- A baixa mais acentuada na última semana foi causada principalmente pela inadimplência no Certificado de Recebimento Imobiliário (CRI) da Feira da Madrugada, o Circuito de Compras na cidade de São Paulo
- Os rendimentos dos fundos imobiliários de CRI ficaram abaixo do esperado em fevereiro, o que também influenciou para a desvalorização das cotas
- A inadimplência do CRI trouxe consigo outro fator que contribuiu com a desvalorização, que foi o sinal de alerta dos investidores sobre as garantias das operações ligadas ao CRI
- O momento dá luz para características importantes a serem observadas nos fundos imobiliários, como a análise da carteira e a certificação de parâmetros saudáveis para investimentos. O mais indicado é permanecer no fundo desde que a qualidade de crédito seja aceitável
Os fundos imobiliários (FIIs) acumulam desvalorização de 3% em 2023. As maiores baixas estão concentradas entre os fundos de recebíveis, também conhecidos como fundos de papel.
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Entre os dias 6 a 10 de março, os ativos HCTR, DEVA e VSLH registraram quedas de 16,06%, 14,77% e 11,20%, respectivamente. O desempenho pode refletir um cenário de crédito precarizado, que atinge de forma mais dura os ativos de carteiras expostas a maiores riscos. Apesar de perspectivas de melhoras, o período é visto como uma espécie de peneira para identificar a solidez dos fundos.
A baixa mais acentuada na última semana foi causada principalmente pela inadimplência no Certificado de Recebimento Imobiliário (CRI) da Feira da Madrugada, principal polo do Circuito de Compras na região do Brás, centro da cidade de São Paulo. “É um CRI presente em vários fundos e isso gerou uma bola de neve para fundos de papel”, explica Gabriel Barbosa, especialista em fundos imobiliários e membro do Comitê de Gestão do Trix Investimentos Imobiliários. O pagamento foi feito dois dias depois e a inadimplência, até aqui, foi entendida como pontual.
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Os CRIs são títulos de crédito lastreados em recebíveis imobiliários, como aluguéis, vendas de imóveis ou cotas de condomínio. Os FIIs de CRIs compram esses títulos e recebem os pagamentos dos recebíveis, proporcionando aos cotistas do fundo uma distribuição de um montante mensal, sendo considerado por muitos analistas uma espécie de “renda fixa”, ainda que conte com grandes oscilações. A performance dessa e das demais categorias de FIIs são acompanhadas pelo Índice de Fundos de Investimentos Imobiliários (Ifix), da B3.
Mas os motivos para a baixa vão além da inadimplência do CRI na última semana, solucionada em dois dias. Os rendimentos dos fundos imobiliários de CRI ficaram abaixo do esperado em fevereiro, o que também influenciou para a desvalorização das cotas. Esse rendimento menor teria se dado tanto por fatores de sazonalidade, com histórico de menores retornos para o mês, como pela precarização do acesso ao crédito para ativos dessas carteiras, situação que tem se acentuado.
Garantias
A inadimplência do CRI, ainda que de curta duração, trouxe consigo outro fator que contribuiu com a desvalorização, conforme observa Barbosa. O evento teria ligado o sinal de alerta dos investidores sobre as garantias das operações ligadas ao CRI, com diagnóstico feito por cotistas de que as regras atuais poderiam deixá-los desprotegidos caso o pagamento de fato não fosse feito.
Os FIIs oferecem diferentes tipos de garantias. Os de CRI normalmente fazem isso por meio dos próprios imóveis dos quais os fundos tiram sua renda. A análise dessas garantias, contudo, precisa ser feita de forma criteriosa pelo investidor, já que, por exemplo, o fundo pode dividir com outros imóveis da carteira, dificultando acordos para a venda, se necessária.
As garantias oferecidas pelos FIIs, em teoria, teriam condições de frear o grande fluxo de compras e vendas em momentos de tensão, como o anúncio de inadimplência na última semana ou a sinalização de que varejistas estariam deixando de pagar alugueis de imóveis que constam nas carteiras de fundos.
Para Barbosa, esse freio ainda não tem grande efetividade pela falta de experiência dos investidores de fundos imobiliários. Das atuais 2,1 milhões de pessoas físicas que investem nesse tipo de fundo 1,8 milhão começaram a partir de 2019, de acordo com dados da B3. “São investidores que ainda não viveram um período de crise investindo em FIIs, como o que estamos vivendo atualmente. Isso potencializa o efeito negativo de eventos como o que aconteceu na semana passada”, afirma.
Aprendizados
O analista Renato Chanes, da Ágora Investimentos, diz que o momento dá luz para características importantes a serem observadas nos fundos imobiliários. Após um período de retornos robustos, o cenário atual de crédito deteriorado tem mudado o quadro, cobrando um preço maior para fundos com carteiras expostas a maiores riscos. Empresas endividadas são afetadas duplamente, com queda nas vendas e comprometimento do caixa para pagamento aos bancos, exemplifica Chanes.
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A separação entre os perfis dos fundos é destacada também pelo analista Caio Nabuco de Araújo, da Empiricus Research. Ele diz que é necessário analisar o que tem ocorrido nos fundos high yield (maior risco e retorno) e high grade (menor risco e retorno). Conforme aponta, as maiores perdas observadas estão nos fundos high yield, que historicamente apresentam maior volatilidade.
“Os investidores estão em busca de dividendos mais elevados e muitas vezes não têm orientação correta sobre o risco do papel e nesse sentido há um fluxo exagerado de compras e vendas”, avalia Araújo. O analista, então, faz a distinção com a performance dos high grade: “O risco é menor, com garantias reais mais significativas, ou uma contraparte com empresa com saúde financeira melhor”.
O que o investidor deve fazer neste momento?
Apesar de considerar uma questão complicada a ser respondida, Chanes, da Ágora, indica permanecer no fundo desde que o investidor faça a análise da carteira e se certifique dos parâmetros saudáveis. “A sugestão seria não sair desde que tenha uma qualidade de crédito aceitável”, resume, ao defender a análise da carteira.
A expectativa pelo anúncio do novo arcabouço fiscal é um grande fator para guiar a decisão sobre permanecer, pelo menos por enquanto, no fundo. “O arcabouço vai servir para descomprimir os prêmios de risco. Antes de qualquer anúncio, não faz sentido sair. Você vai realizar um prejuízo que pode pelo menos amortizar lá na frente”, diz.
Já sobre a compra de fundos de papel, Chanes afirma que no momento só faz sentido pensando no curto prazo. Como a deterioração de crédito atinge a todos, mesmos os melhores fundos estão precificados para baixo. Isso pode representar bom retorno nos próximos meses após a divulgação do novo arcabouço.
Ainda no curto prazo, para os fundos com carteiras indexadas ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), aumentam as perspectivas de rentabilidade, já que o índice tem apresentado resultados acima do esperado. “Mas o valor patrimonial da cota pode seguir pressionado, visto que os juros futuros seguem esticados com as incertezas com o risco fiscal brasileiro, a guerra na Ucrânia, a inflação global acelerada e as altas taxas de juros norte-americanas”, observa Gabriel Barbosa, do Trix.
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No médio e no longo prazos, porém, os retornos podem tomar a tendência inversa, conforme avalia Chanes. “O dividendo dessa indústria vai ser menor. A normalidade não é IPCA + 8%, é IPCA + 4%”, diz, sobre um ajuste que deve vir acompanhado de uma melhora de outros indicadores da economia.