O governo aumentou o imposto para empresas que investem em debêntures incentivadas, mas de forma mais severa do que as expectativas do mercado. A Fazenda divulgou que o Imposto de Renda (IRPJ) passaria de 15% para 17,5%, porém a versão final da MP fixou a alíquota em 25%, além de encerrar o regime de tributação exclusiva na fonte.
Isso significa que empresas que compravam debêntures incentivadas pagavam 15% de IR na fonte, com isenção para pessoas físicas. Agora – com a aprovação da MP -, a partir de 2026 não haverá mais retenção na fonte e os rendimentos passam a integrar o lucro tributável da empresa, que pagará 25% de IRPJ e 9% de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) – ou até 20% no caso de instituições financeiras.
Ou seja, a carga tributária aumenta em 10 pontos percentuais: 66,7% em relação ao valor original.
Como o aumento afeta o investidor?
O contador e gerente de controladoria da Multimarcas Consórcios, Flávio Menezes, começa explicando o conceito básico: debêntures são títulos de dívida emitidos por empresas que buscam captar recursos diretamente no mercado, sem recorrer ao sistema bancário tradicional. Ele compara: “Imagine que uma empresa quer R$ 1 milhão de investimento; em vez de pedir ao banco, ela emite 1.000 debêntures de R$ 1.000 cada. Os investidores compram esses títulos e tornam-se credores da empresa, que pagará juros em troca”.
Segundo o especialista, a MP muda radicalmente a dinâmica desse tipo de investimento. “As debêntures incentivadas tinham isenção de IR para pessoas físicas e tributação exclusiva na fonte para investidores institucionais. Agora, a renda passa a entrar no ajuste anual, o que altera a forma de calcular o imposto, afeta o fluxo de caixa e reduz a rentabilidade líquida esperada.”
Com a mudança:
- A atratividade desses papéis diminui, principalmente para investidores institucionais;
- O custo de captação para as empresas aumenta, o que pode desincentivar novos projetos;
- A previsibilidade e segurança jurídica são abaladas, gerando insegurança no mercado.
Atenção pequeno investidor!
Para o pequeno investidor, isso representa mais do que uma mudança burocrática: é uma alteração no retorno líquido e na própria viabilidade do investimento. Menezes afirma que a rentabilidade das debêntures incentivadas, que antes rivalizava com os Certificados de Depósito Bancário (CDBs) e outros produtos de renda fixa, perde competitividade com a nova tributação. “A perda da isenção pode tornar outras opções, como CDBs ou Tesouro Direto, mais atrativas”, diz. E alerta: “Além disso, o investidor agora terá de declarar os rendimentos, o que exige mais atenção e planejamento”.
No caso dos investidores institucionais, o impacto também é substancial. Com a elevação da alíquota de IR de 15% para 25% e a inclusão dos rendimentos no lucro tributável (IRPJ e CSLL), há uma redução significativa da atratividade desses papéis. O educador financeiro Flávio Menezes explica que isso pode levar fundos e seguradoras a exigir taxas de retorno mais altas, o que, por sua vez, aumenta o custo de captação das empresas emissoras. “Os fundos terão que rever estratégias fiscais. As debêntures precisarão pagar mais para compensar os impostos, afetando o mercado como um todo”, pontua.
Como ficam as compensações?
Outro ponto sensível diz respeito à alteração nas regras de compensação de perdas financeiras, que agora passam a ter um limite de 5 anos. Essa limitação compromete a estratégia de diversificação de portfólios de longo prazo. Antes, era possível compensar prejuízos de um ativo com ganhos futuros de mesma natureza, sem limitação de tempo. Com a nova regra, isso muda substancialmente.
“Prejuízos podem virar perdas definitivas se o investidor diversifica em ativos com regras restritas como FIDCs [Fundos de Investimento em Direitos Creditórios], CRIs [Certificados de Recebíveis Imobiliários] e fundos exclusivos. O custo fiscal de erros aumenta: um investimento que dá prejuízo não pode ser compensado, resultando em perda total líquida”, alerta Menezes.
Esse novo cenário leva a uma necessidade de reavaliação completa das carteiras. “É preciso revisar previsões orçamentárias, DREs [Demonstração do Resultado do Exercício] projetadas e repensar a gestão do portfólio. Em alguns casos, a rotação de ativos pode ser necessária para buscar instrumentos com melhor tratamento fiscal”, aconselha.
A MP 1.303/2025 representa um ponto de inflexão no planejamento financeiro de quem investe em debêntures incentivadas, exigindo revisão de estratégias, maior atenção à tributação e uma leitura mais crítica do risco-retorno — tanto para investidores individuais quanto para grandes gestores de patrimônio.
