- Com a taxa Selic em 13,75%, muitos investidores deixaram negócios mais arriscados no mercado de ações e apostaram em renda fixa e crédito privado
- Com os juros altos por bastante tempo, as empresas menos saudáveis passaram a sofrer após os investidores terem prejuízo também com renda fixa e crédito privado
- Ao investidor, cabe analisar quais empresas têm volume suficiente para enfrentar este momento de fragilidade e apostar em crédito privado seguro
Nas últimas semanas, tenho investido o meu tempo na análise e entendimento do mercado de crédito no Brasil. Aproveito essa oportunidade para dividir com vocês um pouco das minhas reflexões e os caminhos que podemos vivenciar de agora em diante.
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Primeiro, precisamos entender o pano de fundo macroeconômico que nos trouxe até aqui. O Brasil, como o resto do mundo, vivenciou um período de inflação alta no pós-pandemia.
Essa inflação alta, em um contexto de enorme expansão fiscal, levou a uma responsável reação dos bancos centrais, na forma de aperto das condições monetárias, ou seja, através da alta das taxas de juros.
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No Brasil, a Taxa Selic saiu de 2% para 13,75%. Este movimento foi rápido e acentuado. Sua direção pode ter sido esperada, mas sua magnitude e velocidade acabou surpreendendo grande parte do mercado e da economia real.
O crescimento do País mostrou boa reação após a pandemia, mas às custas de gastos fiscais enormes e uma consequente deterioração das contas públicas. Na ausência de um arcabouço fiscal claro e crível, essa deterioração fiscal afeta negativamente as expectativas de inflação. Isso força o Banco Central a manter os juros mais altos, por mais tempo, para que as expectativas não contaminem a inflação corrente e futura.
Este é um breve e superficial contexto econômico. Do ponto de vista de mercado, a queda da taxa Selic para 2%, em um primeiro momento, empurrou o investidor para ativos de mais risco, em busca de retornos maiores, como o mercado de ações. À medida que a taxa de juros voltou a subir, os investidores amarguraram perdas expressivas no mercado de ações e acabaram, mais uma vez, “empurrados”, mas desta vez para fora do mercado de ações.
Com a taxa de juros mais elevada, os investidores, em muito liderados pelos assessores de investimentos e pelas plataformas de investimentos, buscaram refúgio no mercado de renda fixa e crédito privado, visto como classes de ativos mais “estáveis” e “consistentes”.
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Este movimento ocorreu em um contexto de “financial deepening”, onde o setor corporativo passou, cada vez mais, a depender do mercado de capitais para financiar os seus negócios e o seu dia a dia. Assim, vimos uma enorme expansão da oferta de crédito privado (debêntures, CRIs, CRAs, LCIs, LCAs, entre o outros), além de uma relevante captação de fundos desta classe de ativo.
Quando há um aumento expressivo de demanda por uma classe de ativo, a teoria econômica diz que o seu preço deve subir. Neste caso, uma alta de preços significa captação de recursos via produtos de crédito a taxas e spreads mais baixos para quem está do outro lado da mesa, ou seja, o setor corporativo, as empresas que buscam recursos no mercado de capitais.
Até este momento, o ambiente parecia oportuno e construtivo para todos os lados. Os investidores tinham uma vasta oferta de produtos de crédito e renda fixa, e as empresas estavam captando recursos com spreads mais baixos. Todavia, a maré passou a virar em fins de 2022.
Os juros elevados começaram a afetar a saúde financeira de empresas menos saudáveis e/ou mais alavancadas; a economia do País mostrou evidente desaceleração do crescimento; ausência de uma visibilidade fiscal reduziu a probabilidade de uma queda da Taxa Selic este ano; e o Brasil foi vitima de uma das maiores fraudes corporativas da historia.
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Os investidores locais, depois de amargarem enormes prejuízos na Bolsa, passaram a ver prejuízos em seus investimentos em renda fixa e crédito privado. Em uma situação já fragilizada, iniciaram um processo de venda de ativos dessa classe e/ou resgates de fundos deste mesmo nicho de mercado. Consequentemente, passamos a ver ajustes de preços negativos nesta classe de ativo.
Neste momento, vejo o mercado de crédito através de duas óticas. A primeira, é a ótica fundamentalista. Empresas saudáveis e robustas serão capazes de atravessar mais esta tormenta. Empresas alavancadas, e/ou em setores mais frágeis, e/ou com uma saúde financeira instável ou frágil, poderão não sobreviver.
Da ótima técnica, o mercado ainda precisará digerir este ambiente descrito a acima. Este pano de fundo, que ainda é fluido, porém incompleto, irá gerar distorções de preços, com vendas forçadas de ativos saudáveis ou não. O mercado ainda parece no meio deste processo e ajustes adicionais de preços ainda devem ocorrer.
Se o curto prazo ainda merece atenção e cautela, são nesses momentos em que grandes oportunidades de alocação nesta classe de ativo acabam surgindo. A última dessas oportunidades foi no auge da pandemia, quando empresas extremamente saudáveis viram seus papéis operando a preços e spreads extremamente atrativos.
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Acredito que empresas robustas terão capacidade de navegar neste ambiente. Empresas fragilizadas, irão ficar pelo caminho. O desafio do investidor ou alocador é exatamente saber identificar ou diferenciar estas empresas.
Do ponto de vista do “timing” para essa alocação parece estarmos ainda migrando do final do primeiro tempo para o começo do segundo tempo desta partida. Oportunidades já são evidentes, mas a parte técnica ainda pode ser um vetor de pressão neste mercado.
Como é extremamente difícil acertar pontos de inflexão, o ideal é que as alocações sejam feitas de maneira gradual. Os primeiros passos deste processo já podem ser dados, com parcimônia.