- A probabilidade de que Jassy assuma o posto de Bezos aumentou quando o outro vice, Jeff Wilke (chefe da área de varejo da marca), pegou todo mundo de surpresa em agosto ao anunciar que pretende se afastar em 2021
- O afastamento de um CEO cuja personalidade tem um laço tão visceral com a empresa é perigoso. A Microsoft levou mais de uma década para ressurgir como líder tecnológica
- Uma pesquisa com 113 diretores e 18 profissionais de recrutamento e especialistas em remuneração profissional mostrou que Bezos será o CEO mais difícil de substituir entre todos os líderes das maiores corporações americanas
(Jay Greene/The Washington Post) – Poucos CEOs têm uma identificação tão umbilical com as empresas que comandam quanto Jeff Bezos.
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Mas até o fundador da Amazon, hoje com 56 anos e o homem mais rico do mundo, será um dia sucedido por alguém à frente da gigante do e-commerce. Tudo indica que o herdeiro despontou nas últimas semanas: Andy Jassy, 52, diretor da Amazon Web Services – ou AWS, o setor de computação em nuvem da companhia –, funcionário de alta patente que ocupa uma das exclusivas salas com vista no quartel-general da companhia.
A probabilidade de que Jassy assuma o posto de Bezos aumentou quando o outro vice, Jeff Wilke (chefe da área de varejo da marca), pegou todo mundo de surpresa em agosto ao anunciar que pretende se afastar em 2021, numa aposentadoria precoce. Aos 53 anos, Wilke dividia com Jassy os holofotes na hierarquia corporativa e o processo de preparação para subir ao mais alto degrau de empresa – conforme relatam executivos atuais e saídos da Amazon, que deram entrevistas sob a condição de permanecerem anônimos pois não têm autorização para falar sobre o tema.
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Para a maioria das pessoas, a Amazon é conhecida como uma gigantesca loja online onde se pode comprar livros, artigos para o lar e uma porção de outras coisas. A carreira de Jassy na casa, porém, é marcada por seu papel na entrada em um mercado totalmente novo: a computação em nuvem, hoje dominada pela Amazon com a mesma agressividade já conhecida no e-commerce. O fato de que Jassy tomou a dianteira na corrida pela sucessão é revelador, pois indica que a companhia continua valorizando apostas de alto risco e grande retorno – e que não está tão atrelada às compras digitais quanto se imagina.
“Andy personifica a cultura da Amazon”, diz Matt Mcllwain, diretor geral do Madrona Venture Group, empresa de capital de risco de Seattle que investe em startups de serviços na nuvem. “Ele já demonstrou repetidas vezes sua capacidade de construir coisas novas.”
Procurada, a Amazon preferiu não se pronunciar para esta reportagem.
Bezos não dá sinais de que pretenda se afastar da empresa, criada por ele há 26 anos. Aos poucos, entretanto, ele acrescenta atividades extracurriculares ao seu portfólio. Elas incluem financiamento de expedições espaciais, uma vida em comum com a nova namorada e ser dono do Washington Post.
Os desafios de Bezos
A pandemia, contudo, expôs os desafios que podem segurar Bezos por ainda mais tempo no comando da Amazon. No varejo, a empresa enfrentou atrasos em entregas e estoques insuficientes de alguns produtos, levando clientes a procurar concorrentes com fretes mais rápidos. Além disso, a segurança dos funcionários que trabalham nos depósitos da marca foi questionada: muitos demonstraram preocupação com medidas insuficientes para protegê-los de serem infectados pelo vírus.
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Até na área de computação em nuvem a Amazon se vê diante de uma rival de peso – a Microsoft, que fechou contratos importantes recentemente, incluindo um acordo bilionário com o Departamento de Defesa dos Estados Unidos (que, há alguns anos, sem dúvida teria ido parar nas mãos da Amazon).
Poucos fundadores foram capazes de transformar suas criaturas em potências mundiais e se manter no trono por tanto tempo. Isso significa que não existem muitos exemplos anteriores a serem seguidos na hora da transição – situação que cria um quebra-cabeças complicado em qualquer circunstância, de executivos lendários a jovens CEOs.
