- O trimestre desafiador para os multimercados vem após um período de grande sucesso. Em 2020, a classe atingiu a maior captação anual em quase duas décadas, de R$ 103,9 bilhões
- A debandada da categoria no trimestre foi a maior dentre as demais classes de fundos. Para efeito de comparação, os fundos de ações ‘perderam’ R$ 30 bilhões no período
- A inversão de cenário reflete as mudanças abruptas na direção da taxa de juros nos últimos dois anos
Os fundos multimercados estão sofrendo resgates em massa em 2022. Somente no primeiro trimestre, a classe encara uma fuga de capital na ordem de R$ 42 bilhões, de acordo com os dados mais atualizados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
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No mês de janeiro, as aplicações registraram uma retirada líquida recorde de R$ 19 bilhões, o maior saque mensal em pelo menos seis anos. Em fevereiro, R$ 17,1 bilhões voaram para fora dos multimercados. O cenário melhorou em março, mas ainda assim pelo menos R$ 7,1 bilhões escorreram pelas mãos dos gestores até a terça-feira (29), último dado disponível.
A debandada da categoria no trimestre foi a maior dentre as demais classes de fundos. Para efeito de comparação, os fundos de ações ‘perderam’ R$ 30 bilhões no período. Na sequência, os de previdência e de ETFs (Exchange Traded Funds, na sigla em inglês) apresentaram retiradas de R$ 2,8 bilhões e R$ 1,6 bilhão, respectivamente.
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Na ponta positiva, aparecem os cambiais, com captação de R$ 1,3 bilhão, e os de renda fixa, com uma forte captação líquida de R$ 133 bilhões. Estes últimos, mais conservadores, foram os principais responsáveis por jogar para o campo positivo a captação geral da indústria no trimestre. No total, foram absorvidos R$ 57,6 bilhões pelo setor.
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O trimestre desafiador para os multimercados vem após um período de grande sucesso. Em 2020, a classe atingiu a maior captação anual em quase duas décadas, de R$ 103,9 bilhões. O movimento positivo continuou em 2021, quando R$ 66 bilhões fluíram para os produtos multimercados. Agora, a maré foi bruscamente interrompida.
Juros altos e aversão a risco
A inversão de cenário reflete as mudanças abruptas na direção da taxa de juros nos últimos dois anos. Em 5 de fevereiro de 2020, a Selic estava em 4,5%. Com a chegada da pandemia e a desaceleração da economia, o Banco Central foi cortando a taxa até chegar aos 2% em 6 de agosto daquele ano, a mínima histórica.
Na época, a renda fixa perdia para a inflação, o que direcionava os investidores para a Bolsa, fundos de ações e para os multimercados. “O brasileiro tem um perfil razoavelmente conservador, mas quando se chega em um limite em que a renda fixa perde para a inflação, significa que na prática você está perdendo dinheiro. E por mais conservador que você seja, ninguém quer ter certeza que vai perder dinheiro”, afirma Filipe Ferreira, diretor do Comdinheiro.
O patamar mínimo da taxa foi mantido até o dia 17 de março de 2021, quando o aperto monetário foi iniciado para conter a inflação crescente. Pouco mais de um ano depois, os juros já estão em 11,75%. A trajetória em ‘V’ da Selic influenciou novamente o comportamento do investidor. Desta vez, há uma ‘volta’ para a renda fixa.
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“Hoje nós voltamos a um patamar de juros interessante em termos reais, que consegue compensar a inflação estimada e pagar um prêmio razoável acima dela. Neste cenário, o brasileiro começa a olhar renda fixa de novo, seja via CDBs, seja via alocação em fundos de renda fixa”, afirma Ferreira. “E o investidor acaba sacando dinheiro de outras fontes de risco, dentre elas fundos multimercados e de ações”, comenta.
Essa também é a visão de Ariane Benedito, economista da CM Capital. “O cenário macroeconômico de alta da inflação e consequentemente ajustes da taxa de juros para controle de preços torna o mercado de renda fixa mais atrativo para o investidor, o que explica a retirada de capital dos fundos multimercados em 2022 e a alocações em posições mais defensivas”, diz.
