- Eduardo Mira é analista CNPI do Me Poupe! e o novo colunista do E-Investidor
- Para Mira, os investidores não devem se deixar levar por notícias e especulações na hora de decidir sobre um investimento
- O especialista também explica que o pensamento de longo prazo protege o investidor de oscilações, como no caso da Petrobras
As estatais estão no centro das discussões do mercado financeiro. Na sexta-feira, 26 de fevereiro, o presidente do Banco do Brasil, André Brandão, colocou o seu cargo à disposição. Antes dele, o presidente Jair Bolsonaro resolveu meter a mão em outra empresa de capital misto: descontente com o aumento dos preços dos combustíveis, Bolsonaro anunciou, na noite da sexta-feira (19), a demissão do CEO da Petrobras, Roberto Castello Branco, e a indicação do general Joaquim Silva e Luna para o cargo.
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Na segunda (22), o chefe do Executivo também afirmou que ‘meteria o dedo na energia elétrica’. A reação do mercado, como esperado, foi negativa e os papéis PETR4 derreteram 21,51% naquele pregão. A preocupação com a ingerência política se estendeu para outras estatais da Bolsa e as ações do Banco do Brasil (BBAS3) e Eletrobras (ELET6), que também caíram 11,65% e 0,69%, respectivamente, na sessão.
Segundo Eduardo Mira, analista CNPI da Me Poupe! e o novo colunista do E-Investidor, a reação forte do mercado vem de um trauma recente com as intervenções na Petrobras durante outros governos. “Precificou-se um cenário de terror, de calamidade, como já aconteceu no passado”, explica Mira. “No final, o governo entendeu que a comunicação tinha sido equivocada.”
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Para conter os estragos e sinalizar ao mercado que a agenda liberal continuava em pauta, o presidente entregou pessoalmente ao Congresso na terça-feira (23), a medida provisória (MP) que dá início aos estudos para a privatização da Eletrobras. O gesto funcionou e os papéis da empresa de energia subiram 13% naquele dia. As ações da Petrobras também entraram em trajetória de recuperação.
Contudo, o risco da interferência política não foi superado. De acordo com Mira, os investidores que têm os papéis de estatais na carteira precisam entender que a ingerência pode acontecer nessas companhias e que esse risco já está embutido no preço dos papéis.
“Quando o mercado é interessante para a companhia, o governo a trata como uma empresa de capital aberto”, afirma Mira. “ Agora, quando é interessante para o governo interferir na política de preços, a companhia é tratada puramente como uma ‘estatal’. Tem que ter uma postura definida.”
Para quem quer se proteger dos riscos políticos, portanto, a dica é pensar sempre no longo prazo e não se deixar levar pelo efeito-manada que acontece em resposta às notícias polêmicas. “Se pegarmos o gráfico da cotação dos preços de Petrobras e de várias outras empresas, esses ruídos são quase insignificantes em um horizonte de 10 ou 20 anos”, afirma Mira, que entre 2 e 5 de março vai ministrar um curso gratuito, ao vivo, a partir das 20 horas. Intensivão da Renda Variável acontecerá no canal do Me Poupe! para quem se inscrever.
Veja a entrevista na íntegra:
Os fundamentos da Petrobras continuam os mesmos, nada mudou. O que teve foi uma intenção do acionista majoritário em fazer mudanças e trocar o presidente
E-Investidor – Em reação à interferência de Bolsonaro na Petrobras, as ações da estatal caíram mais de 20% na segunda-feira (22), mas voltaram a subir forte já na terça-feira (23). A resposta inicial do mercado foi exagerada ou o futuro da empresa pode estar em risco?
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Eduardo Mira – As duas coisas. Eu acredito que a reação do mercado foi exagerada, o que é muito normal. Quando estamos caminhando por um processo desconhecido, é esperado que o mercado precifique da pior forma possível.
É por isso que na segunda-feira as ações abriram caindo muito, porque precificou-se um cenário de terror, de calamidade, como já aconteceu no passado. Há tempos atrás [em outros governos] tivemos essa ingerência nos preços dos combustíveis da Petrobras, para segurar a inflação. O mercado, então, já vacinado, precificou na pior condição possível.
Ao longo daquele mesmo dia, outras declarações do presidente Jair Bolsonaro passaram a mensagem de que não era bem isso, que não ia mexer nos combustíveis e que só queria ‘previsibilidade’ e ‘transparência’ na Petrobras. Acabou que ele viu que a reação do mercado foi bem negativa e foi à imprensa para apaziguar.
No final, o governo entendeu que a comunicação tinha sido equivocada e voltou-se a falar também da privatização da Eletrobras. Tudo isso fez com que o mercado se acalmasse um pouco e as ações voltassem a subir. Os papéis estão no ambiente da dúvida: sem forças para valorizar mais, mas também não estão em trajetória de queda.
