Na avaliação do analista Gustavo Cruz, da RB, Batista tomou iniciativas relevantes no último ano e com isso a empresa apresentou avanços. Por isso, quando as Lojas Marisa anunciaram a troca do CEO no último domingo (4), Cruz foi pego de surpresa. Agora, quem assume o posto é a executiva Andrea Maria Meirelles de Menezes, especialista em finanças, estratégia, ESG (sigla para governança ambiental, social e corporativa) e inovação, com passagens por instituições financeiras como JPMorgan, Banco Cargill, Merrill Lynch e Lehman Brothers Brasil.
Segundo a varejista, a troca na gestão da companhia ocorre em decorrência do início de uma nova fase do plano de reestruturação. Uma etapa que contemplará, “dentre outros vetores”, o reposicionamento comercial da empresa.
As justificativas, entretanto, ainda não convenceram todos os analistas. Antes positiva em relação à tese, agora a RB aguarda explicações por parte das Lojas Marisa antes de emitir qualquer indicação. O balanço da Marisa relativo ao quarto trimestre de 2023 está previsto para ser divulgado em 14 de março, o que deve gerar perguntas por parte de quem acompanha o desempenho da companhia. “Eu não esperava (a saída de Batista), me incomodou porque estava vendo com muito bons olhos o que estava acontecendo com a empresa até aqui”, afirma Cruz.
Procurada pelo E-Investidor, a Marisa reforçou que, a partir de agora, a empresa inicia uma nova fase dedicada ao seu reposicionamento comercial. “Andrea Menezes é investidora-anjo há mais de dez anos e, além do background em finanças, tem uma vasta experiência em posições no C-level de empresas, com foco em governança, ESG e inovação”, disse a varejista em comunicado.
Mercado dividido sobre a troca do comando
Leonardo Piovesan, analista fundamentalista da Quantzed, também levanta questionamentos. Para ele, apesar de Menezes possuir uma experiência sólida no setor financeiro, ela não tem histórico no varejo – uma habilidade entendida como importante, tendo em vista que a próxima fase da reestruturação terá como core a questão do reposicionamento comercial. “Dado que o background da CEO não está ligado ao setor, acaba ficando um pouco incerto se essa troca de comando foi acertada”, afirma Piovesan.
A própria movimentação gera dúvidas sobre o clima organizacional da companhia em alguns investidores, como aponta Bruce Barbosa, sócio-fundador da Nord, que também espera novos informativos por parte das Lojas Marisa. Ele ressalta que há sempre o temor de, por trás de uma troca como essa, ter um problema maior. Isto é, um conflito entre o antigo CEO e os controladores. “Mas, hoje, eu não sou capaz de cravar”, afirma.
Na outra ponta, há também quem receba a notícia com mais naturalidade. É o caso de Fabio Melo, advogado do escritório Goulart Penteado Advogados, e Jean Paolo Simei e Silva, sócio do Fonseca Brasil Advogados, que atuam na área de recuperação judicial. “A movimentação por si só demonstra o interesse e dedicação da companhia em se reestruturar e se adaptar à nova realidade do mercado. A troca do CEO ocorre em conjunto com o avanço para a próxima fase do planejamento estratégico”, diz Melo.
Já Silva ressalta as experiências de Menezes como um dos fatores que devem agarrar a confiança dos investidores. “Seu percurso sugere não apenas uma habilidade náutica em finanças, mas uma visão panorâmica que transcende o horizonte imediato – uma visão que será inestimável na travessia da Marisa pela odisseia do varejo contemporâneo.”
Etapas vencidas, desafios à frente para a Marisa
A primeira fase do plano de reestruturação da Marisa foi anunciada em março do ano passado. A proposta era fazer o fechamento de 92 de lojas que possuíam lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda) negativo, enxugamento do quadro de pessoal e renegociação com fornecedores.
Quatro meses depois, em julho, a varejista anunciou a conclusão de “etapas relevantes” desta parte do plano, com o fechamento de 88 lojas cujo custo com rescisão de contratos chegou a R$ 44,5 milhões. O encerramento destes estabelecimentos deve representar, entretanto, um ganho de R$ 40 milhões no exercício de 2023 e R$ 60 milhões em 2024. A companhia permanece com 246 lojas em operação.
A redução das despesas decorrentes da diminuição da estrutura administrativa da companhia, por sua vez, deve gerar um ganho de R$ 35 milhões ao ano, segundo a Marisa. Já a renegociação das dívidas alcançou 90% dos fornecedores.
“A dívida nem era tão alta, mas estava muito concentrada no curto prazo, com garantia de recebíveis. Então, nenhum banco tinha muito motivo para sentar com a Marisa e renegociar”, afirma Cruz, da RB. Ele ressalta que em um ano a Marisa conseguiu reconstruir o relacionamento com bancos e fornecedores após fechar lojas e garantir Ebitda positivo.
Impacto da reestruturação para as ações
Apesar de algumas melhorias já visíveis, como o avanço da margem bruta, o tamanho do impacto destas ações ainda não são totalmente mensuráveis no médio prazo. O balanço do quarto trimestre de 2023 deve fornecer mais pistas sobre o futuro da Marisa, assim os detalhes da nova etapa da reestruturação sob a liderança de Menezes. No ano, as ações AMAR3 caem 29%, aos R$ 2,64. Em 5 anos, a desvalorização é de 90,6%.
“Não dá para cravar que esse novo plano será suficiente para reequilibrar o financeiro da Marisa. A empresa está em um setor muito difícil, que vem enfrentando uma competição forte de players como a Shein. A empresa perdeu muito a força da marca, perdeu muito share (participação) e clientes. E o plano de reequilíbrio depende muito dessa retomada da receita”, afirma Piovesan, da Quantzed.
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Barbosa, da Nord, também olha com ceticismo para a recuperação da empresa. Segundo ele, o preço das ações não parece oferecer uma grande oportunidade – os papéis não estão tão baratos assim para fazer sentido o investimento.
Já Cruz, que estava mais otimista com a tese, já não tem a mesma opinião após a troca no comando da Marisa. No final, nenhum dos especialistas consultados pelo E-Investidor indicam a compra de AMAR3. Por ora, a principal recomendação é acompanhar de perto os próximos resultados.
“O plano de reestruturação da Lojas Marisa é uma resposta, talvez tardia, a uma crise que se estende há mais de dez anos. Durante todo esse tempo a concorrência no vareja tem sido feroz e, eu diria, predatória”, afirma Ricardo Rodil, economista e líder do Mercado de Capitais do Grupo Crowe Macro. “O mercado tem reagido com enorme cautela e ‘um pé atrás’ para essas crises no setor de varejo, assistindo como as cotações das ações das empresas desse ramo literalmente derreteram.”