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- Oferta contempla 49.166.000 ações preferenciais e faixa indicativa de preços foi definida entre R$ 10,65 e R$ 14,95. Do volume captado, 60% será usado para pagar dividendos e apenas 28% será investido no crescimento da empresa
- Segmento tem muito espaço para crescer e a Track & Field é a única marca nacional com grande penetração no mercado
- Por outro lado, a empresa enfrenta a concorrência de marcas internacionais e o e-commerce ainda responde por parte pequena das vendas
A varejista de moda e artigos esportivos Track & Field (TFCO4) vem engrossar o rol das empresas que escolheram o ano de 2020 para abrir capital. O período de reservas termina hoje (21), o preço da ação será fixado na quinta (22) e as negociações na Bolsa começam a partir da próxima segunda-feira (26).
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Fundada em 1988 por três sócios que continuam no controle da companhia, a Track & Field hoje tem presença em 24 estados brasileiros, com 234 pontos de venda, entre lojas próprias e franquias. A expansão do negócio teve como marcos importantes o início da operação do comércio eletrônico, em 2009, e a adoção do modelo de franquias, em 2011, que fez o número de pontos de venda quintuplicar.
A oferta inicial contempla 49.166.000 ações preferenciais, das quais 40% serão disponibilizadas em oferta primária (cujo montante vai para o caixa da empresa) e o restante, em oferta secundária. A faixa indicativa de preços para as ações foi definida entre R$ 10,65 e R$ 14,95.
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Leia também: O que causou ‘onda’ de IPOs cancelados na Bolsa em 2020
O case da Track & Field tem potencialidades e limitações e, por isso, divide opiniões. Duas casas de análise tiveram conclusões opostas sobre o IPO. Enquanto a Suno Research considera que a oferta inicial de ações pode valer a pena, a Eleven Financial não a recomenda aos clientes.
Segmento é promissor
Ainda que as atividades físicas possam ter sido colocadas em segundo plano após o início da pandemia, o mercado fitness vive um momento promissor. A preocupação em levar uma vida mais saudável, que inclui boa alimentação e prática de esportes, continua na ordem do dia.
Não por acaso, esse mercado tem crescido de forma consistente tanto a nível mundial (a uma taxa de 8,7% ao ano, de acordo com dados da International Health, Racquet & Sportsclub Association) como no Brasil (20% de crescimento entre 2011 e 2016, de acordo com o Sebrae).
No mercado brasileiro, o varejo de vestuário esportivo é bastante pulverizado: os três maiores players respondem por menos de 40% do mercado. Quarta colocada, a Track & Field tem participação de apenas 3%, atrás de gigantes internacionais como Nike e Adidas, mas, por outro lado, é a única marca nacional com grande recall entre os consumidores – sua brand awareness (consciência de marca) é de 69%, de acordo com uma pesquisa divulgada pela empresa.
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“A empresa tem se esforçado para aumentar a aceitação da marca através de sua plataforma de wellness e de eventos esportivos como a Track&Field Run Series. Entretanto, nomes como Adidas e Nike também têm iniciativas semelhantes, que vão de comunidades on-line de corredores de rua a aplicativos de treinos e corridas”, pondera a Eleven Financial, em relatório.
Crescimento ainda engatinha no digital
A Suno Research destaca que a estratégia de crescimento por meio de franquias tem sido bem-sucedida graças a um relacionamento próximo com os franqueados. A empresa dá suporte em todas as etapas, desde a preparação da abertura da loja até a negociação do aluguel.
Leia também: 3 tendências de sucesso adotadas por franquias no Brasil durante a pandemia
“Durante a pandemia do coronavírus, com as dificuldades do setor de varejo por causa do fechamento do comércio, a T&F ajudou os franqueados, intermediando negociações com shopping centers e postergando necessidades de pagamentos”, escreveu a casa de análises.
A operação de e-commerce existe desde 2009 e deu um salto durante a pandemia. Mas ainda responde por uma parcela pequena das vendas: 4% no final de 2019 e 11% em junho de 2020. “Os recursos provenientes do IPO que serão investidos no fortalecimento da estratégia digital da empresa devem acelerar essa taxa de crescimento e aumentar a penetração do e-commerce“, prevê a Eleven.