Aquiles Mosca, responsável por comercial, marketing & digital no BNP Paribas Asset Management, vê também o aumento da aversão a risco, fazendo com que os investidores se refugiem na renda fixa. A guerra entre Rússia e Ucrânia, por exemplo, espalhou incertezas pelos mercados. “Incertezas ainda que menores, mas associadas à pandemia, também aumentam a aversão a risco. O aumento das taxas de juros nos EUA também causa uma aversão e fuga para ativos conservadores. Além disso, a apreciação do real frente o dólar também impulsiona resgates de fundos de investimento no exterior, atrelados à moeda estrangeira”, explica.
É realmente hora de sair?
Fora os juros altos, que impulsionam a migração para a renda fixa, a rentabilidade das aplicações relacionadas ao risco também assusta os investidores. Eliminando as aplicações específicas (fundos mono-ações, setoriais, indexados ou de FGTS), todos os tipos de fundos de ações apresentam queda em 12 meses (de fevereiro de 2021 a fevereiro de 2022).
Na mediana, essas aplicações caem no período 5,52%. A única sub-classe de fundos de ações que está positiva é a de estratégia relacionada a dividendos, que faz alocações em empresas consolidadas, menos expostas aos solavancos da economia. Por outro lado, os fundos multimercados estão com um retorno médio de 7% em 12 meses, apesar de amargarem a maior fuga de capital.
Para entender essa conjuntura é preciso primeiro verificar o peso de cada classe de fundos em relação ao total da indústria. As aplicações de ações têm patrimônio líquido (PL) combinado de R$ 569,7 milhões, ou seja, 8,03% do total da indústria de fundos.
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Já os produtos multimercados somam mais de R$ 1,5 bilhão em PL – 21,9% da indústria. Essa classe só perde para a renda fixa, cujo valor combinado é de R$ 2,7 bilhões, cerca de 38,42% do total.
“Basicamente os fundos multimercados têm o triplo do volume do patrimônio dos fundos de ações. Se os multimercados têm o triplo do patrimônio e apenas o dobro de resgates, então em termos proporcionais, os fundos de ações estão sendo mais sacados”, afirma Ferrari. “O brasileiro estando em um período de ações em queda e vislumbrando retornos mais robustos em renda fixa, vai alocando mais em renda fixa.”
Entretanto, migrar o capital de uma classe para outra buscando maior rentabilidade nem sempre é a atitude recomendada. Pelo contrário. “O que muitas vezes acontece é que pelo desempenho do mercado de risco nos últimos meses recentes, o investidor fica com medo e saca os seus recursos, isso é um excelente caminho para você ter uma péssima carteira de investimentos”, afirma Ferrari.
O investidor que sempre saca dinheiro do produto que performa mal acaba realizando prejuízos, que poderiam ser revertidos no longo prazo, caso o capital fosse mantido. Na visão de Ferrari, essa conduta equivale a investir olhando no ‘retrovisor’ ao invés de para frente.
O momento certo de sair de um fundo seria quando as perspectivas para o produto estão ruins, não pela aplicação ter ido mal nos meses anteriores. “Se olhando para frente o investidor entende que o mercado de ações não irá performar bem para compensar o risco, quando comparado ao mercado de renda fixa, aí é o momento de fazer essa troca de posições. Agora, se esse saque acontece porque nos últimos tempos os fundos de ações e multimercados estão indo mal, ele estará sempre migrando para o pior investimento”, diz o especialista.
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Mosca também ressalta que um investidor mais disciplinado não deveria deixar um fundo, a não ser que tenha ocorrido alguma mudança de horizonte de investimento, objetivos ou perfil de risco. “Pode sair até mesmo para mudar de gestão, caso tenha percebido que aquela gestão não tem consistência de resultados, mas não simplesmente abandonar a categoria de investimentos, abandonar os fundos de ações ou multimercados”, orienta.
O cenário complexo no curto prazo não apaga a trajetória das aplicações no longo prazo. Apesar dos saques nos últimos meses, o patrimônio líquido dos fundos de ações e multimercados cresceu, respectivamente, 150% e 84% desde 2017.