A B3 é a maior bolsa de valores da América Latina. (Foto: Alf Ribeiro/Shutterstock)
Um comunicado ao mercado é um instrumento utilizado para informar investidores e demais agentes sobre informações consideradas importantes pelas empresas listadas, mesmo que a divulgação dos dados não seja obrigatória. Normalmente, esse tipo de periódico traz detalhes sobre aquisições, investimentos, alienação de participações e esclarecimento sobre dúvidas da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por exemplo.
Na última quinta-feira (22), entretanto, uma companhia fez um uso não convencional em um comunicado. A fintech CSU CardSystem (CARD3) publicou uma recomendação de compra sobre as ações feita pela Nord Research. A casa de análises cita que os papéis da companhia estão a ‘preços de banana’.
“CARD é a “fintech” que o mercado não percebeu. E o mais interessante é que as instituições financeiras ainda não estão cobrindo a companhia, mesmo com o crescimento médio de 20% no Ebitda [desde 2013]. Mesmo acumulando uma alta de +55% no ano, CARD segue barata. Negociando a 8x Ebitda, CARD é uma fintech negociada a preço de banana”, dizia parte da análise, publicada no comunicado.
Polêmica e possíveis problemas com a CVM
A divulgação do comunicado surpreendeu e causou estranheza nas redes sociais. Depois de o controlador da CSU ter vendido 172,8 mil papéis ordinários em junho por R$ 4,4 milhões, agora, o Diretor de Relações com Investidores republicou uma análise sobre as ações estarem baratas.
Alguns usuários também questionaram como a fintech agiria se fosse uma recomendação de venda, em vez de compra. Segundo Vicente Camillo, especialista em regulação financeira, a prática representa um ‘indício ruim’ e poderia resultar na instauração de um processo na CVM.
“Não é algo nem um pouco comum”, afirma. “A comunicação das companhias abertas ao mercado tem que ser feita com parcimônia. Em tese, elas não podem induzir os investidores a um comportamento”, diz Camillo. “E se esse comunicado for de expectativas, elas precisam ser lastreadas em algum fato, e você tem os guidances, como as projeções das companhias em uma margem de dois ou três anos. Ou seja, dados próprios.”
No caso da CSU CardSystem, Camillo destaca que o informativo poderia induzir o comportamento dos investidores. “O diretor de relações com investidores (DRI) está replicando uma recomendação de compra de uma casa especializada, mas o próprio DRI não tem essa qualificação. Além de ser uma recomendação de compra das ações da empresa na qual ele é diretor”, afirma. “Em uma leitura rápida, pode se configurar uma prática de manipulação de preço.”
O advogado Héctor Carrillo, sócio do Carrillo Advogados, apontou que a divulgação se enquadra na Instrução da CVM nº480, que trata sobre ‘projeções’. A norma define que as informações sobre estimativas devem ser incluídas no formulário de referências, identificados como dados hipotéticos e que não constituem promessa de desempenho, razoáveis, além de serem acompanhadas de premissas relevantes, parâmetros e metodologias adotados.
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“Não é comum a empresa lançar este tipo de informação. Normalmente, é feito pelas agências de rating ou pelos analistas independentes”, diz Carrilo.
Já para Mario Goulart, analista CNPI da O2 Research, o comunicado é polêmico, mas não fere as regras de mercado. “No final das contas, a empresa está divulgando aos acionistas uma recomendação de uma casa de análise que é autorizada pela CVM através da Apimec a recomendar ou desaconselhar ações”, explica. “Há empresas que colocam os preços-alvo de uma série de casas de análise em seu site de RI.”
O que diz o RI da CSU
Em entrevista ao E-Investidor na última sexta-feira (23), o diretor de RI da CSU CardSystem, Ricardo Ribeiro Leite, afirmou que a intenção é dar a maior transparência possível sobre as avaliações das casas de análise a respeita da empresa.
“Tivemos essa semana a identificação desse trabalho promovido pela Nord, que fez a atualização da recomendação para os papéis. Nós simplesmente tivemos a intenção, em termos de transparência para o mercado, de dar a análise de um terceiro a respeito da evolução dos negócios da companhia”, disse. “Solicitamos um ‘de acordo’ da Nord (para publicar) e foi concedido.”
Leite destacou ainda que a repercussão negativa foi uma surpresa. “Se eu pudesse esperar uma manifestação do mercado, eu esperaria uma condição de satisfação, por estarmos colocando uma opinião independente a mais. Fico um pouco surpreendido com alguns comentários, porque não foi a empresa querendo ditar rumos para o mercado. É apenas uma informação positiva, útil ao mercado”, disse. A empresa diz ainda que não há nenhuma relação entre a venda de papéis do controlador ao valor da companhia.
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A conduta, segundo o diretor, seria a mesma caso a recomendação fosse de venda. Também teria sido a primeira vez que um comunicado do tipo foi feito pela CSU.
Em nota, a Nord Research ressaltou não ser responsável pelo modo como as informações dos relatórios são usadas. “Contudo, reafirmamos os ótimos resultados que CSU vem apresentando e a perspectiva de resultados futuros, aliado a um preço bastante interessante. A companhia é uma de nossas recomendações na série O Investidor de Valor”, disse a casa de análises, em nota enviada ao E-Investidor.