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‘Perspectiva é que se restaure o juro real positivo do País’, diz economista

Marcelo Fonseca, economista do Opportunity, explica perspectivas para a Selic e impacto nos investimentos

‘Perspectiva é que se restaure o juro real positivo do País’, diz economista
Marcelo Fonseca, economista do Opportunity. Foto: Divulgação
  • Para o especialista, apesar de a renda fixa caminhar para retornos reais positivos, migração de investidores para a renda variável não deve arrefecer
  • Real também teria espaço para se valorizar frente ao dólar no curto prazo, com normalização dos juros

O Comitê de Política Monetária (Copom) realizou mais um aumento de 0,75 ponto percentual para a Selic, que agora alcança o patamar de 4,25%. A decisão anunciada nesta quarta-feira (16) veio em linha com as expectativas de mercado. O órgão também retirou a sinalização de ‘normalização parcial’ dos juros, ou seja, de manter a taxa abaixo do nível neutro ou de equilíbrio.

“Neste momento, o cenário básico do Copom indica ser apropriada a normalização da taxa de juros para patamar considerado neutro. Esse ajuste é necessário para mitigar a disseminação dos atuais choques temporários sobre a inflação. O Comitê enfatiza, novamente, que não há compromisso com essa posição e que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar o cumprimento da meta de inflação”, afirma o Copom, na ata.

Marcelo Fonseca, economista-chefe do Opportunity Total, fundo multimercado do Opportunity, explica que essa mudança de postura é necessária e amplamente esperada pelos especialistas. “Existem várias razões que justificam uma atuação mais dura do Banco Central (BC). A primeira e mais importante é o fato de que a inflação, desde o início do aperto lá em março, vem se mostrando um processo mais sério e complicado do que o Banco Central imaginava”, explica. “Eu já imaginava, quando se iniciou o ciclo com a ideia de normalização parcial, que estaríamos aqui, depois de três meses do início (do aperto monetário), com a inflação ainda acelerando.”

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Com o movimento de alta dos juros, a renda fixa deve voltar a ter retornos acima da inflação, depois de quase dois anos de rentabilidade real inexpressiva. Entretanto, segundo Fonseca, o movimento de migração de investidores para a renda variável é estrutural e deve continuar forte.

Leia a entrevista completa:

E-Investidor – O Comitê de Política Monetária (Copom) subiu a Selic em 0,75 ponto percentual, para 4,25%, e retirou a questão da ‘normalização parcial’ dos juros. Como o senhor vê essa sinalização?

Fonseca – Normalização parcial não é suficiente e existem várias razões que justificam uma atuação mais dura do BC. A primeira e mais importante é o fato de que a inflação, desde o início do aperto lá em março, vem se mostrando um processo mais sério e complicado do que o Banco Central imaginava. Não só vem superando as expectativas da própria autoridade monetária e do mercado mas também em aspectos qualitativos, ligados à natureza do processo.

Eu já imaginava, quando se iniciou o ciclo (de alta da Selic) com a ideia de normalização parcial que estaríamos aqui, depois de três meses do início (do aperto monetário), com a inflação ainda acelerando, as expectativas desancorando e uma economia mais forte. A atitude sancionou o consenso do mercado, que é aumentar 0,75 ponto percentual nesta e na próxima reunião, tirando o componente de normalização parcial.

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E-Investidor – E como o aumento da Selic afeta os investimentos? A Bolsa é impactada?

Fonseca – A Bolsa é uma classe de ativos que tem uma natureza mais de longo prazo. Ela seria mais impactada apenas se nós estivéssemos falando de um cavalo de pau muito forte, algo muito surpreendente do ponto de vista da política monetária, que alterasse de forma substancial o ponto de vista das pessoas sobre o que será a taxa de juros no final do processo.

Mas isso não vai acontecer, não seremos surpreendidos de maneira relevante sobre o tamanho desse ajuste monetário. A Bolsa continuará sendo determinada pelos fatores que têm se mostrado mais relevantes. Na parte das companhias exportadoras, ligados ao ciclo de commodities, estas continuarão respondendo ao ambiente externo favorável.

Existe também um grupo de empresas domésticas muito sensíveis ao ciclo de reabertura, emprego, renda, movimentação, como as companhias de locação de veículos, concessionárias rodoviárias, empresas de varejo físico, shoppings e etc. Estas também continuarão se beneficiando de um cenário que no nosso entendimento é de melhora consistente, já que é muito difícil que se repitam episódios de fechamento da economia como no ano passado. A vacinação está avançando e deve se acelerar bastante nos próximos meses, com uma enxurrada de doses chegando de diversas fontes.

