornecedores devem parar de vender para a empresa e tudo isso beneficia as concorrentes”, afirma André Luzbel, head de renda variável da SVN Investimentos.
Luzbel também vê o Mercado Livre muito mais preparado para abocanhar a fatia de mercado que pertencia à varejista em que os acionistas de referência são Jorge Paulo Lemann, Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira. “Do nosso ponto de vista, deve se sair melhor do que qualquer outra empresa do Brasil”, diz o especialista da SVN.
O nível de endividamento do Magazine Luiza também seria mais saudável do que o apresentado pela Via, que já encontrou evidências de fraudes contábeis em seus balanços e teve que fazer ajustes nos resultados de 2019.
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“Via é mais alavancada e tende a sofrer mais com as restrições que as varejistas vão sofrer daqui para frente. Isto porque os bancos vão passa a ser muito mais rigorosos para tratar com dívida de varejistas”, avalia Goulart. “Sem falar que o Magalu tem e-commerce mais desenvolvido que a Via e estrutura de capital um pouco melhor.”
Flávia Meirelles, analista da Ágora Investimentos, tem uma postura pouco mais cautelosa. “Pode ser que os investidores entendam que Magalu pode se beneficiar mais, capturar mais participação de mercado, mas ainda acho prematuro fazer esse tipo de avaliação”, afirma.
Oportunidades no curto prazo? Só fora do e-commerce
Apesar de receberem um fluxo maior, as varejistas de e-commerce na Bolsa ainda não figuram entre as recomendações de compra. Isto porque o segmento passa por uma conjuntura macroeconômica desfavorável. Em 2022, MGLU3, VIIA3 e AMER3 já haviam acumulado quedas de 59,5%, 52% e 69%, respectivamente.
O e-commerce atrelado à linha branca (eletrodomésticos) e eletrônicos é bastante sensível aos ciclos econômicos e tende a sofrer mais quando os juros estão altos – como é a situação atual. A taxa básica de juros da economia, a Selic, está em 13,75% ao ano, o que tende a resfriar o consumo. Em tempos de juros altos, crédito caro e dinheiro escasso, as compras de itens não-essenciais (como eletrônicos e eletrodomésticos) são as primeiras a serem postergadas. E isso impacta os resultados das companhias.
A concorrência dentro do segmento também é bastante acirrada. Os produtos sem diferenciação comprimem as margens das varejistas. Grandes players estrangeiros, como o próprio Mercado Livre, além da Shopee e da Amazon, também ameaçam o market share (a fatia de mercado) das companhias brasileiras.
“Aqui no Brasil, as empresas enfrentam dificuldades pela guerra de preços e desafios logísticos”, afirma Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. “Eu não sou descrente com o varejo, acredito que a Magazine Luiza dê a volta por cima. Mas para 2023 não é um setor para entrar, não acho que vai ser destaque.”
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Meirelles, da Ágora Investimentos, tem recomendação neutra tanto para Magalu quanto para Via. Os papéis da Americanas, por sua vez, estão em “revisão” desde a descoberta do rombo bilionário. “Continuamos neutros pelos mesmos motivos que já tínhamos: concorrência e ambiente macro mais desafiador”, ressalta Meirelles.
Flávio Conde, analista da Levante Ideias de Investimentos, tem perspectivas positivas, mas para outro tipo de varejo. Para ele, as varejistas ligadas a vestuário devem sair na frente, já que o segmento possui menos competição e diferenciação de produtos.
Não é raro que clientes se fidelizem a uma marca específica, por exemplo, o que torna as margens de lucro dessas varejistas menos estreitas e confere certa resiliência aos ciclos econômicos. Dentro deste filão, as ações das Lojas Renner (LREN3) são as primeiras indicações de Conde.
“Varejo de roupa não tem o consumo enorme de capital do varejo de eletroeletrônico, além de ter margens melhores. A crise da Americanas também não afeta o varejo de vestuário”, afirma Conde, da Levante. Na visão dele, as ações de Magalu e Via são para os investidores que estão pensando no longo prazo, quando o País estiver dentro de uma conjuntura melhor em relação a juros e inflação.
Goulart ressalta, entretanto, que ainda não se tem clareza de quando o Banco Central começará a baixar a Selic, em função do aumento do risco fiscal. “Não conseguimos traçar perspectivas. Quando começamos a ter visibilidade, o presidente Lula fala que não gosta da independência do Banco Central e isso estressa a curva de juros de novo. Na dúvida, não gosto de investir em empresas alavancadas em momento de juros altos”, afirma.
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O analista de investimentos também vê as Lojas Renner como boa opção para a carteira do investidor. “Sempre foi uma empresa boa, não podemos generalizar o varejo”, diz Goulart.