“A MP afeta diretamente a atratividade dos títulos de infraestrutura, que antes combinavam retorno, liquidez e flexibilidade. Agora, é fundamental que o investidor compreenda todos os impactos para decidir se permanece nesses ativos ou migra para alternativas mais adequadas ao seu perfil e realidade financeira”, conclui Menezes.
O impacto vai além dos impostos
Para especialistas em direito tributário, o impacto vai muito além da elevação da carga tributária. Letícia Rocha, advogada especializada em Direito Tributário, ressalta que a quebra da expectativa legítima e a geração de insegurança jurídica são fenômenos distintos, mas profundamente interligados no cenário econômico. Segundo a especialista, ainda que o investidor não tenha um direito adquirido à manutenção eterna de benefícios fiscais, há uma confiança legítima na estabilidade de regras que foram criadas justamente para induzir investimentos de longo prazo.
“Quando um benefício fiscal, que foi a pedra angular para a formação de modelos de negócios e projeções financeiras, é abruptamente suprimido ou alterado, há uma clara violação dessa expectativa”, afirma Rocha. Ela destaca que o investimento em infraestrutura exige horizontes longos e previsibilidade. Portanto, mudanças repentinas na tributação, especialmente por meio de MP, geram uma percepção de instabilidade normativa. E isso afeta diretamente o apetite de investidores institucionais e internacionais, além de comprometer projetos em andamento.
O problema está na forma como foi escrita?
A crítica se intensifica quando se observa a forma como a MP foi redigida. O texto estabelece que somente as debêntures “emitidas ou integralizadas” até 31 de dezembro de 2025 manterão o benefício fiscal anterior. A inclusão da integralização como critério levanta controvérsias. Para Letícia Rocha, o ato jurídico relevante deve ser a emissão da debênture, e não a data em que os recursos efetivamente entram no caixa da empresa.
“O ato de emissão da debênture, ao criar o título e suas características, configura um ato jurídico perfeito sob a lei anterior. O investidor se comprometeu com a operação com base na regra vigente à época. Exigir a integralização posterior para garantir o benefício é desconsiderar a segurança jurídica do ato já consolidado”, explica.
Na mesma linha, a tributarista Roberta Amorim, mestre em Direito Constitucional Tributário pela PUC-SP, aponta que a MP traz insegurança jurídica significativa e compromete a previsibilidade que existia anteriormente no mercado de capitais. “A MP afetará debêntures não integralizadas, mesmo que tenham sido emitidas sob o regime antigo. Isso desincentiva investimentos estruturais e, sim, pode ser judicializado, pois há vedação constitucional à retroação de regras tributárias”, afirmou.
Com idas e vindas, Estado manda mensagem de instabilidade
Além das críticas técnicas, há um alerta sobre o desmonte de uma política pública de fomento. Igor Montalvão, advogado tributarista do Montalvão & Souza Lima Advocacia de Negócios, lembra que a Lei nº 12.431 de 2011 foi um marco na criação de instrumentos de financiamento de longo prazo para projetos estratégicos de infraestrutura. Essa norma estabeleceu a isenção de IR para pessoas físicas e alíquotas reduzidas para pessoas jurídicas como forma de atrair o capital privado para obras estruturantes.
“A MP 1.303/2025, ao revogar esse benefício fiscal consolidado, desfigura completamente esse arcabouço. O Estado agora envia uma mensagem de instabilidade: como esperar que investidores acreditem em projetos que levam décadas para maturar se as regras do jogo mudam de forma arbitrária?”, questiona Montalvão.
Ele reforça que a redação da MP, ao não detalhar o tratamento de debêntures emitidas mas ainda não integralizadas, abre espaço para litígios e insegurança adicional. “A emissão deve ser o marco determinante para a manutenção do benefício fiscal. Ignorar isso é frustrar expectativas legítimas e provocar judicializações que poderiam ser evitadas com uma redação mais clara e técnica”, conclui.
Sem transparência fiscal, sem apoio do mercado
Embora a Medida Provisória nº 1.303/2025 tenha sido apresentada como parte de um esforço de “reorganização” tributária sobre aplicações financeiras e ativos, sua alteração no regime das debêntures incentivadas foi recebida com surpresa e inquietação por juristas e agentes do mercado. O ponto mais controverso diz respeito ao aumento silencioso da carga tributária para 25% sobre rendimentos dessas debêntures, sem que esse impacto tenha sido claramente explicitado no corpo normativo da MP ou em sua exposição de motivos.