E resta um último grupo de empresas mais sensíveis às taxas de juros, como concessionárias de energia elétrica, empresas que são alavancadas. Nesse caso elas tenderiam a sentir um pouco mais esse ambiente de Selic mais alta, mas é importante ter em mente que esse cenário de expectativa de juros mais altos vem se construindo já há algumas semanas. O efeito sobre as empresas já se materializou.

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E-Investidor – Mas a renda variável pode perder atratividade nesse ciclo de alta dos juros?

Fonseca – Esse fenômeno de procura por retorno (migração de investidores da renda fixa para a variável) foi muito importante e aconteceu não só na Bolsa, mas em diversos outro produtos e classes de ativos, mesmo ativos não líquidos. Sem dúvida que, na margem, tira um pouco desse ímpeto. Mas  estamos falando de um ciclo monetário que irá retornar a Selic para a casa de 6%, que historicamente é muito baixo.

A tendência estrutural de migração das carteiras para a renda variável, turbinada pela Selic ultra baixa que tivemos nos últimos meses, mas que não é recente, deve continuar. A alocação do mercado acionário do investidor pessoa física, institucional e etc, na renda variável, ainda está proporcionalmente muito baixa na comparação com grande parte dos países que tem um mercado sofisticado e desenvolvido.

Não imagino que a normalização, tornar a Selic de volta a um valor que garanta equilíbrio, afetaria essa tendência. O perfil de composição das carteiras no Brasil vai mudar, uma vez que era excessivamente concentrado na renda fixa porque a Selic era muito alta. Estamos falando de décadas de juros de dois dígitos, juros reais altíssimos. Isso não vai voltar.

E-Investidor – E como fica a renda fixa? Voltaremos a ter retornos positivos?

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Fonseca – A renda fixa passou os últimos dois anos com retornos muito negativos, tanto nominais quanto reais. A perspectiva, olhando para frente, é que ela volte a trazer retornos positivos. Não vai ser um retorno real comparável ao que era no passado, aquele mundo felizmente acabou, pelo bem da saúde da economia. Vamos para uma taxa de juros real positiva, mas baixa.

Teremos uma Selic final de 6,5%, uma meta de inflação próxima de 3%, um juro real pouco acima de 3%. Nada comparado ao que tivemos no passado, mas a perspectiva é que se restaure o juro real positivo do País.

E-Investidor – Quais títulos se tornam mais interessantes nesse processo de normalização dos juros?

Fonseca – Nós achamos interessante esse miolo da curva de juros, que vai ali do (título) 2024 até o 2026, que oferece retornos nominais e reais bastante significativos. Acreditamos que no curto prazo, as NTN-Bs (títulos vinculados à inflação medida pelo IPCA) são bastante interessantes, não só pelo retorno real, mas porque ajudam a proteger o investidor da aceleração da inflação que identificamos para os próximos dois ou três meses.

Os vencimentos mais longos são bastante atrativos também, se você olhar a NTN-B 2050, por exemplo. Mas nesse caso o investidor deve ponderar fatores importantes, como as incertezas de longo prazo a respeito da política fiscal. E nesse ponto, o cenário é mais nebuloso. Nós teremos uma eleição conturbada em 2022, em não irá ficar claro tão cedo quais serão as diretrizes de política econômica e fiscal dos principais candidatos. Então acredito que devemos ser mais cautelosos na alocação nesses títulos de longo prazo.

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E-Investidor – E quais as expectativas para o câmbio com a alta da Selic? Devemos ver o dólar chegar a R$ 4,50?

Fonseca – Um ativo que depende muito das taxas de juros é a taxa de câmbio. Acredito que o fato de a taxa de câmbio ter se apreciado bastante nesse período entre as reuniões do Copom já seja um sinal de que o mercado entende que o processo de ajuste será mais longo e irá ajudar a restaurar o tal do carrego, que é o diferencial de juros domésticos em relação ao juro internacional.

E isso vem ajudando o real a desempenhar de maneira positiva e imaginamos que isso deve continuar no curto prazo.  Dentro do que é possível vislumbrar, dados os fatores que normalmente são determinantes, entendemos que algo em torno de R$ 4,80, não muito abaixo disso, seria um território razoável para o câmbio se equilibrar.

