- A conclusão é fortalecida pelos resultados ruins de alguns indicadores econômicos, desempenhando abaixo do esperado, e dos riscos do impacto global da variante Delta nas economias
- Em artigo publicado no Project Syndicate, o economista Nouriel Roubini, professor da Stern School of Business da Universidade de Nova York, diz que “um estagflação leve já está ocorrendo no Estados Unidos”
Os Estados Unidos podem viver uma “súbita recessão” no fim de 2021, é o que alerta o Bank of America (BofA) em relatório divulgado recentemente aos investidores. A análise é fortalecida pelos resultados ruins de alguns indicadores econômicos, desempenhando abaixo do esperado, e dos riscos do impacto global da variante Delta do coronavírus nas economias.
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A afirmação do BofA se soma a outros sinais preocupantes: a queda no preço das commodities (cobre -19% e petróleo -16%) em virtude da menor demanda, em especial da China; a pressão inflacionária no aumento da taxa de juros dos treasuries; e a queda das ações das empresas do setor de consumo. Nesta terça-feira (31), o Conference Board divulgou que o índice de confiança do consumidor americano caiu de 125,1 em julho para 113,8 em agosto, o menor em seis meses.
Em artigo publicado no Project Syndicate, o economista Nouriel Roubini, professor da Stern School of Business da Universidade de Nova York, é ainda mais pessimista. Ele diz que “uma estagflação leve já está ocorrendo no país”. “A inflação está aumentando nos Estados Unidos e em muitas economias avançadas, e o crescimento está desacelerando drasticamente, apesar do enorme estímulo monetário, de crédito e fiscal”, afirma o professor.
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Roubini é conhecido como Dr. Doom (Doutor Catástrofe), por suas análises negativas. No entanto, em 2005, ele alertou que o preço dos imóveis residenciais surfava em uma onda especulativa no país. Em 2008, a bolha imobiliária explodiu nos Estados Unidos. Ou seja, suas projeções estavam certas.
De acordo com o economista, o estímulo das políticas monetárias para impulsionar a demanda têm levado ao superaquecimento inflacionário, que vem se agravando com os impactos da variante Delta, tanto na redução da produção quanto na restrição da oferta de trabalho. Com isso, os “choques negativos de fornecimento de médio prazo reduzirão o crescimento potencial e aumentarão os custos de produção”, podendo levar o país a reviver a ‘estagflação’ dos anos de 1970.
Para alguns analistas, os prognósticos ainda não estão completamente claros. “A posição do BofA talvez seja um pouco precipitada em função dos dados recentes”, diz Lívio Ribeiro, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do FGV IBRE. Os analistas Felipe Arrais, especialista em investimentos globais da Spiti, e Rodrigo Lima, analista de Investimentos da Stake, também dizem ser muito cedo para afirmar um cenário de recessão no país, mas não descartam a possibilidade.
Segundo Lima, os riscos de uma recessão estão amparados no alerta de analistas que têm observado o comportamento das curvas de juros nos EUA, cuja inclinação vem aumentando recentemente devido às sinalizações do Fed de que o processo de tapering, isso é, da redução de recompra de ativos, possa começar mais cedo do que o previsto, retirando liquidez da economia global. “Um aumento das taxas de juros nos EUA pressiona o preço de todos os ativos de risco a nível global”, diz.
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No entanto, a apreensão sobre a retirada de estímulos foi acalmada na sexta-feira (27) no discurso do Jerome Powell, chefe do Fed, durante o simpósio de Jackson Hole, que sinalizou a postergação do cronograma de redução dos estímulos e minimizou a chance de elevação na taxa de juros. Após a fala de Powell, as bolsas de Nova York encerraram em alta, renovando máximas recordes pelo quarto dia consecutivo. O índice Dow Jones subiu 0,69%, a 35.456 pontos, enquanto o S&P 500 ganhou 0,880761%, a 4.509 pontos. O índice de tecnologia Nasdaq avançou 1,23%, a 15.130 pontos.
Powell não indicou quando o banco central planeja começar a cortar os estímulos, porém, disse que a medida pode acontecer ainda neste ano. Segundo analistas, é preciso ficar de olho no relatório de empregos de agosto, que será divulgado na sexta-feira (3) para tentar antever os próximos passos do banco central americano. “Se os EUA realmente bater a meta de emprego, o Fed pode antecipar o cronograma de retirada de estímulos e começar a subir a taxa de juros”, avalia Arrais.
Na previsão dos economistas norte-americanos Joseph Song, do Bank of America (BofA), e do estrategista da TD Securities, Jim O ‘Sullivan, o relatório de empregos de agosto pode decepcionar. Eles alegam que a variante Delta tem dificultado as contratações. Eles preveem um aumento na folha de pagamento de 400 mil a 600 mil em agosto, ainda assim os números são abaixo das previsões e do consenso atual de 750 mil e bem inferior ao resultado de julho, de 943 mil.
O Relatório Nacional de Emprego da ADP, elaborado em conjunto com a Moody’s Analytics, divulgado nesta quarta-feira (1º), veio abaixo das expectativas. No mês de agosto, foram criadas 374 mil empregos no setor privado, mas as projeções dos analistas eram de 613 mil postos de trabalho. A pesquisa da ADP é considerada uma prévia do relatório de emprego dos Estados Unidos, denominado de “payroll”, que abrange também a criação de empregos no setor público.
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Na avaliação de Lima, os números do mercado laboral também devem ditar o rumo da economia americana. “Caso a retomada não ocorra, entraríamos em um cenário de estagflação, uma vez que a inflação já vem dado fortes sinais de alta nos EUA, enquanto alguns dados econômicos importantes como vendas ao varejo têm vindo aquém do esperado”, diz.
Como isso impacta os ativos brasileiros
De acordo com Lima, especialista da Stake, por se tratar da maior economia e da maior bolsa de valores do mundo, uma eventual recessão americana certamente repercutiria em todas as economias do planeta, com investidores institucionais penalizando principalmente os mercados de alto risco, como costumam ser os mercados emergentes como o Brasil, em um tradicional flight to quality.
“Neste cenário, os cíclicos domésticos como os setores de varejo, bens duráveis e construção civil devem estar entre os mais prejudicados, com investidores fugindo para setores de receita mais previsíveis, como o de utilities. Mineradoras e petroleiras também podem sofrer, já que estes materiais não encontram grande demanda em um cenário de recessão econômica”, diz.
Para Arrais, da Spit, isso poderia afetar a carteira de renda variável dos investidores. “Os EUA devem ter posição de maior representativa dentro de uma carteira de investimentos, então estamos falando de uma recessão que atinge o coração da carteira”, afirma.