Educação Financeira

“Planejador financeiro não será substituído pela IA”, diz CEO por trás da certificação CFP, em entrevista exclusiva

Dante De Gori explica como a psicologia financeira entrou nos currículos para incluir os desafios do mercado financeiro e da tecnologia

“Planejador financeiro não será substituído pela IA”, diz CEO por trás da certificação CFP, em entrevista exclusiva
Dante De Gori, CEO da Financial Planning Standards Board (FPSB), entidade responsável pela certificação CFP de planejadores financeiros. (Foto: Camila Nicoletti) (Foto: Camila Nicoletti)
  • Democratizar o acesso à assessoria de investimentos profissional é um desafio que sempre existiu, mas, de uns tempos para cá, deixou de ser o único ponto no radar dos profissionais e das instituições formadoras
  • O currículo do CFP, do inglês Certified Financial Planner, tem se modificado para incluir na formação dos profissionais de planejamento financeiro os dilemas que a digitalização do mercado e o uso de tecnologias, como inteligência artificial, trouxeram à profissão
  • Em entrevista ao E-Investidor, CEO da Financial Planning Standards Board explica como a psicologia financeira entrou nos currículos para entregar profissionais mais qualificados ao mercado

O Brasil possui cerca de 10 mil profissionais com a certificação CFP, do inglês Certified Financial Planner, um selo que prepara o profissional para o exercício da atividade de planejador financeiro. Ainda que esse número venha em expansão, pode parecer pequeno diante da difícil missão de se oferecer educação financeira de qualidade à quantidade de investidores do mercado de capitais brasileiro. Especialmente em um contexto de busca por enriquecimento rápido, vício em bets e finfluencers.

Democratizar o acesso à assessoria profissional é um desafio que sempre existiu, mas de uns tempos para cá deixou de ser o único ponto no radar dos profissionais e das instituições formadoras. O currículo do CFP tem se modificado para incluir na formação do planejador financeiro os dilemas que a digitalização do mercado e o uso de tecnologias, como inteligência artificial (IA), trouxeram à profissão.

Mas engana-se quem pensa que é o domínio das ferramentas tecnológicas que estão sendo incluídas no currículo. “As mudanças fundamentais que têm acontecido no nosso currículo não são em relação aos produtos de investimento, mas ao que chamamos de psicologia no planejamento financeiro”, explica Dante De Gori, CEO da Financial Planning Standards Board (FPSB), entidade responsável pelo gerenciamento da marca CFP globalmente. “O que estamos descobrimos é que a tecnologia dará mais tempo aos planejadores financeiros, a questão agora é o que eles vão fazer com isso. O planejador financeiro não será substituído pela IA, mas os que não usam a ferramenta serão substituídos por aqueles que a utilizam.”

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De Gori veio ao Brasil em outubro para o Congresso Internacional Planejar 2024 e conversou com o E-Investidor sobre os desafios para ampliar a educação financeira em mercados como o Brasil. Confira os principais trechos da entrevista:

E-Investidor – O Brasil tem vivido um problema de economia causado pelas casas de apostas online. Pessoas estão viciadas, se endividando e há recursos saindo até de programas de assistência social para essas plataformas. A impressão que temos é que, cada vez mais, há uma busca por formas fáceis de se enriquecer rapidamente. Qual a sua análise desse cenário?

Dante De Gori – O problema das apostas e jogos de azar online não ocorre somente no Brasil e também não é algo novo. A novidade está na facilidade do acesso a isso. Houve também a ascensão do que chamamos finfluencers, celebridades e outras pessoas usando as redes sociais para potencialmente vender ou influenciar pessoas a entrarem nas plataformas, seja apostando ou investindo online. O avanço digital se dá muito rápido, mas a regulamentação, as salvaguardas e a educação do investidor são muito lentas. Não há uma solução perfeita, mas recorrer a profissionais qualificados pode ajudar.

Se eu pudesse usar uma analogia para as apostas, seria com aquele primeiro momento da explosão do bitcoin e das criptomoedas. À época, aprendemos duas coisas principais: que as plataformas online dão acesso mais fácil para investir, o que é muito bom, mas deixam a divisão entre o que pode ser considerado investimento e o que é aposta mais confusa. Isso aconteceu com as criptos, porque investidores sentiam que estavam ficando de fora de alguma coisa ao ver outros ganhando dinheiro. Muitos players entraram no mercado para capitalizar esse sentimento e criar ativos falsos para tirar vantagem.

Mas havia um problema mundial: muitos reguladores ao redor do mundo não permitiam que planejadores e consultores financeiros licenciados sequer dessem conselhos sobre criptomoedas. E, na ausência disso, as pessoas estavam confiando apenas em influenciadores ou obtendo suas informações de outras fontes não confiáveis. É um problema que está sendo corrigido aos poucos, mas um dos nossos desafios consiste em preencher essa lacuna entre a velocidade da digitalização dos investimentos e o aconselhamento profissional para apoiar a proteção do consumidor.

