- O Ciro Gomes (PDT) foi o segundo presidenciável a ser entrevistado no Jornal Nacional
- Ele apresentou propostas econômicas polêmicas, que devem o afastar dos agentes financeiros
- No final, o desempenho do ex-governandor do Ceará foi considerado ‘razoável’
O candidato à presidência Ciro Gomes (PDT) passou ontem, terça-feira (23), por sabatina no Jornal Nacional, da TV Globo. Durante os 40 minutos, o ex-governador do Ceará explicou suas várias propostas. Contudo, na visão dos especialistas de mercado ouvidos pelo E-Investidor, parte das ideias apresentadas são bastante ‘arriscadas’ e de difícil execução, isto é, de viés utopista.
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Principalmente em relação à taxação de fortunas. “Quando se tenta uma coisa desse tipo, a única coisa que você provoca é fuga de capitais. O capital é organizado, estruturado e sabe o que fazer. Esse é o tipo de conversa populista que não leva a lugar nenhum”, afirma Mario Goulart, analista de investimentos e criador do canal no Youtube ‘O Analisto’.
Diferente do seu antecessor, o atual presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), que deu audiência recorde à emissora no início da semana, a entrevista do pedetista não alcançou tanta projeção.
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A conversa com Jair Bolsonaro atingiu em média 33 pontos de audiência, enquanto a entrevista de Ciro Gomes registrou 28 pontos, segundo dados do site Audiência Ao Vivo.
Veja como o mercado digeriu a entrevista com Bolsonaro aqui.
Além da taxação de grandes fortunas, outros projetos apresentados foram a renda mínima como um direito constitucional em vez de apenas um benefício e a adoção de plebiscitos para as principais decisões de governo.
No mercado financeiro, as declarações não abalaram a trajetória do Ibovespa. Até às 11h51, o principal índice de ações operava com uma alta de 0,76%, aos 113.710 pontos. “A entrevista acaba repercutindo pouco porque ele está mal nas pesquisas”, diz Goulart. “O Ciro é um cara que ainda está à procura do público dele.”
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Thiago de Aragão, diretor de estratégia da Arko Advice, viu o desempenho do pedetista como razoável. Além disso, as propostas econômicas mais polêmicas devem azedar ainda mais a relação de Ciro com os agentes de mercado – que já não são tão simpáticos à candidatura dele.
“Ciro apostou em discurso antipolarização, apresentou propostas polêmicas, mas não deve ganhar pontos”, afirma Aragão.
Já para Álvaro Bandeira, economista e consultor financeiro, Ciro é um político e administrador experiente. Entretanto, ao mesmo tempo que apresenta propostas importantes, também traz ideias consideradas muito ‘arriscadas’.
“O Ciro é um político interessante, fez um bom governo na época em que foi governador do Ceará e teve boa presença (na entrevista)”, diz Bandeira.
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André Perfeito, economista-chefe da Necton, acredita que o pedetista conseguiu cumprir a estratégia de campanha e atingir principalmente o público indeciso. “Conseguiu passar a impressão de que é alguém que tem um projeto. Você pode discordar ou não das ideias, mas o projeto está lá. Talvez seja isso que as pessoas que estão em dúvida estejam procurando”, afirma o especialista.
Na quinta-feira (25), será a vez do candidato do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ser sabatinado. Por último, na sexta-feira (26), Simone Tebet (MDB) finaliza a primeira rodada de entrevistas com presidenciáveis.
Leia na íntegra a opinião dos analistas:
Mario Goulart, analista de investimentos
“O Ciro é um cara que ainda está à procura do público dele. Ele achou em algum momento que com o Lula fora da jogada em 2018 seria ele o ungido da esquerda, e não foi. Ele não sabe se ataca o PT, se tenta posar de centro-esquerda, fica um negócio meio “perdido”.
A entrevista acaba repercutindo pouco porque ele está mal nas pesquisas, então o mercado nem se importa muito com que o Ciro fala, apesar de ele ter algumas ideias interessantes. Por exemplo, ele é um dos poucos candidatos que fala muito sobre desindustrialização do Brasil. O dado trazido é um pouco exagerado, mas ele aponta uma tendência que é real.
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O resto da conversa dele vai muito em direção a propostas populistas que ninguém sabe direito como seriam colocadas em prática. Um item de um populismo meio rasteiro é a tal da taxação de grandes fortunas, um cadáver insepulto que está na constituição desde 1988. Quando se tenta uma algo desse tipo, o único resultado que provoca é fuga de capitais. O capital é organizado, estruturado e sabe o que fazer, esse é o tipo de conversa populista que não leva a lugar nenhum.
Ele também disse que não fará “toma lá, dá cá” com o Centrão, mas não tem como governar nesse sistema de presidencialismo de coalizão sem fazer um “toma lá, dá cá” com forças mais expressivas. Normalmente, o Centrão elege a maioria dos deputados e, historicamente, quem irritou o Centrão foi defenestrado da presidência – como Fernando Collor e Dilma Rousseff.”
