- Desde que o mercado tomou conhecimento do rombo bilionário nas contas da Americanas (AMER3), uma pergunta tem se destacado: a empresa vai falir?
- Segundo fontes ouvidas pelo E-Investidor, a recuperação judicial deve ser suficiente para evitar a falência da varejista
- Em caso de falência, ações da companhia seriam retiradas da bolsa e os investidores perderiam todo, ou o que sobrou do valor investido
Desde que o rombo bilionário nas contas da Americanas (AMER3) se tornou público, uma pergunta tem se destacado entre os vários questionamentos sobre o caso: a empresa vai falir?
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O cenário é complexo e envolve um caixa de R$ 800 milhões, dívidas de R$ 43 bilhões e ao menos 16,3 mil credores. Por mais que a conta pareça não fechar e as preocupações estejam aumentando enquanto o mercado aguarda a divulgação da lista de credores da varejista, a recuperação judicial tende a ser suficiente para manter a empresa de pé, explicam fontes ouvidas pelo E-Investidor.
A Americanas entrou com um pedido de recuperação judicial na Quarta Vara Empresarial do Rio de Janeiro no último dia 19, já aceito pela Justiça. Com a medida, a companhia teve suas obrigações suspensas por 180 dias, período em que não pode ter suas dívidas cobradas. Também passou a valer um prazo de 60 dias para que a varejista apresente o plano de recuperação judicial.
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“Neste documento constará a forma de reestruturação de sua operação e forma de pagamento dos credores, geralmente com deságio, carência e parcelamento”, diz Felipe Scavazzini, presidente da Comissão de RJ da OAB/RP e sócio da SSBM Advogados.
O plano precisa ser votado pelos credores da varejista em uma Assembleia Geral de Credores, em data e local determinados pelo juiz do caso. A lei prevê que a reunião seja convocada em até 150 dias após a apresentação do documento, mas, na prática, esse prazo costuma ser estendido à medida que a companhia tenta chegar em um ponto comum com os credores.
E é nessa negociação que moram os riscos de uma eventual falência para qualquer empresa que entre em recuperação judicial. Em um comunicado aos clientes divulgado na semana passada, a empresa afirma que não vai falir e que “a recuperação judicial é uma forma de empresas viáveis economicamente seguirem com suas operações, com seu caixa preservado e negociando soluções com seus credores”, diz a nota.
Há duas hipóteses para que o pior cenário se confirme. A primeira é de que o plano seja aprovado pelos credores, mas que as obrigações estabelecidas sejam descumpridas no período de 2 anos que dá sequência à recuperação judicial. A segunda, que os credores e a companhia não consigam chegar a um acordo e o plano não seja aprovado em caráter definitivo.
Filipe Denki, sócio do Lara Martins Advogados e diretor da Comissão de Recuperação de Empresas e Falência do Conselho Federal da OAB, acredita que, no caso da Americanas, haverá um esforço incomum de acionistas e controladores para levar o processo adiante e evitar a falência da varejista.
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“Essa é a quarta maior recuperação judicial do País e que poderá ficar marcada não apenas pelo valor do passivo, mas como uma das maiores fraudes do Brasil”, afirma.
Tiago Mackey, advogado e sócio no dcom Advogados, também não acredita que a Americanas feche as portas. O especialista traça um paralelo com o episódio da Oi, cuja recuperação judicial foi encerrada no final de 2022, depois de 6 anos.
“Quando a Oi entrou em recuperação judicial, ninguém acreditava que ela iria sair porque o quadro era extremamente complicado e que se assemelha muito ao da Americanas”, pontua. Na época, a representatividade da companhia em seu setor pesou para que houvesse um esforço para evitar a falência – um cenário que se repete agora com a varejista.
Mackey destaca ainda um outro fator que joga a favor da recuperação da companhia: o peso dos nomes de seus acionistas controladores, o trio de homens mais ricos do Brasil formado por Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. “A leitura que se tem é que é muito improvável chegar no caso de falência, porque isso traria um comprometimento reputacional muito grande para o trio, correndo o risco de gerar uma questão de credibilidade nas outras operações em que eles são os acionistas de referência, como Ambev, Kraft Heinz, Burger King”, diz.
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Nesta reportagem, mostramos que o escândalo nas contas da Americanas fez o mercado ficar com o pé atrás com a Ambev. Lemann, Telles e Sicupira se manifestaram no domingo (22) pela primeira vez desde que a crise estourou, dizendo que não tinham conhecimento do que chamaram de “manobras ou dissimulações contábeis” nos balanços da empresa.
O que aconteceria com o investidor?
O processo de recuperação judicial recém iniciado da Americanas foi a última “pá de cal” nas ações da companhia, que foram retiradas do Ibovespa e de outros 13 índices da B3 na última sexta-feira (20). Toda a história do rombo bilionário nas contas da varejista fez a AMER3 sair de R$ 12 para menos de R$ 1, a mais nova penny stock brasileira.
Mostramos aqui que, segundo analistas, nem mesmo com o baixo preço vale investir nesses papéis.
Quem tem esses papéis na carteira já está amargando prejuízos, mas o cenário negativo pode se estender ainda mais durante a recuperação judicial e no caso de uma eventual falência. Nessa situação, as ações seriam retiradas da bolsa e dos portfólios de investimento.
“No caso de falência, o investidor perde o investimento que realizou anteriormente”, diz Gustavo Cruz, estrategista da RB Investimentos. “Ele até poderia entrar na Justiça, se juntar com outros investidores, alegar que os executivos tiveram má-fé, mas a chance é baixa e o processo é lento.”
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Jansen Costa, sócio-fundador da Fatorial Investimentos, concorda: “Se uma empresa declarar falência, o acionista perde tudo e entra na massa falida, na qual ele é o último cara a receber. Mas não acho que a Americanas vá pedir falência”, afirma. Nesta reportagem, mostramos que alguns investidores minoritários já buscam formas de processar a Americanas por causa dos prejuízos sofridos e conseguir algum tipo de indenização.
Mackey, do dcom Advogados, explica que o procedimento de pedido de indenização independe de a Americanas estar em recuperação judicial ou em falência. “A grande diferença é que, estando em RJ, a empresa está operacional. Caso se reconheça o direito desses investidores serem indenizados, eles podem pedir o ressarcimento disso em relação à companhia, aos administradores, ao conselho fiscal e de administração, e eventualmente até à auditoria independente”, destaca. “No caso de falência, a chance de receber esse crédito contra a companhia é inexpressiva.”
Embora a falência não seja o cenário base dos especialistas, não seria uma novidade na bolsa de valores brasileira.
As ações de algumas companhias, como a MMX do ex-bilionário Eike Batista, a empresa do agronegócio Agrenco ou a rede de farmácias Brasil Pharma, foram deslistadas da B3 por este motivo. “Elas deixam de ser listadas em bolsa tornando-se ações de empresa de capital fechado, perdendo as vantagens de livre negociação em bolsa de valores”, diz Beto Saadia, economista e sócio da BRA BS.
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