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Esse é o maior desafio dos planejadores financeiros hoje?

Penso que ampliar o acesso ao aconselhamento profissional sempre foi um problema, porque, primeiro, é preciso ter profissionais de CFP suficientes, mas o treinamento e a experiência necessários para obter a certificação CFP mostram que ela também não é necessariamente acessível a todos devido ao preço. São desafios que já existem há muito tempo, mas que se ampliaram com a digitalização porque existe muito mais acesso à informação. O problema é que, muitas vezes, o público não consegue distinguir entre o que é real e o que não é, e as pessoas estão perdendo poupanças de uma vida inteira por seguirem conselhos ou recomendações de fontes não confiáveis.

Ao mesmo tempo que é o desafio, também configura uma oportunidade dos profissionais do CFP desempenharem um papel de conselheiro de confiança para as pessoas, analisando, a partir da situação do cliente, qual a melhor abordagem. Muitas vezes, não significa dizer para não jogar nas bets ou não comprar criptomoedas, mas ajudar a gerenciar o portfólio para dizer: ok, se você realmente deseja fazer isso, não gaste mais do que um valor X porque estamos protegendo seus investimentos e garantindo que você não colocará em risco a sua casa, sua família, suas economias de vida. É aí que entra um profissional.

As pessoas acham que vamos indicar a aposta certa, quais ações comprar, esse tipo de coisa; mas não se trata disso. Não estamos apostando contra o mercado, mas construindo um plano financeiro para garantir que você tenha uma estratégia sustentável ao longo do tempo e não uma solução rápida.

Como o processo de formação dos profissionais têm se adaptado para entregar ao mercado planejadores capacitados para lidar com esses dilemas?

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Essa também é uma pergunta que nos fazemos o tempo todo no FPSB, dado que uma de nossas funções consiste em analisar o perfil de competências e os padrões que os profissionais de CFP precisam aderir e seguir para revisar nossos requisitos de certificação. Mas o processo continua o mesmo. As mudanças fundamentais que têm acontecido no nosso currículo, e que tem a ver com esse impacto da digitalização e o uso da inteligência artificial no mercado, não estão relacionadas aos produtos de investimento, mas ao que chamamos de psicologia no planejamento financeiro. Acreditamos que a tecnologia vai ajudar muito no processo que tinha que ser feito manualmente, planilhas etc. A inteligência artificial irá, ao avançar, tornar isso acessível a qualquer pessoa. Pode não ser um planejamento financeiro tão personalizado, mas ainda assim muito bom; achamos que a IA chegará a esse ponto. Mas as pessoas ainda são pessoas e reagem às informações de maneira diferente.

Portanto, o papel do planejador financeiro será entender isso, a psicologia, a ciência comportamental do cliente para ajudá-lo a implementar e acompanhar o plano financeiro, podendo adaptá-lo conforme as circunstâncias mudem. Os profissionais ainda precisam conhecer o lado técnico, claro, mas o que eles também estão aprendendo agora é este domínio da psicologia financeira. Uma máquina nunca será realmente capaz de fazer isso. O que estamos descobrimos é que a tecnologia dará mais tempo aos planejadores financeiros, a questão é o que eles vão fazer com isso. Aqueles que se envolvem nas finanças comportamentais terão um desempenho melhor.

Então não há um receio de que a IA substitua o papel dos profissionais?

O planejador financeiro não será substituído pela IA. Mas quem não usa a ferramenta será substituído por aqueles que a usam. Esse é o ponto. Usar IA, isso por si só, não fará de você um planejador financeiro melhor. É o que você faz com o tempo que agora tem disponível para trazer benefícios para o seu cliente.

Não é raro ver casos de investidores perdendo dinheiro por conselhos de profissionais pouco capacitados no mercado. Por que é importante valorizar a certificação CFP?

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Há algumas razões para isso. Ainda existe a ambição de muitas pessoas dentro da indústria, que desejam alcançar os mais altos padrões possíveis; e é isso que a certificação oferece. Número dois, diferenciação. O Global Appel é um símbolo reconhecido em 28 territórios, uniformizado nas normas e nos requisitos e indica que as qualificações são internacionais. Para mim, isso proporciona todas aquelas coisas que eu acho que são realmente saudáveis ​​para um profissional. O Brasil tem sido um dos nossos mercados que mais cresce em termos de certificação, com mais de 10 mil profissionais com a certificação CFP. Nos EUA, já são 100 mil.

Para o consumidor, é uma marca que está se tornando muito reconhecida e confiável. Se ele se perguntar em quem deve confiar as finanças e economias, com quem deve falar, a certificação CFP dá aos profissionais algo para tentar se diferenciar em um mercado muito complicado.

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