Thiago de Aragão, diretor de estratégia da Arko Advice
“Ciro apostou em discurso antipolarização, apresentou propostas polêmicas, mas não deve ganhar pontos.
Segundo presidenciável sabatinado pelo Jornal Nacional (JN), o ex-ministro teve um desempenho razoável na entrevista de ontem. A sabatina com Ciro teve menos ataques por parte dos jornalistas William Bonner e Renata Vasconcellos em comparação à entrevista com o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Outro aspecto importante da entrevista é que Ciro apresentou propostas econômicas polêmicas, o que tende a gerar uma reação negativa nos agentes do mercado que já não possuem muita simpatia por sua candidatura. Por outro lado, tais propostas podem agradar ao eleitor de menor renda, que hoje majoritariamente declara voto no ex-presidente Lula (PT).”
Álvaro Bandeira, economista e consultor financeiro
“O Ciro é um político interessante, fez um bom governo na época em que foi governador do Ceará e teve boa presença (na entrevista). Ele tem algumas ideias interessantes e outras ideias que parecem arriscadas demais, como tributar grades fortunas, que é um problema sério porque aí o dinheiro vai embora.
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Enfim, ele teve boa presença e deve ganhar alguns pontinhos na pesquisa eleitoral. Ele também tem uma postura desequilibrada algumas vezes, o que prejudica um pouco ele, mas é uma pessoa competente. Não só teve bom desempenho no governo do Ceará, como no cargo de ministro, inclusive, quando foi muito bem.
Contudo, o destempero em algumas ocasiões prejudica um pouco ele e traz certo risco à candidatura, caso seja eleito presidente. Os mercados enxergam isso como um problema, mas ele é competente, um político e administrador experiente.”
Vitor Miziara, sócio da Criteria Investimentos
“A sabatina do Ciro no JN não faz peso no mercado pra nenhum lado já que o mercado financeiro dá como zero a chance dele ganhar, então as propostas, promessas e outras não são precificadas. Seria uma surpresa e ai um evento inesperado a vitória dele, e ai sim o mercado correria para ajustar prêmio e risco.”
Pedro Paulo Silveira, diretor de gestão de investimentos da Nova Futura Investimentos
“A participação de Ciro no JN teve efeito neutro sobre o mercado. Como ele está fora do páreo, sua performance afeta pouco o cenário eleitoral. Se ele tivesse chances, seu programa produziria ebulição no risco-país, dada sua toxicidade. Mas como ele é visto como um candidato sem chance, as suas propostas são vistas apenas como parte do folclore político nacional.”
André Perfeito, economista-chefe da Necton
“Foi uma entrevista bastante cordial, que destoa muito da primeira entrevista da série do JN. Isso permitiu que alguns assuntos fossem abordados com maior profundidade. A entrevista com o presidente Jair Bolsonaro foi bastante tensa, para dizer o mínimo.
O segundo ponto é que o Ciro traz alguns elementos que já eram conhecidos dele. Ele vai falar muito sobre como pretende administrar politicamente o país, sobre aquela estratégia de propor na campanha, usar os seis primeiros meses (para propor reformas), depois fazer pacto com governadores e municípios, a ideia de utilizar plebiscitos em caso de impasse e não buscar reeleição.
É interessante, mas para o mercado fica um sentimento de dúvida a respeito da eficácia disso. Não se sabe direito se irá funcionar ou não, mas pelo menos ele desenhou alguma coisa, o que é importante.
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Ele fala depois da tributação de grandes fortunas. As pessoas que têm patrimônios acima de R$ 20 milhões seriam cobradas em 0,5% para conseguir garantir a unificação dos programas sociais (renda mínima de R$ 1 mil). O mercado tende a não gostar de aumento de impostos, mesmo que sejam aumentos de tributos sobre os super ricos, porque a discussão toda de reforma tributária é muito complexa e isso não ficou evidente ali (na entrevista).
Não tem problema, exatamente, em aumentar a tributação de algum setor desde que você desonere outro. Não tem problema em tributar lucro e dividendos e grandes fortunas, se for feita também uma mudança no IRPJ, que é o imposto de renda de pessoa jurídica. Então ele fala que quer aumentar imposto, mas não fala exatamente o que será feito no resto, fica a sensação que é só subir tributação.
E nos últimos momentos da entrevista ele soltou a questão da ‘lei anti-ganância’, que é a ideia de que se o devedor pagar duas vezes e meia o saldo que pegou emprestado, a dívida é entendida como quitada. Ele jogou isso nos últimos minutos, deu nem para entender direito o que ele falou. Isso foi uma bomba que o Ciro colocou e não ficou claro como seria feito.
No geral, acho que ele foi bem-sucedido na estratégia dele. Ele quer pegar votos do Lula e do Bolsonaro, e se colocou de um jeito que é possível pensar que ele conseguiu atingir os indecisos. E ao criar um clima mais tranquilo na entrevista, conseguiu passar a impressão de que é alguém que tem um projeto. Você pode discordar ou não das ideias, mas o projeto está lá. Talvez seja isso que as pessoas que estão em dúvida estejam procurando.”
*Colaboração de Abel Serafim