Parcela pequena dos recursos do IPO será investida no crescimento da empresa
O IPO traz dois aspectos polêmicos. O primeiro é o uso da estratégia de supervoting stock. A oferta lista apenas ações preferenciais, e em número muito inferior ao das ações ordinárias (877.251.375), que permanecem com os fundadores da companhia. A ideia é permitir que o investidor interessado usufrua dos direitos econômicos das ações, mas sem diluir o controle dos acionistas atuais.
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Para a Eleven, isso promove uma indesejável assimetria de direitos entre os acionistas. “Os fundadores da companhia permanecerão com controle da empresa e, desta forma, os minoritários terão pouco ou nenhum poder de decisão sobre a condução do negócio. Eventualmente, interesses próprios dos acionistas fundadores poderão se sobrepor aos dos demais acionistas”, aponta a casa de análises.
Outro ponto sensível é a destinação dos recursos a serem captados com o IPO. A empresa reverterá 60% do capital em dividendos para os acionistas. Outros 15% serão canalizados para o pagamento de dívida, e apenas 28% serão investidos em tecnologia e melhorias da plataforma digital.
“Isso é algo negativo, pois indica que, na prática, uma parcela bem menor do caixa auferido pela oferta primária será aplicado de fato na empresa”, comenta Tiago Reis, analista-chefe e CEO da Suno Research.
Os riscos envolvidos
Mesmo reconhecendo que o segmento de moda esportiva está em crescimento, as duas casas de análise ponderam que também há riscos no horizonte da Track & Field. Para começar, a extensão da pandemia de covid-19 é incerta e ainda impacta os negócios da companhia, sua condição financeira e seu fluxo de caixa – e isso pode se agravar se as lojas voltarem a ser fechadas.
Além disso, diz a Suno, existem os riscos inerentes ao negócio: as próximas coleções podem não cair no gosto dos consumidores e o crescimento da concorrência pode dificultar a estratégia de ampliar a rede de franqueados.
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Já a Eleven chama a atenção principalmente para a participação ainda tímida do e-commerce no faturamento da empresa e lembra que a realização de eventos esportivos presenciais, importantíssima para ajudar a fixar a marca junto ao público-alvo, continua suspensa e com futuro indefinido.
Suno Research: IPO vale a pena no preço mínimo
A análise da Suno partiu dos resultados da T&F em 2019, por considerar que os deste ano foram severamente afetados pela pandemia. Ela calculou que o múltiplo P/L (preço dividido pelo lucro), no ponto médio da faixa sugerida pelo IPO, é de 39 vezes o lucro líquido de 2019. “A T&F pretende vir ao mercado num múltiplo semelhante a empresas internacionais e consolidadas do setor, onde o reconhecimento de marca é bastante elevado. Vemos isso com certo receio”, afirma o relatório.
A casa considera que a empresa tem bom potencial de crescimento e elevada rentabilidade sobre o patrimônio, o que até justificaria os múltiplos elevados. Mas, para que o upside para o investidor seja interessante, a compra só faz sentido no piso da faixa indicativa, de R$ 10,65, patamar no qual recomenda a compra.
Tiago Reis, analista-chefe da Suno, reconhece que o mercado pode não aceitar a faixa de preço proposta pela empresa, o que poderia suscitar mais um IPO cancelado. Mas acha que, na faixa inferior de preço, a compra será um bom negócio, com potencial de upside. “Por mais que os múltiplos não sejam baixos, em termos projetados está abaixo da indústria. E estamos falando de uma empresa que tem gerado muito valor aos seus acionistas”, justifica.
Eleven Financial: IPO não vale a pena
A Eleven, por sua vez, projeta um crescimento de 15% nas vendas nos próximos três anos, a partir da retomada gradual dos negócios e da expansão da rede de franquias. E vislumbra que a margem líquida da empresa deve retornar aos patamares de 2019 a partir de 2021.
Ela destaca que o histórico de retorno sobre capital investido (ROIC) da empresa é 30% maior que o dos pares do setor, em função de seu modelo de negócios asset-light, que tem baixa necessidade de investimentos para manter ou acelerar sua taxa de crescimento. Por outro lado, pondera que a concorrência com marcas internacionais e a implantação da estratégia digital são desafios que não podem ser ignorados.
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Após chegar a um preço-alvo de R$ 14 por ação, a casa conclui pela recomendação de não participação na oferta, nem mesmo no piso de R$ 10,65. “O upside de 31% não é suficiente para justificar a entrada no IPO, considerando os aspectos de governança e o pouco uso dos recursos da oferta”, diz o relatório.