- Enquanto o IPCA reflete apenas a inflação do varejo, a cesta do IGP-M também inclui os preços da indústria, agronegócio e construção civil, que sofrem reflexos com a variação do dólar
- O comportament volátil do IGP-M tem feito o índice ser colocado de lado pelas empresas que precisam emitir dívida para captar recursos. Por isso, há poucos investimentos atrelados ao IGP-M hoje
- Projeções indicam que os dois índices devem voltar a convergir dentro de alguns anos. Mesmo assim, aposta no IGP-M é complexa e traz risco ao investidor
Um dos mais importantes índices de inflação do País, o IGP-M (Índice Geral de Preços – Mercado) registrou uma variação de 24,25% nos últimos doze meses. Enquanto isso, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulou alta de 3,25% no mesmo período.
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Enquanto nos contratos de locação, o IGP-M ainda é o índice mais utilizado para cálculo do reajuste dos aluguéis, quem dá as cartas nos investimentos em geral é o IPCA. Atualmente, a oferta de produtos atrelados à inflação que usam o IGP-M como indexador é muito limitada.
Veja a seguir por que o IGP-M está à frente e o que isso significa para quem possui papéis atrelados a ele.
Composição do IGP-M explica maior volatilidade
Para entender por que o IGP-M se descolou tanto do IPCA é preciso analisar as composições de cada um desses índices. O IPCA reflete a inflação do varejo, já que consolida a variação dos preços de vários itens consumidos pelas famílias. Já o IGP-M é composto por outros três índices, cada um com peso diferente.
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A inflação do varejo está presente, mas responde por apenas 30%, por meio do IPC. O peso maior, de 60%, fica com o IPA, que capta os preços no setor atacadista, e os 10% restantes são do INCC, que observa os preços da construção civil.
Ricardo Vasconcellos, head de mercado de capitais da Easynvest, explicou, em entrevista no mês de agosto de 2020 que o setor atacadista, que contém a indústria e o agronegócio, é particularmente sensível à variação do dólar, que se reflete nos preços de commodities e combustíveis, por exemplo.
Como a moeda norte-americana se valorizou muito a partir do final de 2019 e após o início da pandemia de coronavírus, isso se refletiu na variação do IGP-M. “A variação do IGP-M seguia uma trajetória negativa até o final de 2019, mas o jogo virou. Quando o dólar sobe, o IGP-M sobe também. Já o IPCA tende a ser menos volátil e mais estável”, afirma.
Oferta de produtos atrelados ao IGP-M é limitada
Na prática, a oferta de investimentos atrelados ao IGP-M é bastante escassa. O Tesouro Direto já ofereceu um papel de inflação com esse indexador, a NTN-C, mas sua venda foi interrompida em 2006. Alguns desses papéis ainda têm vencimentos em 2021 e 2031, mas seu volume é pequeno.
“Eles respondem por um volume de cerca de R$ 131 milhões. É menos de 10% do total investido em títulos referenciados à Selic e apenas 3% do total em títulos públicos em geral”, diz Michael Viriato, professor de finanças do Insper em entrevista no mês de agosto de 2020.
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Em tese, esses papéis podem ser encontrados no mercado secundário, caso sejam revendidos antes dos respectivos vencimentos, mas essa é uma hipótese que Viriato considera pouco provável. “Não há muitos investidores do varejo com esses títulos. A maioria são investidores institucionais, principalmente entidades de previdência. E elas não carregam esses papéis para aproveitar a variação do IGP-M, mas porque possuem passivos referenciados a esse índice. Por isso, não devem revendê-los”, diz o professor.
A partir de 2006, o que restou foram alguns títulos de crédito imobiliário, principalmente CRIs. Mas o investidor de varejo não encontra esses papéis facilmente.
Outra forma de ter alguma exposição ao IGP-M é encontrar um fundo imobiliário de papel que tenha em sua carteira alguns CRIs atrelados ao índice. “No fundo VRTA11, por exemplo, 23% do patrimônio é formado por esses papéis”, diz Viriato.
O economista Victor Beyruti, da Guide Investimentos, explicou no mês de agosto de 2020 que o IGP-M tende a ser deixado de lado pelas empresas que precisam captar recursos para se financiar, em razão de sua volatilidade, maior que a do IPCA. “Esse índice está ficando obsoleto. Pela sua falta de previsibilidade, não é interessante para as empresas emitir dívidas atreladas a ele”, afirma.
Aposta no IGP-M é complexa
Embora hoje os dois índices tenham se distanciado por força da variação do dólar, a tendência é que essa vantagem do IGP-M se reduza nos próximos anos. “Para 2021, as projeções são de 4,15% para o IGP-M e 3% para o IPCA. Já para 2024, espera-se um IGP-M de 3,78% e um IPCA de 3,24%. No longo prazo, os dois índices tendem a convergir”, estima Vasconcellos.
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Dentro de uma estratégia de maior diversificação da carteira, pode até fazer sentido o investidor destinar alguma parte da parcela de inflação a títulos indexados ao IGP-M. Antes de decidir, porém, ele deve analisar com cuidado o horizonte de tempo desse investimento: se pretende carregar o título até o vencimento, ou já sabe que pode querer vendê-lo antes do fim do prazo.
“Existe um risco de desvalorização do dólar, em caso de melhora do cenário econômico. Nesse caso, o IGP-M volta a cair, anulando os ganhos obtidos com essa aposta”, alerta o head da Easynvest. “É uma projeção complexa de se fazer.”
Por outro lado, para quem já tem na carteira posições em IGP-M, a orientação de Vasconcellos é de permanecer com os papéis. Isso porque uma eventual venda antecipada vai esbarrar na cobrança de uma penalidade, que pode não ser favorável.
“O investidor que realizar vai até conseguir um IGP-M alto, mas o penalty pode não compensar, especialmente se o vencimento ainda estiver longe”, pondera o especialista. “Só pode valer a pena sair se o papel já estiver para vencer, considerando que ele não pagará uma multa grande na saída e a tendência do índice é cair nos próximos anos.”
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