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Mercado

Ibov tem um dos piores “fevereiros” em 22 anos. O que motivou a queda?

Queda de braço entre governo e Banco Central em fevereiro e recessão nos EUA reforçaram a queda de 7,5% no mês

  • O Ibovespa fechou o mês do Carnaval sem festa: teve a pior performance em 22 anos, com exceção do desempenho em 2020, por conta da pandemia
  • Nas últimas semanas, os investidores acompanharam as novas estimativas para a “taxa terminal de juros” nos EUA. Segundo o Bank Of America (BofA), no final do ciclo de aperto monetário, o país deve ter juros entre 5,25% e 5,5% ao ano
  • Se o cenário externo já não foi das mais favoráveis, a conjuntura interna selou a performance negativa do Ibovespa em fevereiro. A queda de braço entre o governo e o Banco Central preocupou investidores, que temem alguma forma de intervenção na política monetária

O Ibovespa fechou o mês do Carnaval sem festa: o índice registrou uma baixa de 7,49% em fevereiro, aos 104.931,93 mil pontos. O valor representa a pior marca já registrada no mês em 22 anos, com exceção do ano de 2020, quando as restrições sanitárias para conter a pandemia de covid-19 paralisaram o mundo e provocaram quedas generalizadas nos mercados globais.

Por trás dos dados coletados por Einar Rivero, do TradeMap, está o aumento das incertezas no cenário global e doméstico. Nas últimas semanas, os investidores acompanharam as novas estimativas para a “taxa terminal de juros” nos EUA. Segundo o Bank Of America (BofA), no final do ciclo de aperto monetário, os Estados Unidos devem ter juros entre 5,25% e 5,5% ao ano, o maior patamar desde 2007. Hoje, a banda está entre 4,5% e 4,75% ao ano.

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Como consequência da crise econômica causada pelo coronavírus, o país liderado por Joe Biden enfrenta uma inflação que chega aos 6,4% em 12 meses, a maior em 40 anos. A subida de juros feita pelo Federal Reserve (Fed, banco central americano) é uma tentativa de jogar um balde de água fria na economia e, com isso, conter o aumento acelerado dos preços pela diminuição do consumo e encarecimento do crédito.

Entretanto, a economia norte-americana não se rende facilmente – o que faz os agentes financeiros revisarem a taxa de juros terminal cada vez mais para cima. No início de fevereiro, por exemplo, o Payroll (relatório sobre empregos não-agrícolas dos EUA) surpreendeu a indicar que 517 mil vagas de trabalho foram criadas no país somente no mês anterior.

“Os últimos dados de varejo e emprego dos EUA ainda foram muito fortes. E esses dados fortes de atividade econômica são um fator que deve dificultar o controle da inflação por lá”, afirma Ricardo França, analista da Ágora Investimentos. “Imaginava-se que o processo de alta de juros já teria tido algum efeito na economia, mas ainda não vimos isso.”

Além de engrossarem as preocupações em torno de uma possível recessão na principal economia do mundo, juros mais altos também impactam negativamente os demais mercados. Com os títulos do tesouro americano rendendo cada vez mais, os ativos de risco globais perdem a atratividade, principalmente aqueles ligados a países emergentes, como o Brasil.

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“Começamos o ano com aquele otimismo excessivo, com o mercado achando que os EUA já iam finalizar a alta de juros. Contudo, os dados econômicos foram diferentes do esperado. O posicionamento e falas dos dirigentes do Fed também foram outras”, afirma Gustavo Cruz, estrategista chefe da RB Investimentos.

Essa também é a visão de Matheus Spiess, analista da Empiricus Research. “Neste contexto de continuidade de aperto monetário nos EUA, não podemos deixar de pensar em um mundo de inflação persistentemente elevada. Isso vai requerer uma recessão (por conta de aumentos de juros), que não está nos preços dos ativos atualmente. Por esse motivo, fevereiro foi mais difícil que janeiro para os ativos de risco”, afirma.

Ainda no cenário internacional, os investidores monitoram a continuidade do processo de reabertura da China. A gigante asiática parece estar abandonando a política de “covid zero”, que na prática significava a adoção de restrições sanitárias severas para conter casos de infecção. O fim das restrições é visto com bons olhos pelo mercado, mas a retomada deve ser gradual.

Na última sexta-feira (24), a guerra entre Rússia e Ucrânia completou 1 ano, ainda sem sinais claros de término. As tensões entre China e EUA também se intensificaram neste mês, quando os caças derrubaram um suposto balão espião chinês que sobrevoava o território americano.

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“O contexto do balão gera novos atritos entre EUA e China, o que é negativo para os mercados globais. Em relação à guerra na Ucrânia, continuamos sem prazo para acabar, o que também é negativo para o prêmio de risco dos ativos”, afirma Spiess.

As principais bolsas de Nova York fecharam fevereiro com quedas.

 

Cenário doméstico

Se o cenário externo já não foi das mais favoráveis, a conjuntura interna selou a performance negativa do Ibovespa em fevereiro. A queda de braço entre o governo e o Banco Central preocupou investidores, que temem alguma forma de intervenção na política monetária.

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No início de fevereiro, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) manteve a taxa básica de juros Selic em 13,75% ao ano. Os cortes nos juros são um acontecimento cada vez mais distante, face ao aumento do risco fiscal e perspectivas de inflação mais alta.

O pacote econômico para ajuste das contas públicas apresentado pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad não convenceu o mercado, que ainda aguarda o novo arcabouço fiscal, que deve ser divulgado em março.

“Criou-se uma expectativa em relação à apresentação do arcabouço. A preocupação é quanto a viabilidade dessa nova regra”, afirma França. “Vimos volatilidade causada por esses fatores, somada a um cenário externo mais negativo, que resultou nessa realização do Ibov em fevereiro.”

Nesta toada, durante o mês o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não poupou críticas aos juros altos e à gestão de Roberto Campos Neto no BC. Para o líder do PT, a culpa pela taxa Selic estar elevada é da autoridade monetária, que trabalha de forma independente para conter a inflação.

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Uma das propostas de Lula inclui elevar as metas de inflação, o que, em tese, resultaria em juros menores. Para Cruz, da RB Investimentos, a sugestão é válida, mas o temor fica relacionado às intenções por trás dela.

“Existe espaço para discutir a questão. O problema foi a forma como a proposta foi conduzida, que parece muito mais uma tentativa do Governo de colocar no Banco Central a culpa por algum problema de crescimento econômico este ano”, afirma Cruz. “Mesmo se o BC começasse a cortar juros agora, o crescimento seria menor, não faria diferença.”

Campos Neto chegou a conceder uma entrevista ao programa Roda Viva (TV Cultura) sobre a atuação da instituição e a importância da independência em relação ao governo. Sinalizou que gostaria de trabalhar junto ao Executivo, mas mesmo assim as críticas de Lula não cessaram.

Fora a questão política, por aqui também tivemos o início da temporada de balanços do 4° trimestre de 2022. Os bancos já vieram com seus resultados impactados pela crise na Americanas, que revelou um rombo de R$ 20 bilhões em janeiro, enquanto o varejo continua sofrendo pela pressão na curva de juros futura.

“O setor ligado à economia doméstica foi bastante impactado, pois são mais sensíveis aos juros altos. Por aqui, tivemos também o primeiro caso de vaca louca no Pará, o que fez o Brasil suspender as exportações de carne bovina para a China”, afirma Marcelo Boragini, sócio da Davos Investimentos e especialista em renda variável. O fim desta nova leva de demonstrações financeiras deve ocorrer em março.

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