

O pior ano da história para os fundos multimercados fez a classe de ativos se tornar uma das prioridades na pauta da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) para 2025. Depois de uma saída de R$ 356 bilhões em 2024, quase o dobro dos resgates registrados no ano anterior, a instituição agora discute internamente formas de apoiar as gestoras e a indústria em um momento delicado que não deve passar tão cedo.
As atualizações da CVM 175, com modernização nas estruturas de classes e subclasses de fundos, além de uma otimização nas taxas cobradas e flexibilizações de aportes no exterior são vistas como um primeiro avanço já implementado. Em entrevista ao E-Investidor, o diretor da Anbima, Pedro Rudge, explica que as mudanças do novo arcabouço trazem uma segurança maior ao investidor.
“Ao longo do tempo, ele deveria entender isso como uma proposta de melhor qualidade. É quase como comparar um carro velho e antigo, sem ar-condicionado, com um novo, cheiroso, mais equipado. Você vai ficar mais atraído em andar de carro de novo”, afirma.
O desafio é fazer com que o produto fundo de investimento fique mais atraente e competitivo, uma forma de melhorar a roupagem em meio ao contexto que joga contra algumas subclasses. Para isso, além da CVM 175, a Anbima mantém conversas com o Congresso para defender a redução do que chama de assimetria tributária entre os produtos de investimento.
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“O grande objetivo é que propostas similares de investimento tenham o mesmo tratamento tributário. Do contrário, acaba-se criando incentivos para uma classe específica que distorce completamente a decisão do investidor”, diz Rudge.
É o que acontece com ativos isentos, como LCIs e LCA, e CRIs e CRAs, que ganharam espaço na carteira de investidores graças à boa rentabilidade e à isenção de Imposto de Renda. Um concorrente de peso até para os fundos de renda fixa, quem dirá para os multimercados. “O investidor sempre vai preferir aquela opção que não paga imposto. Participamos muito das discussões de reforma tributária e tentamos levar ao governo caminhos para uma mudança o mais neutra possível”, afirma o executivo.
Nem todas as ideias em discussão são imediatas. Um “rebranding” também está na pauta da Anbima – um processo mais longo, mas que visa melhorar a aproximação com o investidor brasileiro, que hoje está mais ligado a criptomoedas e bets do que a produtos tradicionais tradicionais como fundos.
“Será que há uma dificuldade de entendimento do investidor em relação aos fundos e ao que a indústria se propõe? É uma reflexão de como tornar o produto mais conhecido, mais fácil e com uma experiência melhor de uso. Talvez consigamos aprender alguma coisa com alguns fenômenos recentes que eventualmente tenham algo de bom em termos de plataforma, porque eles estão conseguindo despertar o interesse das pessoas”, diz Rudge.
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Há, claro, um outro problema que a Anbima não consegue resolver. Um levantamento feito pela Economatica mostra que 75,6% dos fundos multimercados não conseguem superar o CDI em 12 meses. Em janelas maiores, o desempenho é pior: 77,1% dos ativos não superam o índice de renda fixa em 24 meses e 81,4% perdem em 36 meses.
O CDI não é o benchmark ideal, mas é o grande concorrente que vem tirando a atenção da classe de ativos nos últimos anos. Com os juros indo ao maior patamar desde 2016, o investidor fica pouco propenso a abrir mão de produtos de risco mais baixo e boa rentabilidade para voltar para uma classe de ativos que não tem conseguido entregar bons retornos, como os multimercados. É por isso que a projeção da instituição é de que a renda fixa continue sendo o carro-chefe de captação em 2025.
“Os últimos meses têm sido melhores em termos de performance para os multimercados, mas ainda não é suficiente para atrair a atenção e o desejo dos investidores dado que têm uma alternativa muito atrativa, segura, de baixa volatilidade e que paga uma rentabilidade boa”, destaca o diretor da Anbima.
A tendência de consolidação para 2025
O momento difícil para as gestoras de multimercados tem levado a indústria a um movimento de consolidação dos grandes players que, na visão da Anbima, devem continuar a acontecer em 2025. Sem maiores gatilhos que possam atrair os investidores de volta aos multimercados, grandes assets apostam em outras áreas de atuação para, assim, conseguir contrabalancear a saída de recursos e até expandir os negócios.
A Itaú Asset ilustra isso bem. Segundo dados consolidados da Anbima até janeiro, os multimercados da casa perderam R$ 28,5 bilhões nos últimos 12 meses; a 3ª maior saída de recursos da indústria. Mas, graças a uma entrada de capital de R$ 79,6 bilhões na renda fixa e ganhos em outras estratégias, conseguiu ter uma captação positiva total de R$ 69,1 bilhões. É o melhor resultado do período dentre as 1049 gestoras analisadas pela Anbima.
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“2024 foi o recorde de captação da história da Itaú Asset em 2024”, diz Stefano Catinella, diretor comercial da Itaú Asset. O executivo reconhece que a diversificação das estratégias dentro da prateleira de produtos ajuda a superar a janela ruim para multimercados, um movimento que também aconteceu em outras grandes gestoras. Agora, elas têm fôlego até para transformar o momento negativo em uma janela de potenciais aquisições.
“Casas que há 5 ou 6 anos só tinham multimercados hoje em dia têm vertical de crédito e outras frentes. Mas, entre aquelas menores e mais nichadas, é natural que aconteçam mais eventos de M&A ou até mesmo que assets como a nossa absorvam times de gestão que possam fazer sentido”, afirma Catinella.
A concentração de receita nas grandes gestoras não é uma novidade. Um estudo feito pela SulAmérica Investimentos mostra que a indústria vem se tornando cada vez mais nichada. Em 2021, 50% das receitas geradas com taxa de administração de fundos foi auferida por 10% das assets do mercado. Em 2023, a concentração caiu para 3% das gestoras: BB, Legacy, Ibiuna, Kapitalo, Spx, Brasilprev e Itaú.
E essa é uma tendência que deve continuar em 2025. Quem não tiver capilaridade para navegar por mais um ano difícil em termos de captação nos multimercados pode acabar fechando as portas.
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O estudo da SulAmérica mostra que, na última década, a indústria viveu uma dinâmica mais positiva, quando a criação de novas assets superava a “destruição”. Muito disso está atrelado às janelas de Selic baixa, quando uma performance melhor do segmento levou a um crescimento expressivo desse mercado. Em 2023, empatou. Em 2024, a diminuição da quantidade de gestoras supera em muito a abertura de novos negócios. “Algumas possivelmente estão encerrando por completo”, destaca a pesquisa.
Isso também vem acontecendo de forma relevante no número de fundos multimercados disponíveis no País. Dados levantados por Einar Rivero, sócio-fundador da Elos Ayta Consultoria, mostram que a mortandade de 2024 foi a maior dos últimos 9 anos. Ao todo, 1966 fundos multimercados foram encerrados, um percentual de 13,5% do total da indústria. Em termos comparativos, a mortandade de fundos de ações foi de 7,1% no último ano; na renda fixa, de 2,8%.
Para Pedro Rudge, da Anbima, trata-se de um processo de ‘seleção natural’ depois de anos de expansão dos fundos multimercados. E que não deveria causar espanto – nem preocupação – se continuar a acontecer ao longo de 2025. “Há um tamanho mínimo de empresa ou fundo que, abaixo disso, não faz sentido continuar. Não acho que impacta a indústria como um todo, nem demonstra fragilidade. Quem conseguir oferecer uma proposta de valor e boa performance tende a sobreviver”, destaca.