

O Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional, no fim do ano passado, a cobrança do ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), o chamado imposto sobre herança, em planos de previdência privada. Na época, no entanto, ainda existia uma dúvida se a medida teria efeitos retroativos – ou seja, se seria aplicada para valores já cobrados dos contribuintes.
A boa notícia chegou ao final de fevereiro: a Corte decidiu, por unanimidade, que os herdeiros podem sim receber de volta os impostos recolhidos indevidamente. O STF recusou o pedido do Estado do Rio de Janeiro, que havia solicitado que a decisão só tivesse efeito em casos futuros – o que, em termos jurídicos, é conhecido como “modulação dos efeitos”.
Na visão da Corte, esse processo de modulação somente se justifica se estiver indicado e comprovado “gravíssimo risco irreversível à ordem social”. O recurso apresentado pelo Rio não continha, na visão do STF, uma indicação concreta nem específica desse risco. O relator do caso, ministro Dias Toffoli, também relembrou que o Código Tributário Nacional e o Código Civil já apresentavam entendimentos semelhantes com a tese fixada agora.
O que é o ITCMD?
O ITCMD é um imposto estadual cobrado, como seu próprio nome sugere, em caso de herança e doação. Em algumas regiões, ele também é conhecido como ITCD. “Toda vez que você tem um um falecimento e os herdeiros abrem um inventário, seja ele judicial ou extrajudicial, aquele patrimônio vai sofrer a tributação deste imposto, que é de competência estadual”, explica Mérces da Silva Nunes, sócia do Silva & Nunes Advogados e especialista em Direito de Família, Estratégias Sucessórias e Direito Tributário.
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Atualmente, cada Estado brasileiro tem autonomia para definir as próprias alíquotas, que podem ser fixas ou graduais. Luiz Felipe Baggio, cofundador da Evoinc e especialista em Planejamento Sucessório, Proteção Patrimonial e Family Office, explica que hoje a porcentagem mínima de ITMCD corresponde a 2% e a máxima a 8%. Em São Paulo, por exemplo, o imposto é de 4%.
Dentro da reforma tributária, existe uma proposta para que ocorra a unificação nacional da alíquota do imposto, que passaria a ter cobrança progressiva com um teto máximo de 8%. Cada Estado, no entanto, teria autonomia para definir quais porcentagens seriam aplicadas sobre cada faixa de patrimônio. Nesta matéria, explicamos quem pode pagar mais ou menos tributos com a mudança.
O passo a passo para pedir o seu dinheiro de volta
Advogados explicam que há dois caminhos para solicitar a devolução dos valores cobrados de ITCMD em planos de previdência: o administrativo e o judicial. No primeiro caso, o pedido de restituição é feito junto à Secretaria da Fazenda do Estado que aplicou o imposto. Já no segundo, o contribuinte entra com uma ação judicial conhecida como “repetição de indébito”, que nada mais é do que pedir de volta valores cobradores indevidamente.
Vale, no entanto, uma observação: o contribuinte só pode pedir o ressarcimento de impostos pagos nos últimos cinco anos. Ou seja, se uma pessoa entrar com esse tipo de pedido em março de 2025, por exemplo, ela só poderá solicitar a restituição dos valores que pagou de março de 2020 para cá.
“O prazo de prescrição é para ela entrar com a ação. A partir do momento que a pessoa faz isso, não importa quanto vai demorar na Justiça. Ela vai receber esse valor com correção monetária e juros de mora que são contados a partir da citação”, destaca Nunes.
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Baggio, da Evoinc, explica que, caso o contribuinte opte pela via administrativa, primeiro ele deve reunir documentos, como comprovantes de pagamento do imposto, contrato do plano de previdência e certidão de óbito do titular. Como a decisão do STF é recente, o especialista acredita que os resultados podem ser negativos ou positivos para o herdeiro a depender da análise do fiscal que receber o pedido. “Ao fazer a solicitação para a Secretaria da Fazenda, quem vai recepcionar esse pedido vai ser um fiscal. Ele vai olhar a documentação, analisar e tomar uma decisão sobre ressarcir ou não”, diz.
