- Programas públicos de incentivo à cidadania fiscal chegam a premiar consumidores em R$ 1 milhão.
- Dentro do setor privado, há uma série de aplicativos que pagam para você enviar fotos das notas fiscais.
- Especialistas alertam para o risco em disponibilizar seus dados privados nessas operações .
Uma compra de R$ 8,90 gerou um retorno de R$ 1 milhão. Foi isso que aconteceu com um morador de São Bernardo do Campo, no início do mês. Ele fez uma compra num estabelecimento de serviços de internet no bairro Vila Nova Conceição, na capital paulista, pediu o CPF na nota e concorreu com outros 2,6 mil cupons cadastrados no programa Nota do Milhão, da Prefeitura de São Paulo. A identidade e o que foi comprado pelo vencedor não são revelados por motivos de segurança.
Leia também
Essa é só uma forma que os consumidores têm de ganhar dinheiro com nota fiscal no Brasil. Atualmente, vários estados ou cidades brasileiras desenvolveram programas de estímulo à cidadania fiscal através da premiação em dinheiro ou retorno do que foi comprado através de créditos.
É isso que ocorre também na Nota Fiscal Paulista, do Governo do Estado, que também premia em R$ 1 milhão. Desde 2007, quando o programa foi instituído, R$ 18,3 bilhões foram pagos aos participantes, sendo R$ 16,3 bilhões em créditos e mais de R$ 2 bilhões em prêmios.
Publicidade
Invista em oportunidades que combinam com seus objetivos. Faça seu cadastro na Ágora Investimentos
“O sistema distribui até 30% do ICMS efetivamente recolhido pelos estabelecimentos comerciais aos consumidores que solicitam o documento fiscal e informam CPF ou CNPJ, proporcional ao valor da nota. A devolução é feita em créditos liberados mensalmente que podem ser acompanhados pela internet e utilizados para pagamento do IPVA ou resgatados em dinheiro”, disse em nota a Secretaria da Fazenda e Planejamento (Sefaz-SP).
Para conferir os créditos, aderir ao sorteio ou obter mais informações, basta acessar o site dos programas. Quem mora fora de São Paulo pode também entrar no site da Secretaria da Fazenda do seu estado ou cidade e conferir se há um programa do tipo.
Empresas privadas também remuneram
Mas não é só com o setor público que você pode ganhar dinheiro com recibos. Há uma série de aplicativos que pagam para você enviar fotos das notas fiscais. O Dinheiro na Nota oferece R$ 0,10, no mínimo, por recibo fiscal. Na Olá Nota, uma nota fiscal vale de 5 a 15 pontos, que podem ser convertidos em dinheiro e resgatados. Por lá, mil pontos equivalem a R$ 15.
Já o PicPay, Méliuz, Dinerama, MimoCash, Winn, Mangos e Gelt pagam cashback nas compras de determinados produtos ou em locais específicos, além de promover eventuais sorteios ou ofertas. Mas é importante tomar cuidado com algo: com a nota fiscal em mãos, essas empresas terão acesso a seus dados pessoais, como CPF e histórico de consumo.
“É uma forma de conseguir identificar indiretamente os hábitos do consumidor: O que foi comprado, onde foi comprado, o horário da aquisição… através dos históricos de compras, dá para classificar a pessoa e chegar num ponto que seja possível até identificá-la”, explicou o founder da Unxpose, empresa de cibersegurança, Josemando Sobral.
Publicidade
De acordo com o especialista, o que esses aplicativos fazem é vender os dados dos consumidores. “São dados da população de uma cidade, de uma região, dados de quem consome determinada marca, de quem compra em determinados locais… isso vale dinheiro. Se eu sei o que as pessoas compram num mercado concorrente, em determinados horários e dias, posso criar uma estratégia para competir com isso, por exemplo”, revelou.
A venda desses dados é permitida desde que esteja claro para o consumidor. Nesse sentido, Sobral avalia que, de acordo com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), as pessoas têm o direito de solicitar que esses dados sejam apagados, mesmo após ter gastado o dinheiro pago. “O dado é pessoal. O consumidor está provendo as informações querendo um retorno, mas os dados continuam sendo pessoais. Eu avalio que ele pode pedir a qualquer momento para que o dado seja apagado”, disse.
A LGPD também exige que as empresas garantam a segurança desses dados e que eles não sejam vazados. Caso isso aconteça, o consumidor poderá comunicar a situação à Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD), que pode multar esses aplicativos. Em julho, a agência aplicou a primeira multa da história por descumprimento da LGPD. A empresa Telekall Infoservice foi penalizada em R$ 14,4 mil por oferecer, em 2020, lista de contatos de WhatsApp de eleitores para fins de disseminação de material de campanha eleitoral.
Pelo retorno financeiro, vale a pena vender os dados pessoais?
Economista e Conselheiro do Conselho Regional de Economia da Bahia (Corecon-Ba), Edval Landulfo afirma que é preciso levar em consideração alguns fatores antes de tomar a decisão de ganhar dinheiro com nota fiscal. “Eu vou no mercado, compro três ou quatro vezes por semana e vou expor meus dados para ganhar R$ 0,40 por semana? Será que vale a pena?”, questiona.
Há ainda o risco de se atrapalhar nas finanças pessoais no anseio de conseguir um maior retorno financeiro. “Pode acontecer do consumidor comprar produtos para fazer um estoque exagerado pensando no cashback. Isso é um cenário que impossibilita a educação financeira”, argumenta. De modo geral, tanto para participar dos programas públicos ou privados, Landulfo recomenda entender a regra do jogo.
Publicidade
“Não dá para cravar qual é o mais vantajoso. É preciso compará-los sob a ótica da realidade de cada contribuinte. Para isso, tem que ler os contratos e ver o que mais se adequa. Lembrando que, de forma geral, os sites oficiais do executivo, seja prefeitura ou estado, têm segurança maior do que o das empresas privadas. Vai ser preciso analisar outros itens ainda, como premiações e risco”, disse.
O especialista em cibersegurança Josemando Sobral tem recomendação parecida. “Se você quer enviar fotos da sua nota fiscal, entenda bem como o negócio funciona e pesquise o histórico da empresa, se ela tem episódios de vazamento de dados, se é idônea, se há preocupação com segurança… e veja o que será feito com seus dados, onde eles vão parar e se vão ser vendidos”, recomendou.