- A trajetória das bolsas regionais, desde a sua fundação até a sua extinção, e o papel que desempenharam no desenvolvimento econômico do País.
- O caso de Naji Nahas, o investidor que quebrou a Bolsa do Rio e mudou as regras do mercado financeiro brasileiro
- A nova bolsa de valores que o Mubadala Capital pretende criar no Rio de Janeiro
Ao longo do início deste século, o Brasil assistiu à consolidação da B3 (B3SA3) no mercado de valores mobiliários, uma empresa que se tornou sinônimo de bolsa de valores. Mas não faz muito tempo, havia diversas dessas operações em atividade no País. Foi apenas no ano 2000 que as chamadas bolsas regionais entraram em processo de liquidação, deixando o caminho livre para a companhia paulista.
A operação de uma nova bolsa de valores no Brasil voltou a ganhar destaque após informações de que o Mubadala Capital planeja lançar uma nova operação no Rio de Janeiro em 2025, concorrendo com a B3.
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Quem tem uma vívida memória das operações regionais no Brasil é Fernando Aguiar, diretor-presidente da Codepe, uma corretora fundada no Recife em meados dos anos 1980 e que rapidamente expandiu seu raio de atuação para São Paulo e Rio de Janeiro.
“Ajudamos a fundar o Soma e o mercado de balcão organizado no Rio, num empreendimento conjunto com a Bolsa do Paraná. Esse foi o nascedouro de muita empresa listada”, relembra Aguiar, citando empresas como a Comgás, Sabesp e as telefônicas que deram origem à Oi. Todas começaram neste mercado de balcão, que depois foi incorporado pela Bovespa em 2002.
O episódio de Naji Nahas
O Soma do RJ, tinha o apoio das bolsas regionais como a do Extremo Sul (Rio Grande do Sul e Santa Catarina), da Bolsa de Santos, de São Paulo, da Bolsa de Minas, Espírito Santo e Brasília, da Bolsa de Pernambuco e Paraíba e da bolsa com sede no Ceará que englobava os demais Estados. “A do Rio havia sido a Bolsa mais importante do País, mas com o episódio de Naji Nahas, quebrou”, conta o corretor.
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O episódio do mega investidor que deixou o mercado brasileiro no final dos anos 1980 insolvente, aliás, mostra bem como o sistema financeiro evoluiu, numa estrutura que hoje em dia não faz muito sentido, embalada por pregões de viva voz e baixíssima liquidez.
“Muita coisa que se fazia naquela época seria considerada crime contra o sistema financeiro e lavagem de dinheiro nos dias de hoje”, diz o operador. Até a década de 1990, as ações eram negociadas ao portador, os chamados papéis PP. As ações nominativas, os títulos PN, praticamente não tinham liquidez.
O mercado preferia a praticidade dos papéis timbrados que, assim como os cheques, poderiam ser sacados por qualquer pessoa. Eram praticamente uma cédula de dinheiro. Hoje, operações como essas seriam impensáveis, já que qualquer transação no mercado financeiro sem a identificação da contraparte é considerada crime de lavagem.
E foi assim, com papéis ao portador e escrituras de cautela, que o ciclo de liquidação de uma papel demorava até cinco dias, entre o pregão e o recebimento da operação. Foi neste cenário de negócios, realizados praticamente em câmara lenta, que operadores como Naji Nahas passaram a ganhar dinheiro com o financiamento antecipado. Recebiam a liquidação dias antes, pedalando o pagamento, até que um dia o fluxo foi cortado e a “bicicleta caiu”, levando consigo todo o patrimônio da Bolsa carioca.
Bolsas eram temáticas
Longe do Rio, as bolsas regionais eram em boa parte temáticas. A dos estados de Pernambuco e Paraíba e a da Bahia e Sergipe, eram importantes para o giro do mercado de companhias incentivadas pelos fundos regionais Finor (Nordeste) e Finam (Amazônia). Chegaram a ter mais de duas mil empresas listadas e ajudaram a desenvolver o setor hoteleiro do Nordeste, por exemplo, e o Pólo de Camaçari na Bahia.
A Bolsa de Santos tinha como razão de ser o câmbio do café, quando a legislação brasileira exigia a interveniência de corretores nessas operações com moedas estrangeiras. Embora algumas bolsas, a exemplo da Extremo Sul que conseguiu manter operações até o início dos anos 2000, tendo registro de empresas como a Gerdau, o avanço da tecnologia impôs cada vez mais a dominância da Bolsa de São Paulo como centro de liquidez.
Dom Pedro II criou as primeiras bolsas
O surgimento da operação de Pernambuco e Paraíba, do Rio de Janeiro e da Bahia, mostra como até mesmo o mercado financeiro brasileiro dependia do voluntarismo estatal. As três Bolsas mais antigas do País foram criadas a partir de decretos imperiais de Dom Pedro II. A ordem para o surgimento da pernambucana é de 1851. A Bovespa de São Paulo, fundada pelo negociante de capitais Emílio Rangel Pestana, data de 1890.
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“A história das bolsas brasileiras é a história da evolução do mercado de capitais”, comenta o chefe da Codepe, corretora que se adaptou às inúmeras mudanças desde a década de 1980. “Paramos de trabalhar com ações em 2022. Hoje a Codepe opera títulos públicos e câmbio”, diz. Ele reclama que o mercado de corretagem zero é um modelo nebuloso, assim como o cross selling de produtos, que deixam, na sua visão, os clientes sem saber exatamente o que são produtos oferecidos e quanto valem.
“Estamos nos preparando para as novas mudanças, da mesma forma que foi o Pix, quando o real digital (Drex) entrar em operação, o ciclo de liquidação de Bolsa vai mudar bastante”, diz o velho corretor que se reinventa há 40 anos, depois de ter passado por diversos ciclos, do ocaso das empresas incentivadas do Nordeste à ciranda financeira do “overnight” dos tempos da hiperinflação.