- O desempenho negativo do Ibovespa nas primeiras semanas de 2024 não é suficiente para reverter as projeções otimistas no mercado brasileiro
- Apesar das quedas recentes, o “big picture” permanece igual: queda de juros nos EUA e no Brasil. Um “terreno fértil para ativos de risco, avalia Rafael Oliveira, gestor de ações da Kinea
- Em entrevista ao E-Investidor, ele explica o otimismo da gestora, que vê as teses micro superando o tema macro em 2024, e elege os papéis preferidos para surfar esse movimento
O desempenho negativo do Ibovespa nas primeiras semanas de 2024 não foi suficiente para reverter as projeções otimistas no mercado brasileiro. O pior janeiro em oito anos na bolsa foi resultado de uma correção de expectativas em relação ao ciclo de aperto monetário nos Estados Unidos, mas o “big picture” permanece igual: queda de juros nos EUA e no Brasil. Um “terreno fértil para ativos de risco”, avalia Rafael Oliveira, gestor de ações da Kinea, o braço de investimentos alternativos do Itaú.
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A gestora é uma das otimistas com o investimento em ações brasileiras em 2024. O entendimento é que, depois de um 2023 marcado por discussões de juros e fiscal, neste ano é a microeconomia quem vai prevalecer. Será um momento de “separar o joio do trigo” e escolher aquelas empresas que se beneficiam da Selic em queda e estão com a casa arrumada para melhorar os resultados daqui para frente.
“Vamos discutir pautas, notícias e headlines sobre fiscal? Sim. Mas o investidor brasileiro, e principalmente o estrangeiro, não está ligando para isso este ano”, diz o gestor da Kinea. “É um contexto que prevalece e o micro e será preciso ver quem realmente vai se beneficiar com a queda de juros no Brasil.”
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A carteira da Kinea está preparada para um ambiente de maior apetite ao risco, com exposição a setores que, até o ano passado, estavam fora das apostas da gestora. É o caso do consumo discricionário, que ganhou alguns lugares entre as preferências da Kinea com nomes que vão desde uma Vivara (VIVA3), passando pelas teses de turnaround como a Natura (NTCO3), até a construção civil, como a Direcional (DIRR3).
No início do mês, a gestora também anunciou uma novidade ao mercado: o lançamento de uma oferta pública para captação do primeiro Fiagro dolarizado do País, o Kinea Agro Income. O fundo, disponível ao investidor geral, busca captar até R$ 1 bilhão para operações em Certificados de Recebíveis Agrícolas (CRAs) dolarizados. A ideia é oferecer um produto para unir exposição a uma moeda forte ao pagamento recorrente de proventos; veja os detalhes nesta reportagem.
Além do impacto positivo que a queda de juros tem nos balanços financeiros das empresas, a continuidade da redução da Selic também deve jogar a favor da volta do fluxo de investidores para ações. A Bolsa, que em 2023 foi praticamente sustentada por investidores estrangeiros, deve voltar a atrair capital – da pessoa física de alta renda e, sobretudo, dos institucionais.
Ao E-Investidor, o gestor de ações da Kinea abre o portfólio da gestora e explica porquê o tom otimista deve prevalecer em 2024, apesar do início de ano difícil na Bolsa. Confira os principais trechos:
E-Investidor – 2023 não foi um ano fácil para os fundos de ações, com resgates expressivos em muitas categorias, mesmo com o Ibovespa em alta. Onde o mercado errou?
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Rafael Oliveira – Boa parte do fluxo do ano passado que permitiu a Bolsa subir 22% em 2023 foi estrangeiro. A alta renda foi para produtos incentivados, o gestor multimercado não se posicionou tanto por conta do medo fiscal, que no fim nem se concretizou; e aí sobrou o gringo, que colocou mais de R$ 50 bilhões no ano passado e ajudou a Bolsa. Não digo que houve um erro do mercado em 2023, mas sim uma grande divergência. A nossa expectativa é que os investidores voltem quando o juro nominal tocar abaixo de 10%. Eu diria que é um tema do segundo semestre, pois sempre tem um movimento de antecipação. Quem também deve voltar, e já vimos essas conversas começarem por aqui são os fundos de pensão, são os investidores institucionais.