Bom exemplo disso é Bill Gates, vizinho de Bezos na região noroeste do Pacífico e também na conta bancária bilionária. Cofundador da Microsoft, Gates levou duas décadas para se apartar do negócio que criou. Em janeiro de 2000, aos 44 anos, passou o cargo de CEO para Steve Ballmer. Aos poucos, foi transferindo outras responsabilidades, até finalmente se afastar do último posto na empresa – o de diretor do conselho, que deixou em março deste ano.
Além disso, o afastamento de um CEO cuja personalidade tem um laço tão visceral com a empresa é perigoso. A Microsoft levou mais de uma década para ressurgir como líder tecnológica, forjando um novo caminho na computação em nuvem depois de anos como manda-chuva do mundo dos PCs, sob a batuta de Gates.
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“Para esses fundadores, que dedicam a vida inteira ao negócio, é difícil largar o osso e passar para o próximo”, explica David Larcker, professor de pós-graduação da Faculdade de Administração de Stanford, especializado em governança corporativa.
Há três anos, Larcker conduziu uma pesquisa com 113 diretores e 18 profissionais de recrutamento e especialistas em remuneração profissional. O trabalho mostrou que Bezos será o CEO mais difícil de substituir entre todos os líderes das maiores corporações americanas.
A Amazon atravessa uma fase de transição. Mais do que um site de e-commerce, ela viu um crescimento acelerado de espaços físicos, abrindo livrarias e lojas de conveniência sem caixa, com pagamento automático. Adquiriu também a varejista de produtos naturais e orgânicos Whole Foods.
A engrenagem de logística da Amazon é monstruosa, com dimensões equivalentes às de especialistas na área, como UPS e FedEx. A marca adentrou ainda uma série de espaços novos, como produção de cinema, séries de televisão e publicidade online. Um dos princípios de liderança da Amazon é “pensar grande” – e quem quer que venha a substituir Bezos terá diante de si a tarefa de encontrar o próximo negócio multibilionário para a marca abocanhar.
Quem é Andy Jassy
Jassy, o executivo candidato a suceder Bezos, passou a vida na Amazon. Ele começou na empresa em 1997 logo depois de se formar em Administração de Empresas em Harvard. Na época, a companhia tinha apenas algumas centenas de funcionários – hoje são 876 mil – e tinha acabado de abrir capital (atualmente, é avaliada em US$ 1,64 trilhão). Foi ele o responsável pelo primeiro empurrão da marca para fora do mundo dos livros, planejando acrescentar a venda de música às prateleiras do então jovem e-commerce. No início dos anos 2000, Jassy chegou a deixar Bezos na sombra como seu assessor técnico, uma espécie de chefe de gabinete.
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“Ele absorveu bastante a personalidade de Jeff”, conta um ex-executivo que preferiu não se identificar, para poder falar com franqueza sobre os antigos colegas. “É um cara mais das ideias criativas e menos do lado operacional.”
Criado em Westchester, ao norte da cidade de Nova York, Jassy é fanático por esportes e tem uma sala em sua casa de Seattle feita só para assistir jogos pela televisão. Ele é um dos sócios do Kraken, novo time de hóquei no gelo da cidade, que na temporada 2021-2022 vai entrar para a liga nacional.
Jassy, porém, não é um profundo conhecedor das operações da Amazon no varejo, responsáveis pela fatia majoritária dos US$ 88,8 bilhões em vendas no último trimestre. Na posição de diretor do setor de Worldwide Consumer da empresa, foi Wilke quem ajudou a companhia a organizar a operação dos depósitos – onde o processo de colocar produtos dentro de caixas é uma linha de montagem que lembra uma fábrica. A grande maioria dos funcionários da Amazon trabalha nesses armazéns, ou no sistema de entregas que sai deles para fazer a distribuição (também estruturada por Wilke).
Jassy gosta mesmo é da Amazon Web Services (AWS), unidade que abriu caminho no campo da computação em nuvem e no aluguel de espaço de armazenamento e programação de software para clientes interessados em usar os imensos servidores de Bezos. A Amazon já havia desenvolvido a tecnologia necessária para uso próprio quando um grupo de executivos – Jassy entre eles – se reuniu em 2003, na sala da casa do chefe, para pensar em novas ideias. Assim surgiu a proposta de oferecer a outras empresas o espaço de armazenamento e os servidores que estavam desocupados.
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“Andy empurrou a Amazon para um negócio novo, onde ainda não atuávamos”, conta outro ex-executivo que preferiu permanecer anônimo.