Segundo a tributarista Letícia Rocha, esse tipo de conduta normativa compromete um princípio basilar do sistema tributário brasileiro: a transparência fiscal. Para ela, não basta que a norma seja publicada no Diário Oficial. O que se espera, em respeito ao direito à informação e à boa-fé objetiva, é que o contribuinte consiga compreender de forma inequívoca os efeitos das mudanças propostas, sobretudo quando envolvem aumento de carga tributária.
“Quando a alteração se dá de forma velada ou sutil, exigindo uma interpretação técnica minuciosa para que o contribuinte perceba o aumento de 0% ou 15% para 25%, há um comprometimento direto do princípio da transparência tributária”, afirma Rocha.
Ela destaca que esse tipo de redação compromete também a efetividade dos princípios da anterioridade anual e da noventena, previstos no artigo 150, inciso III, alíneas “b” e “c” da Constituição. Esses princípios existem justamente para assegurar que o contribuinte tenha tempo hábil para se planejar diante de novas obrigações fiscais. Se o aumento de tributo é disfarçado, os prazos de vigência perdem sentido prático e jurídico. “A ausência de explicitação clara do impacto fiscal desvirtua a finalidade dos prazos de anterioridade, que é justamente permitir o planejamento dos contribuintes”, acrescenta.
A crítica não se limita à forma de redação. Para Rocha, a MP incorre ainda em vício de forma legislativa, ao omitir o debate público em matéria tributária e desconsiderar os impactos econômicos profundos sobre um setor estratégico. A medida fere princípios constitucionais como o devido processo legal, a razoabilidade e a segurança jurídica — o que, segundo ela, abre caminho para uma forte judicialização por parte de empresas, investidores e entidades de classe.
A advogada Roberta Amorim corrobora essa análise. Para ela, a MP viola princípios estruturais do sistema tributário, como a segurança jurídica, a reserva legal, o direito adquirido e o da não surpresa. “Sim. Haverá inúmeras ações dos contribuintes, dada a arbitrariedade de tal medida provisória que viola diversos dispositivos constitucionais”, afirma Amorim. Ela destaca que o Supremo Tribunal Federal (STF) já tratou de tema semelhante no julgamento da ADI 2591, o que fortalece a tese de inconstitucionalidade da nova regra.
Um dos pontos centrais do debate é a ausência de clareza quanto ao alcance da nova alíquota de 25%. Embora a MP diga que as debêntures “emitidas ou integralizadas” até 31 de dezembro de 2025 manterão o regime anterior, a falta de detalhamento sobre títulos emitidos antes, mas integralizados depois, cria uma zona cinzenta e insegura. Essa falta de precisão técnica é, segundo os especialistas, um fator adicional que compromete a legitimidade da norma.
E a boa-fé?
Segundo o tributarista Igor Montalvão, a estratégia do Executivo de ampliar arrecadação sem um debate claro com os setores afetados não é apenas inconstitucional — é institucionalmente desleal. “Isso não é uma estratégia fiscal. É um desrespeito ao processo legislativo e à sociedade. Essa abordagem será e deve ser contestada com base nos princípios do devido processo legal e da transparência tributária”, afirma.
Cuidado com a rentabilidade!
Do ponto de vista do investidor, o impacto é alto. A mudança da alíquota de IR de 0% (para pessoas físicas) ou 15% (para instituições) para 25% reduz drasticamente a rentabilidade líquida esperada, afetando principalmente investidores de longo prazo como fundos de pensão, seguradoras e family offices, que precisam de previsibilidade para honrar compromissos futuros.
Igor Montalvão, tributarista e especialista em financiamento de projetos, é direto: a MP desorganiza a lógica de investimentos estruturados sob contratos e expectativas de décadas. Segundo ele, a previsibilidade não é um luxo, mas uma necessidade absoluta para projetos com maturação superior a 10 ou 20 anos.
“A eliminação abrupta de um benefício fiscal que era a base do cálculo de retorno de tais projetos introduz um elemento de incerteza inaceitável e destrutivo. Isso não é apenas um erro técnico, é um golpe na capacidade do país de atrair capital paciente”, afirma.
Para Montalvão, o aumento do custo final de financiamento se torna inevitável, impactando negativamente a competitividade dos projetos brasileiros em relação a outras opções no mercado internacional. Além disso, ele alerta que essa medida afeta diretamente a decisão dos investidores de continuar alocando recursos em infraestrutura no país, o que pode gerar um efeito cascata de desinvestimento, retração do mercado de capitais e maior dependência do financiamento público.
“A MP 1.303/2025 cria um ambiente de instabilidade e imprevisibilidade. Para projetos de longo prazo, isso é fatal. A decisão de investimento exige a certeza de que as regras do jogo não mudarão no meio do caminho”, conclui.
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