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Negócios

Como Vladimir Putin freou as ambições das empresas russas

Empreendedores e investidores dizem que levará anos até que estejam dispostos a se envolver de novo com o país

Como Vladimir Putin freou as ambições das empresas russas
Política de Putin prejudicou o crescimento de companhias. Foto: REUTERS/Maxim Shemetov/File Photo
  • O principal mecanismo de busca russo, o Yandex, vendeu ações na Nasdaq e a rede social VKontakte recebeu um grande investimento
  • Mas o sucesso dessas empresas enfraquecia os burocratas, que temiam que esses negócios de Internet permitissem aos russos reunir informações sem censura de todo o mundo e organizar movimentos políticos

(Joseph Menn, Washington Post) – Quando o Kremlin quis competir com o Ocidente economicamente e na disputa por trabalhadores qualificados há mais de uma década, seus funcionários com boa formação ajudaram a criar respostas locais ao Google, Facebook e a empresas de segurança tecnológica, como a Symantec.

O principal mecanismo de busca russo, o Yandex, vendeu ações na Nasdaq. A rede social VKontakte recebeu um grande investimento da empresa de um oligarca quando vendeu ações e a fabricante de antivírus Kaspersky Lab expandiu-se rapidamente em outros países até se tornar uma das exportações russas mais conhecidas.

Mas o sucesso dessas empresas enfraquecia os principais burocratas, que temiam que esses prósperos negócios de Internet permitissem a uma nova geração de russos reunir aos poucos informações sem censura de todo o mundo e organizar movimentos políticos fora do controle do governo.

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O decorrente ataque de leis, regulamentos e demandas extraoficiais impostas pelo Kremlin reduziu esses outrora promissores gigantes da tecnologia a vestígios do que poderiam ter sido – enquanto destruía o que os fundadores das empresas esperavam que fossem proteções contra o controle do governo.

“Isso foi um completo desastre para a economia russa, e a indústria de tecnologia estava agregando muito valor”, disse Esther Dyson, americana e uma das primeiras a investir no Yandex, que deixou o conselho do mecanismo de busca pouco tempo depois de a Rússia invadir a Ucrânia. “Mesmo antes de começarem a travar uma guerra contra a Ucrânia, eles estavam travando uma guerra contra a verdade.”

O Yandex, que funciona com o idioma russo, atrai quatro bilhões de visitas por mês, continua sendo o site mais visitado da Rússia e é um dos exemplos mais evidentes da derrocada da tecnologia russa. A maioria de suas ações é de propriedade de instituições ocidentais ou globais e sua sede fica na Holanda, mas nada disso foi suficiente para impedir que a empresa se curvasse às exigências do Kremlin para bloquear resultados de buscas a respeito do líder da oposição Alexei Navalny ou censurar notícias relacionadas à guerra na Ucrânia.

O lento colapso da Yandex mostra como até mesmo as empresas mais avançadas não conseguiram estar a salvo com suas principais operações na Rússia, ressaltando por que empreendedores e investidores preveem que levará anos, se não décadas, até que eles estejam dispostos a se envolver novamente com o país.

“Mesmo que as ações estejam [sendo negociadas] em outros lugares, mesmo elas tendo um conselho de diretores estrangeiros, isso não adiantou nada”, disse Ilya Ponomarev, empresário russo e investidor em tecnologia bem relacionado que fugiu para a Ucrânia em 2014 depois de ser o único da Duma russa a votar contra a anexação da península ucraniana da Crimeia. “Eles não podem escapar, porque estão irrevogavelmente ligados a um público russo.”

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A Yandex foi fundada por Arkady Volozh, que é seu CEO, e pelo falecido Ilya Segalovich, que era o diretor de tecnologia da empresa. Seu nome é uma abreviação de “Yet Another Index” (Mais um índice). Seus fundadores admiravam o sucesso do Yahoo.

Quando a empresa vendeu ações na Nasdaq em 2011, os executivos da Yandex sabiam que o governo russo ficaria irritado com o controle escapando de suas fronteiras. Portanto, os fundadores mantiveram ações com a maioria dos votos, e a Yandex emitiu uma ação especial, mantida durante anos por um banco do governo, que poderia vetar qualquer acionista que acumulasse mais de 25% das ações regulares.

