Recessão é provávavel, mas deve ser leve, dizem analistas. (Foto: Envato)
O Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) decidiu manter o ritmo de aperto monetário nos Estados Unidos e elevou a taxa de juros do país em 75 pontos-base nesta quarta-feira (27). O ajuste foi suficiente para levar os juros americanos ao intervalo de 2,25% a 2,5%, o maior patamar desde dezembro de 2018.
O nível de alta veio de acordo com a expectativa de grande parte dos economistas e analistas de mercado, mas até a última semana havia quem esperava por um aperto maior de 1 ponto porcentual. Isso porque o CPI (Índice de Preços ao Consumidor) da economia norte-americana subiu 1,3% em junho ante maio – número acima do previsto que levou os mais pessimistas a acreditar que o atual ritmo de alta nos juros não seria suficiente para conter a maior pressão inflacionária dos últimos 40 anos nos EUA.
Marcela Rocha, economista chefe da Claritas, explica que diferentemente da última reunião, quando o Fed surpreendeu o mercado ao revisar o plano de 50 bps para 75 bps, desta vez não houve espaço para surpresas. Nas últimas semanas, enquanto o mercado aguardava o encontro da instituição, outros dados foram divulgados na esteira da CPI, notícias mistas que permitiram que o Fed mantivesse o plano de voo.
“Além da criação de vagas de trabalho ainda continuar em um ritmo robusto, a taxa de desemprego se mantém em um nível baixo e vemos um ritmo ainda forte, acima do esperado, nos salários. Essas notícias do mercado de trabalho, somado ao índice de inflação em junho, mostram que o Fed não tem espaço ainda para reduzir o ritmo de aperto monetário”, diz Rocha.
No lado mais positivo, porém, alguns indicadores mostram que a economia vem desacelerando. “Apesar da preocupação, tivemos outros indicadores que, por ora, evitam que o Fed tenha que intensificar esse aperto monetário. Notícias do setor imobiliário perdendo fôlego e o maior importante: sinais das expectativas de inflação não mostrando desancoragem adicional”, destaca a economista.
Tecnicamente, o termo recessão denomina períodos em que a economia de um país se contrai por dois trimestres consecutivos. A redução do nível de atividade econômica pode, por exemplo, diminuir a renda das famílias, os números do mercado de trabalho, o ritmo da construção civil – reduzindo a circulação de moeda e, portanto, combatendo o problema da inflação.
Com o terceiro aumento consecutivo na taxa de juros, a possibilidade de que o aperto monetário leve os Estados Unidos a uma recessão é cada vez mais reconhecida pelo mercado. Mas isso não quer dizer necessariamente uma crise econômica grave, explica Caio Tonet, sócio fundador e head de renda variável da W1 Capital.
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“A possibilidade de uma recessão nos Estados Unidos está cada vez mais próxima. Mas são coisas distintas: uma recessão técnica, em que podemos ver o Produto Interno Bruto (PIB) caindo por meses ou se de fato vai se concretizar um cenário em que o mercado de trabalho nos EUA começa a declinar”, afirma Tonet.
Os números do mercado de trabalho ainda aquecido e a baixa taxa de desemprego no país, de 3,6%, dão suporte para que o Federal Reserve mantenha o aperto monetário sem causar uma grande crise.
Este é o cenário base na visão de Carlos Vaz, CEO e fundador da Conti Capital. “Em suma, a economia dos EUA hoje está em uma posição relativamente forte para suportar o ritmo atual de elevação das taxas de juros. Isso se deve aos fortes balanços domésticos e corporativos, ao mercado de trabalho aquecido com baixa taxa de desemprego e a um sistema bancário mais organizado e cauteloso”, afirma Vaz.
A última recessão nos Estados Unidos aconteceu entre 2007 e 2009 e acabou desencadeando uma grande crise financeira em vários países do mundo. A memória do período pode fazer muita gente atrelar a palavra “recessão” a um cenário mais grave do que está realmente se projetando. Mas existem diferenças significativas daquele período e que levam a crer que o momento atual não será tão severo para a economia norte-americana, pontua Felipe Reymond Simões, diretor da WIT Asset.
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“A crise de 2008 foi causada por um abalo de confiança na capacidade de pagamento dos bancos e o gatilho desta falta de confiança foi o setor imobiliário. Basicamente, teve um excesso de liquidez nos EUA”, afirma. Dessa vez, a crise é global e tem a ver com os preços, pressionados depois de diferentes interrupções nas cadeias de suprimento com a pandemia da Covid-19 e a guerra na Ucrânia.
‘É uma crise menos específica do que a de 2008 e que afeta de maneira bem parecida o mundo inteiro. O Fed vai ter que ser mais ortodoxo, aceitando uma recessão para que os preços voltem aos seus devidos lugares”, diz Simões.