Mas o estrangeiro, que ajudou a sustentar a Bolsa em 2023, sumiu da B3 em janeiro. O que aconteceu?
O investidor estrangeiro está olhando o juro real americano. Historicamente, a Bolsa brasileira e a taxa de juros dos Estados Unidos não são tão correlacionados, mas isso vem acontecendo recentemente. O Ibovespa realmente está bem ‘ao sabor’ das Treasuries de 10 anos e vemos isso demonstrado no fluxo de entrada e saída de estrangeiros. No momento em que a curva de juros abre por lá, esses caras tiram o pé do acelerador em ativos de risco, mercados emergentes, e o mercado brasileiro é a principal opção hoje em um cenário de Índia e México caros; China e Rússia totalmente fora do radar. Neste início de ano, é isso que está jogando contra.
Isso muda as projeções otimistas do mercado para o restante do ano?
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O big picture não muda. Há duas coisas sendo discutidas nesse momento. A primeira é um descasamento entre o que o Fed tem dito, e que indica algo como 75 ou 100 bps de corte, e o que o mercado precifica, que é algo entre 100 e 150 bps de corte. Alguém vai errar; ou o Fed terá que convergir para o mercado, ou o mercado vai ter que convergir para o Fed. E, de um lado ou de outro, essa convergência é boa, porque causa conforto e diminui a incerteza. O outro ponto de discussão é quando esse processo de corte de juros vai começar.
Na carta mensal, a Kinea destacou que acredita que o micro deve se sobrepor ao macro em 2024. O pior da incerteza fiscal e de juros já ficou para trás?
Acreditamos nisso. Obviamente, o macro está sempre presente, principalmente no Brasil, mas o ponto é que, nos últimos quatro anos, foi o macro que se sobrepôs ao micro. Lidamos com a covid-19, inflação, juros e, no Brasil, ainda tivemos eleições em 2022, discussões fiscais e reformas em 2023. Vamos discutir pautas, notícias e headlines sobre fiscal? Sim. Mas achamos que o investidor brasileiro, e principalmente o estrangeiro, não está ligando para isso este ano.
Então vamos ter um ano de stock picking?
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Exatamente. É preciso ver quem realmente vai se beneficiar com a queda de juros no Brasil. É preciso separar o joio do trigo, ver quais são as empresas realmente estão se beneficiando com um bom balanço, estão organizadas, com um bom processo e realmente crescendo. Em seguida, separar isso daquelas que estão sofrendo, têm algum problema de cultura e precisam fazer ajuste de estoque.
Como a Kinea está montando o portfólio para surfar nesse movimento?
A maior parte do nosso portfólio está no que chamamos de yield, ou “bond proxies”, as empresas comparadas com a renda fixa. Utilities, shoppings e infraestrutura têm essa característica de avaliação. Algumas têm boa parte do seu valor na perpetuidade, como é o caso da Rumo (RAIL3). Outras estão realmente mais alavancadas, como a Equatorial (EQTL3). E outras imaginamos que vão se beneficiar também de uma atividade melhor, especialmente em serviço, comércio e indústria; Santos Brasil (STBP3) que também faz parte do nosso portfólio dentro de infraestrutura. Em shopping temos Eletrobras (ELET3), Copel (CPLE6) e Sabesp (SBSP3) em utilities; Iguatemi (IGTI11) e Alllos (ALOS3).
Quando falamos de setores alavancados e que dependem muito de crédito, é inevitável entrar em algum nome de consumo. Este é um setor que nós não carregamos posição no ano passado, algo que deu absolutamente certo de janeiro a outubro, e nessa virada de ano passamos a olhar com outros olhos. E o terceiro segmento, que fecha a nossa carteira, são os bancos. O pico de inadimplência da pessoa física já foi e o pico da pessoa jurídica pequena e média empresa deve ser por agora – historicamente, o lucro dos bancos cresce depois disso. A tendência é uma recuperação cíclica do setor e uma revisão de lucros por parte dos analistas do mercado ao longo dos próximos meses e trimestres. Estamos animados.
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