A empresa lançou a AWS três anos depois desse encontro, com Jassy à frente da empreitada. O serviço virou a indústria de software de cabeça para baixo, e deixou de joelhos monstros como IBM e Oracle – que demoraram a reagir e oferecer pacotes na nuvem. Hoje, a Amazon é líder no setor, e em 2019 tinha 45% do mercado mundial, de acordo com números da Gartner. Empresas tão diversas quanto Netflix, Kellogg’s, Aibnb e BP têm fatias consideráveis de suas operações de computação guardadas na AWS.
Jassy não é um tecnólogo. Mesmo assim, executivos que trabalharam na Amazon contam que ele mergulha de cabeça em diferentes departamentos da AWS – incluindo a polêmica área de reconhecimento facial e o pujante serviço de videoconferência Chime. Ele também acompanhou de perto violações como a ocorrida no ano passado na Capital One, supostamente realizada por um ex-funcionário da Amazon Web Services.
Embora o varejo seja a turbina que move a receita da Amazon, os serviços de nuvem alimentam os lucros da companhia. No último trimestre, a AWS gerou US$ 3,4 bilhões de lucro líquido – ou 64% do lucro total da empresa (mesmo que o negócio de nuvem represente apenas 12% das vendas).
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Outros altos funcionários que deixaram a Amazon contam que Bezos é conhecido pelo estilo controlador, do tipo atento a pequenos detalhes de diversas áreas corporativas – sobretudo no departamento de varejo e nos aparelhos que ajudam a impulsionar os negócios. Apesar disso, Bezos deixou Jassy livre para tocar a AWS praticamente sem interferências. Isso pode ser um reflexo do pouco interesse criativo que o CEO tem por essa área, em comparação com outras partes da companhia. Mas esses mesmos ex-funcionários acreditam que talvez isso seja um desdobramento natural do fato de que Jassy sempre conduziu a AWS por conta própria.
“Ele [Bezos] não se dedica tanto assim à AWS”, diz um executivo que hoje não está mais na casa. “Provavelmente porque confia e acredita muito em Andy.”
É possível que o faro de Jassy para negócios em ascensão faça com que ele se destaque na visão de Bezos. Wilke, por exemplo, admite que a princípio se opôs a um dos produtos mais adorados por Bezos, inicialmente visto como um delírio: o leitor de e-books Kindle. Wilke via com preocupação a falta de experiência da Amazon na produção de eletrônicos, e temia que eles só conseguissem lançar o aparelho quando já fosse tarde demais, conforme contou numa entrevista ao Wall Street Journal há três anos.
“Muitas coisas que previ acabaram acontecendo”, declarou Wilke. “Mas isso parecia não importar. Na época, Jeff [Bezos] dizia que era ‘o certo a fazer, do ponto de vista do consumidor’. Discordei e bati o pé, e não me arrependo.”
As críticas à AWS são semelhantes às dirigidas a Amazon: o serviço ganhou tal preponderância no mercado que é frequentemente acusado de atropelar concorrentes pequenos e seus produtos de nicho. As tecnologias usadas são coisa de nerd de carteirinha – data analytics ou ferramentas que automatizam tarefas para desenvolvedores. Segundo Jassy, a empresa está avançando para esses terrenos atendendo aos pedidos dos próprios consumidores.
A despeito da influência da Amazon no ramo da computação em nuvem, a Microsoft tem se mostrado uma concorrente de peso. A gigante fundada por Bill Gates conta com clientes de grande porte, como Walmart, que relutam em se bandear para a rival. Até o Pentágono fechou um contrato de computação em nuvem no valor de US$ 10 bilhões, com duração de dez anos (o maior na história do órgão) com a Microsoft. A Amazon contestou a escolha e acusou Trump de influenciar a decisão com sua conhecida animosidade em relação à marca.
Em dezembro, durante a conferência anual da AWS em Las Vegas, Jassy desceu a lenha na escolha e na antipatia nutrida pelo presidente americano para com Bezos.
“Quando um presidente, durante seu mandato, se mostra disposto a declarar em público que despreza uma empresa e o CEO dessa empresa, é difícil que qualquer departamento do governo – inclusive o Departamento de Defesa – seja capaz de tomar uma decisão objetiva, sem medo de sofrer retaliações”, afirmou ele.
(Tradução: Beatriz Velloso)