Apesar disso, os executivos da Yandex se viram negociando diretamente com reguladores e supervisores no escritório do presidente Vladimir Putin, argumentando que as ações negociadas publicamente eram cruciais para reter talentos que, de outra forma, se mudariam para o exterior, e que as restrições excessivas levariam ao uso dos concorrentes ocidentais, de acordo com participantes e outros a par das conversações.

“O setor estava indo bem”, lembra Dyson em relação àqueles anos.

Em particular, os executivos esperavam que a lógica apresentada por eles lhes concedesse liberdade real para operar e, durante muitos anos, isso parecia ter acontecido. Mas à medida que as empresas se tornavam mais importantes, as autoridades do Kremlin se apoiavam em leis para proibir sites, orientando que os links listados não mostrassem certos conteúdos e, em 2017, exigindo que qualquer mídia mostrada em agregadores de conteúdo, inclusive o da Yandex, passasse pela autorização do governo russo.

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Algumas empresas pagaram um preço mais cedo por se tornarem importantes. As primeiras vítimas incluíram a VKontakte, a maior rede social da Rússia, que funciona de modo muito semelhante ao Facebook. A VKontakte cresceu com o uso geral da Internet no país e se tornou a rede social mais popular em 2008.

O serviço de e-mail do conglomerado Mail.ru, parceiro do governo russo, teve uma participação inicial e, em troca, vendeu uma participação minoritária da empresa ao público em Londres, em 2010. O Mail.ru era controlado pelo oligarca bilionário Alisher Usmanov, que foi atingido por sanções dos Estados Unidos este ano. Mas o fundador da VKontakte, Pavel Durov, manteve a maioria das ações com direito a voto até 2014, quando vendeu títulos para um aliado do Mail.ru.

Meses depois, ele foi obrigado a deixar a empresa. Em uma publicação em sua conta na VKontakte, Durov disse que o Serviço Federal de Segurança da Rússia (FSB, na sigla em inglês) o forçou a vender suas ações depois de ele se recusar a compartilhar dados pessoais de integrantes de um grupo que apoiava os protestos ucranianos contra o presidente aliado da Rússia, Viktor Yanukovych, antes de sua renúncia em 2014.

O Kremlin ganhou mais controle direto da VKontakte em dezembro de 2021, quando a maioria das ações com direito a voto foi para as afiliadas da empresa estatal de energia Gazprom. Depois da aprovação de uma lei em março que permite sentenças de até 15 anos de prisão por descrever as ações da Rússia na Ucrânia como uma guerra, o site agora censura fortemente as publicações relacionadas à invasão.

A Kaspersky Lab, que fabrica software de segurança para a Internet, tornou-se uma das empresas de tecnologia russa mais reconhecidas mundialmente e planejava abrir seu capital, mas desistiu da ideia em 2012. Em vez disso, procurou alcançar uma grande expansão de suas atividades em outros países, ganhando reconhecimento de marca e um argumento de que não deveria fazer nada que lhe custasse a confiança nos EUA e em outros lugares, disseram funcionários.

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Mas isso era menos poder do que ela precisava quando as leis exigiram que as empresas de tecnologia entregassem informações quando solicitado pelo governo.

A empresa costumava ter muita liberdade para agir dentro das máquinas dos clientes, e as autoridades americanas se preocupavam há anos com o fato de a Kaspersky estar em busca de documentos confidenciais do país. Em 2017, o Departamento de Segurança Interna dos EUA ordenou que as agências federais removessem o software da Kaspersky de suas redes.

Naquele mesmo ano, a Kaspersky admitiu que seu antivírus havia coletado informações confidenciais do computador pessoal de um funcionário da inteligência americana, apesar de a empresa ter dito que destruiu os arquivos em seguida.

Mas as agências de inteligência russa já haviam deixado claro quem estava no comando quando acusaram de traição o investigador de crimes cibernéticos da Kaspersky, Ruslan Stoyanov, em 2016, depois que ele compartilhou informações com autoridades americanas. Os detalhes do caso são mantidos sob sigilo, mas a imprensa russa disse que envolvia o trabalho dele nos anos anteriores contra uma pessoa acusada de cometer crimes cibernéticos, que tinha sido procurada e condenada pelas autoridades russas antes de ser libertada e se vingar contra aqueles que a perseguiram. Condenado, Stoyanov permanece na prisão.