E-Investidor – O senhor comentou que o processo inflacionário está sendo mais complicado que o imaginado. Quais são as principais pressões inflacionárias?

Fonseca – Os fatores principais dessa aceleração da inflação estão bastante ligados ao contexto global de reflação [inflação relacionada à retomada econômica], ou seja, essa alta generalizada de preços de ativos, bens industriais e matérias primas. Mas no caso do Brasil, esse choque externo foi amplificado por dois fatores: contrariando o que geralmente acontece em países que percebem um aumento do preço dos produtos exportados, a taxa de câmbio não se moveu no sentido de apreciação (valorização do real), o que funcionaria como um colchão para o aumento de preços.

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Em outros países exportadores de commodities, não só em mercados desenvolvidos, como em mercados emergentes (México, Chile e África do Sul, por exemplo), a moeda se apreciou e contrapôs o choque inflacionário. No Brasil ,nós acabamos importando e amplificando esse choque, porque até recentemente a moeda tinha depreciado de maneira substancial.

E-Investidor – E por que o real não seguiu essa tendência de apreciação e chegou a ser uma das moedas que mais se desvalorizou em 2021?

Fonseca – Passamos vários meses com incertezas muito grandes sobre a sobrevivência do regime fiscal, com discussões sobre manutenção da regra do teto de gastos, polêmicas em torno do orçamento. Tudo isso contribuiu para manter o prêmio de risco dos ativos brasileiros, em particular do preço da moeda, em níveis bastante elevados.

E o Brasil se dispôs de instrumentos bastante agressivos de respostas à crise do coronavírus, tanto no campo monetário, quanto fiscal. Então as taxas de juros foram para as mínimas históricas, o BC estendeu grandes linhas de crédito ao setor privado, o que ajudou a manter as empresas em sobrevida durante o choque da pandemia, e do lado fiscal vimos todo esse programa de expansão de gastos assistenciais, certamente um dos maiores do mundo.

A medida que o BC corrobora e entrega as altas de juros e reafirma o compromisso com o ambiente de inflação estável, esse prêmio tende a ser reduzido e a curva de juros deve voltar a cair em um futuro próximo.

E-Investidor – A inflação irá romper o teto da meta este ano? Existe algum risco de descontrole inflacionário?

Fonseca – O teto desse ano para a inflação será rompido. Se você pegar o tamanho da surpresa da inflação nesse início de ano, é muito difícil que o nível caia nos próximos meses de forma a impedir que o teto de 5,25% seja rompido. Já estamos prevendo a inflação para o final de 2021 em torno de 6%.

O importante é que o Banco Central atue para impedir que esse resultado se repita nos anos seguintes. E o BC sempre foi muito zeloso com a inflação, já estamos vendo a autoridade se movendo para impedir a repetição desse resultado. É por isso que achamos que ele irá entregar um ciclo de alta de juros que seja maior que o imaginado.

Desse ponto de vista, não vejo um risco de descontrole inflacionário. O que existe é uma situação que exige uma resposta mais dura do Banco Central e, caso ele não respondesse, aí sim teríamos uma alta contínua da inflação. Mas não é o ambiente e a natureza do BC, ainda mais agora, que o órgão atua, oficialmente, de forma independente.

E-Investidor – Recentemente o ministro Paulo Guedes falou sobre uma possível prorrogação do auxílio emergencial e isso ficou no radar dos investidores. É realmente um risco do ponto de vista fiscal?

Fonseca – A prorrogação do auxílio, se vier nesse formato que o Paulo Guedes sinalizou, ou seja, o mesmo orçamento por mais três meses, acho que é facilmente digerível pelo mercado. Até porque as surpresas fiscais de curto prazo foram muito grandes e positivas, muito além do que esse orçamento adicional do auxílio representaria.

O que acho que o mercado irá jogar mais luz é a discussão do novo Bolsa Família, porque esse sim representaria um problema permanente. Mas as questões fiscais se acalmaram de maneira muito importante nas últimas semanas, não identificamos nenhum fator de mais tensão em um futuro próximo.

Acho que até os primeiros sinais de um novo programa social, substituto do Bolsa Família, apontam para um desenho do programa que é aparentemente compatível com a capacidade fiscal. O Federal Reserve também deve continuar administrando de maneira cautelosa a política monetária dos EUA. Não vemos nenhuma sinalização de mudança importante no curtíssimo prazo. Tudo isso significa uma janela favorável para, inclusive, o real continuar se apreciando.

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