E-Investidor – Mas os objetivos da Petrobras podem ser afetados?
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Mira – Temos que sempre fazer uma análise muito fria sobre o que temos de informação: no Petrobras Day do ano passado, a companhia apresentou o planejamento estratégico de 2021 a 2025. Os grandes objetivos são reduzir o endividamento para um montante menor que US$ 60 bilhões de dólares, melhorar a gestão dos passivos, otimizar o capital de giro e, com tudo isso, maximizar o retorno ao acionista – o que significa além de melhorar a cotação, que é um efeito secundário à qualidade de gestão da Petrobras, aumentar dividendos.
Os fundamentos da Petrobras continuam os mesmos, nada mudou. O que teve foi uma intenção do acionista majoritário em fazer mudanças e trocar o presidente. Essa substituição de Roberto Castello Branco ainda nem aconteceu. A medida mais correta nesse momento é entender qual vai ser o desenrolar daqui para frente. A partir daí, fica mais fácil de tomar uma posição.
O investidor não deve se desesperar com notícias e, sim, olhar para a empresa. No domingo, muitas casas recomendaram vender tudo. Na segunda, outras mandaram comprar tudo. Isso mostra que não temos um cenário claro.
E-Investidor – Qual é a importância de ter uma política de preços alinhada à variação do petróleo no mercado internacional e oscilação do dólar?
Mira – A Petrobras decidiu, em 2017, que teria uma política de preços alinhada ao dólar, até porque a estatal importa parte dos combustíveis que vende. Nós não temos autossuficiência em gasolina, diesel, nada disso. Outro ponto é que no Brasil, os transportes são muito terrestres, portanto, o consumo de combustível fóssil sempre vai ser muito grande.
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A petroleira decidiu seguir a paridade para ter uma gestão mais eficiente, para equilibrar melhor as contas. Se a companhia simplesmente compra uma matéria prima mais cara e não repassa os preços, isso resulta em endividamento. E isso já aconteceu com a Petrobras, em um período em que não se tinha preocupação com o repasse dos preços. O resultado foi bastante negativo.
Se voltarmos para a época em que a Petrobras absorvia o prejuízo sem repassar, teremos de novo aumento de endividamento, deterioração dos fundamentos e aí, sim, o preço das ações realmente terá que cair.
Se a política de combustíveis da Petrobras se mantiver como está, independentemente de quem estiver no posto de CEO, será ótimo
E-Investidor – Como você enxerga o indicado para o cargo, general Joaquim Silva e Luna?
Mira – Ele não é uma pessoa da área de petróleo, tanto que ele estava lá em Itaipu. Mas é importante salientar que poderia ser qualquer pessoa, de qualquer formação, que a grande questão ainda seria a preocupação do presidente Jair Bolsonaro com os preços dos combustíveis.
Se a política de combustíveis da Petrobras se mantiver como está, independentemente de quem estiver no posto de CEO, será ótimo. É claro que ele não é uma pessoa do mercado de petróleo, mas até onde isso vai ser importante, só as atitudes dele irão dizer.
E-Investidor – Qual é o papel de uma estatal: gerar lucro aos acionistas ou servir aos interesses do governo?
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Mira – Se a empresa tem capital aberto e está na Bolsa de Valores, ela primordialmente deve retorno aos acionistas. O grande erro, na minha visão, é justamente essa postura de que, quando o mercado é interessante para a companhia, o Governo a trata como uma empresa de capital aberto.
Quando é interessante para o governo interferir na política de preços, a companhia é tratada puramente como uma ‘estatal’. Desse modo fica muito complicado para quem está de fora entender qual o comportamento esperado para essas empresas. Qual a segurança do investimento? O investidor estrangeiro fica confuso. Como confiar em uma postura que muda a todo momento?
Ano passado, por exemplo, o BNDES vendeu ações no follow on da Petrobras. Quem comprou tinha a opção de lock-up, para o preço ficar por alguns meses a R$ 30. Comprou-se a R$ 30, veio a pandemia e as pessoas que compraram ficaram lá, segurando os papéis da estatal por R$ 30.
O mercado foi um instrumento excelente naquele momento para o BNDES se desfazer das ações. Quando você precisa ter uma preocupação maior com os acionistas, dar retorno para eles, o discurso muda? O foco vira o governo, a população e etc? É preciso ter uma postura definida, esse é o problema. Tem que deixar claro se a empresa vai ser tratada puramente como estatal ou se ela é uma empresa de capital aberto.