A partir daí, dependendo da resposta, o contribuinte pode recorrer na própria Secretaria ou entrar com uma ação judicial. Baggio afirma que o ressarcimento administrativo costuma ser mais rápido do que o jurídico, que pode demorar anos. “No administrativo, têm valores que você pede em um mês e já consegue no outro.”
Segundo Nunes, do Silva & Nunes Advogados, dependendo do Estado onde a ação judicial for encaminhada, é possível que o contribuinte consiga o seu dinheiro de volta em três ou quatro anos. “Quando ainda não existe um entendimento sobre uma questão, o Estado vai recorrendo, porque quanto mais tempo demorar para ele, melhor. Contudo, como houve a decisão do Supremo, que é um precedente qualificado, os Estados não tem argumento jurídico para contestar ações desse tipo, então elas podem se encerrar num tempo mais curto que o habitual”, pondera.
Decisão torna previdência privada mais atrativa
No que se refere à previdência privada, especialistas do setor veem a decisão do STF como um estímulo aos planos. “Antes, as regras de tributação dos saldos de previdência privada eram interpretadas de maneiras variadas, o que gerava incertezas para os investidores. A recente decisão estabeleceu critérios uniformes para a tributação desses recursos, auxiliando na eliminação das divergências e proporcionando maior segurança jurídica”, afirma Ludmila Corrêa, advogada especialista e sócia da Finvity, plataforma voltada ao planejamento financeiro, patrimonial e sucessório.
Julio Ortiz, CEO e co-fundador da CX3 Investimentos, tem a mesma visão. “A partir do momento que você tem o STF falando que é inconstitucional a cobrança de ITCMD, eu acho que reforça ainda mais os planos de previdência como planos de planejamento sucessório”, destaca.
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Na hora de investir na modalidade, é preciso ficar atento aos dois tipos de tributação: progressiva e regressiva. Na primeira, ao fazer o resgate, o valor é tributado em 15% e, posteriormente, o cliente faz o ajuste na declaração de Imposto de Renda (IR). Já a regressiva é baseada no tempo em que os recursos ficam aplicados no plano, sendo que quanto mais longo o horizonte do investimento, menor a abocanhada do leão, variando de 35% até dois anos a 10% em aplicações acima de dez anos. Confira as tabelas de tributação nesta matéria.
Outro ponto de atenção é o modelo do plano. No caso, existem dois: Vida Gerador de Benefício Livre (VGBL) ou Plano Gerador de Benefício Livre (PGBL). O primeiro é mais indicado para pessoas com declaração simplificada do IR. Sua tributação incide apenas sobre os rendimentos, e não sobre o valor total acumulado.
“Já o PGBL é recomendado para quem declara pelo modelo completo, uma vez que permite deduzir até 12% da renda bruta anual tributável no IR, reduzindo o imposto a pagar no momento da declaração. No entanto, no resgate do plano, a tributação incidirá sobre o total do saldo acumulado”, explica Corrêa.
Antes de investir em previdência privada, é essencial tomar alguns cuidados. O principal é entender que se trata de uma opção voltada para o longo prazo. “Se o cliente chega aqui querendo um investimento de curto ou médio prazo, não recomendamos a previdência privada. O plano é mais adequado para objetivos de longo prazo”, explica Ortiz.
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Além disso, não existe uma idade certa para pensar nesse tipo de planejamento. “Quanto antes a pessoa começar a investir em previdência privada, melhor, porque ela vai atingir seu objetivos financeiros antes. Se você começa aos 20 anos, por exemplo, no modelo regressivo, aos 30 anos, sua previdência já vai estar com uma alíquota menor de imposto, de 10%”, diz Tiago Ranalli, sócio da CX3 Investimentos.
Para Ortiz, os planos de previdência privada vieram para ajudar as pessoas a pensarem no futuro e não apenas no presente. “Eu acho que, de uma certa forma, essa decisão do STF sobre o imposto sobre herança trouxe mais uma contribuição, fortalecendo os planos de previdência e, consequentemente, o planejamento de longo prazo”, conclui.