Uma rival russa da Kaspersky no setor de segurança cibernética passou por algo ainda pior. Anos depois de transferir sua sede para Cingapura e antes de um aguardado IPO, o CEO do Group-IB, llya Sachkov, foi preso em setembro de 2021 em Moscou, acusado de traição e de passar segredos ao Ocidente. Ele negou as acusações, mas permanece em prisão preventiva.

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As empresas que deixaram o país antes e de forma definitiva se saíram melhor. A Luxoft, que oferece serviços de programação, por exemplo, foi criada a partir de uma empresa de tecnologia de Moscou e listou ações na bolsa de valores de Nova York. Depois da invasão da Crimeia em 2014, ela transferiu a maior parte de suas operações para fora da Rússia, e outra empresa de serviços de tecnologia a comprou por US$ 2 bilhões em 2019.

O Yandex de hoje é uma consequência inevitável depois de 2019, disseram funcionários, quando uma lei proposta teria proibido a participação majoritária estrangeira em grandes empresas de tecnologia russas.

Além de uma série de leis anteriores, o Kremlin defendia a ideia de que nenhuma empresa classificada como “fonte de informações estratégicas” poderia ser de propriedade majoritária de investidores estrangeiros.

Conscientes de que isso poderia levar a Yandex à falência, os executivos da empresa negociaram diretamente com o alto escalão.

Enquanto isso, uma comissão especial da diretoria estudou alternativas que talvez pudessem impedir uma aquisição concreta pelo governo, embora atuando em defesa dos interesses dos acionistas, conforme exigido pela lei americana. A empresa enviou os executivos de volta aos escritórios do governo várias vezes para ver o que o Kremlin poderia aceitar.

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“A comissão especial supervisionava o processo, ou seja, apresentava e autorizava possíveis soluções, mas não tinha qualquer interação direta com o Kremlin”, disse alguém até então na Yandex que foi informado a respeito do debate interno e falou sob condição de anonimato para comentar negociações confidenciais com o governo.

As possibilidades incluíam transferir a sede de volta para a Rússia, vendê-la para outra empresa russa, desmembrar as operações russas, sair da Nasdaq, tornar-se uma empresa de capital fechado e criar uma nova classe de ações com maior peso nas votações apenas para russos, de acordo com um documento posterior da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (Sec, na sigla em inglês).

No fim das contas, o melhor que a Yandex podia fazer era doar as ações especiais de propriedade do banco russo Sberbank com maior poder para uma nova fundação formada por uma maioria de diretores vindos de universidades e grupos empresariais aliados do governo.

“Havia uma certeza de que eles acabariam respondendo a outra pessoa”, disse a fonte a par das negociações. “Compramos de acionistas durante alguns anos e depois fizemos o que tínhamos de fazer.” Depois disso, a proposta de lei foi abandonada.

Um funcionário atual disse que a ação especial tinha mais peso do que a maioria das pessoas imaginava.

“Tecnicamente, é um botão de emergência”, disse a pessoa. “Mas isso é muito complicado. Você não pode tomar decisões importantes.” O regulador de informações do Kremlin não respondeu a um e-mail solicitando posicionamento.

O impacto sobre a Yandex está aumentando, disseram atuais funcionários ao Post.

O Yandex agora deve bloquear o acesso a vários sites, pois são proibidos pelo governo.

E seu agregador de notícias, o mais popular do país, mostra menos de um terço dos veículos exibidos antes da lei que exigia que todos fossem autorizados pelo governo.

Lev Gershenzon, ex-chefe do departamento de notícias da Yandex que atualmente vive na Alemanha, manifestou-se publicamente seis dias após a invasão da Ucrânia dizendo que sua antiga empregadora agora era parte do problema.

“O fato de que uma parte significativa da população da Rússia talvez acredite que não há guerra é a base e a principal causa desta guerra. Hoje, o Yandex é um elemento-chave para ocultar informações relacionadas à guerra.

“Cada dia e hora de tais ‘notícias’ são vidas humanas. E vocês, meus ex-colegas, também são responsáveis por isso”, escreveu. “Não é tarde demais para deixarem de ser cúmplices de um crime terrível. Se vocês não podem fazer nada, peçam demissão.”

A própria Yandex agora está tentando encerrar suas atividades relacionadas a notícias. No mês passado, ela anunciou que estava em busca de compradores. A empresa não respondeu a um pedido de comentário.

Para a Yandex, a negociação de suas ações funcionou como proteção até não funcionar mais. Nos últimos cinco meses, suas ações na Nasdaq perderam até dois terços de seu valor. / TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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