Se o investidor acha muito ruim ter um sócio que muda de ideia ao longo dos anos, talvez não seja uma boa investir em estatais. O que eu faço é comprar [ações de estatais] em momentos de muito desconto, como aconteceu na crise do coronavírus
E-Investidor – Só o fato de ter o governo como principal acionista já deve ser um sinal de alerta para o investidor?
Mira – Sim, porque ter um acionista que muda de ideia a qualquer momento é sempre um alerta muito grande. O investidor tem que estar ciente que o maior acionista da estatal vai mudar ao longo do tempo, porque os governos mudam com o passar dos anos e entram pessoas diferentes, com pensamentos diferentes.
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O risco existe, mas por outro lado essas empresas são negociadas com desconto por conta dessa incerteza. Se olharmos para o Banco do Brasil, a instituição é negociada muito abaixo do que deveria por conta do risco da ingerência na gestão.
Se o investidor acha muito ruim ter um sócio que muda de ideia ao longo dos anos, talvez não seja uma boa investir em estatais. O que eu faço é comprar [ações de estatais] em momentos de muito desconto, como aconteceu na crise do coronavírus. Dessa forma, eu tenho uma gordura para queimar em caso de quedas expressivas. Meu preço de aquisição, por exemplo, foi bem abaixo de R$ 20.
E-Investidor – Apesar de Bolsonaro afirmar também que ‘meteria o dedo na energia elétrica’, a Eletrobras subiu bastante com a MP da Privatização. É realmente um avanço na agenda?
Mira – A frase pegou muito mal, porque também já vimos isso no passado quando a ex-presidente Dilma interferiu na energia elétrica e o setor derreteu. Com essa notícia da MP, o governo volta a mostrar a intenção de tocar essa agenda. Entretanto, estamos bem distantes da privatização, o que tivemos foi apenas um ato simbólico do presidente. Não é um processo simples e rápido.
E-Investidor – E como você vê a golden share, que o governo terá em caso de privatização da Eletrobras?
Mira – Eu acho importante para o governo conseguir se manifestar e impedir decisões que não sejam interessantes para o País. Por exemplo, por meio da golden share o Governo pode vetar a venda para determinados investidores.
E-Investidor – Após as declarações de Bolsonaro, as estatais da Bolsa chegaram a perder, juntas, mais de R$ 100 bilhões entre os pregões do dia 19 e 22 de fevereiro. Essas frases polêmicas do presidente podem manchar a imagem do mercado brasileiro com o investidor estrangeiro?
Mira – Com certeza. É muito ruim essa comunicação não oficial feita pelo governo nas redes sociais. Não temos uma linha específica de pensamento: às vezes o discurso é mais populista, outras vezes mais liberal.
Não é a maneira correta de se comunicar. De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a conversa com o mercado deve ser feita por meio de fatos relevantes, que ficam reunidos no site de notícias da Bolsa, para que todos os investidores saibam de forma oficial.
O Brasil já é um país de terceiro mundo, temos o risco político, econômico, uma série de incertezas, e com essa forma de comunicação não-clara, só adicionamos mais dúvidas.
O mercado enxerga nele [Paulo Guedes] a última esperança liberal e esse silêncio mostra que o ministro pode estar enfraquecido
E-Investidor – Neste momento, o que o silêncio do ministro Paulo Guedes sinaliza para o mercado?
Mira – Pega muito mal porque o Paulo Guedes é a garantia que o mercado tem de uma preocupação com a agenda liberal. Ele é o grande fiel da balança do governo em relação à economia. O mercado enxerga nele a última esperança liberal e esse silêncio mostra que o ministro pode estar enfraquecido.
Mas já que o próprio presidente voltou atrás, acredito que o Guedes pôde ficar mais resguardado. A MP da privatização da Eletrobras passa a impressão também que as ideias liberais do ministro não foram jogadas por terra. O que precisamos ver é até onde vai o interesse nessa agenda liberal.
E-Investidor – Como proteger a carteira desses riscos políticos?
Mira – A maior defesa para o investidor é o pensamento de longo prazo. Quando compramos ações de empresas, acreditamos que essa empresa terá muito tempo para trabalhar e dar retorno. Logo, vão entrar e sair governos e a companhia continuará lá.
A primeira coisa que o investidor precisa é definir quais são os objetivos dele. Afinal, você está investindo por qual motivo? Em segundo lugar, se você tem um pensamento de longo prazo, esses ruídos de curto prazo não serão importantes.
Se pegarmos o gráfico da cotação dos preços de Petrobras e de várias outras empresas, esses ruídos são um pequeno rabisco, quase insignificantes, em um horizonte de 10 ou 20 anos. O pensamento de longo prazo protege o investidor dessas oscilações que o mercado tem.