- Por enquanto, os reguladores federais não consideram as violentas oscilações nos mercados de criptomoedas uma ameaça à estabilidade mais ampla dos mercados financeiros
- Funcionários do governo estão discutindo se é possível impor algumas grades de proteção às criptomoedas e, ao mesmo tempo, permitir que os investidores façam “o que quiserem com a dogecoin”
(The Washington Post /Jeff Stein) – O governo Biden, legisladores e banqueiros de bancos centrais estão enfrentando novos desafios apresentados pela criptomoeda, conferenciando em várias reuniões em meio à recente volatilidade desses ativos digitais.
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Funcionários da Casa Branca foram informados por funcionários de carreira do Departamento do Tesouro sobre os riscos apresentados pelas criptomoedas no início deste mês, disseram duas pessoas familiarizadas com o assunto. A questão também foi levantada em conversas com reguladores federais envolvendo o Gabinete de Controladoria da Moeda e o Departamento de Proteção Financeira ao Consumidor (CFPB, na sigla em inglês), embora essas discussões não envolvessem funcionários de nível principal, como a secretária do Tesouro, Janet Yellen.
Funcionários do governo estão estudando possíveis “lacunas” relacionadas ao mercado cripto, como a possibilidade de este ser usado para financiar atividades ilícitas ou terroristas, disseram essas pessoas. Também se discutiu se os investidores de varejo que compram criptomoedas precisam de algumas proteções. A Casa Branca e o Departamento do Tesouro também estão apoiando publicamente um novo plano para enquadrar as criptomoedas como parte de um esforço mais amplo para lidar com a evasão fiscal.
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Por enquanto, os reguladores federais não consideram as violentas oscilações nos mercados de criptomoedas uma ameaça à estabilidade mais ampla dos mercados financeiros, embora acreditem que vale a pena monitorar os riscos, disseram as pessoas. Funcionários do governo estão discutindo se é possível impor algumas grades de proteção às criptomoedas e, ao mesmo tempo, permitir que os investidores façam “o que quiserem com a dogecoin”, como disse uma pessoa informada sobre o assunto, referindo-se às negociações de uma criptomoeda popular baseada em um meme de cachorro.
“Eles estão cientes do fato de que existem todos os tipos de riscos e coisas a serem observadas, mas ainda estão numa postura de esperar para ver”, disse uma pessoa informada sobre o assunto. As pessoas falaram sob condição de anonimato para discutir a análise interna do governo.
Porta-vozes da Casa Branca, do Departamento do Tesouro e do CFPB não quiseram comentar.
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Ao mesmo tempo, funcionários do banco central e legisladores do Congresso têm falado cada vez mais sobre políticas que devem alterar drasticamente os mercados de criptomoedas. A Câmara aprovou e enviou ao Senado uma legislação bipartidária instruindo os reguladores federais a estudar e esclarecer as regras para as criptomoedas. Lael Brainard, membro do conselho do Federal Reserve, publicou um artigo na segunda-feira destacando os potenciais benefícios de uma moeda digital criada e administrada pelo banco central. Uma moeda digital administrada pelo governo poderia tomar uma fatia do mercado de criptomoedas, oferecendo uma alternativa mais segura às transações digitais instantâneas.
Níveis particularmente altos de volatilidade nos mercados de criptomoedas vêm abalando os investidores e destacando para os formuladores de políticas os perigos potenciais do setor desenfreado. A bitcoin, a mais popular das criptomoedas, caiu mais de 50% de seus picos anteriores em meio vendas generalizadas de criptomoedas. A dogecoin caiu mais de 10% antes de reduzir suas perdas. Os mercados cripto parecem ter sido abalados quando Elon Musk disse que a Tesla não aceitaria mais bitcoin como forma de pagamento por seus veículos e quando autoridades chinesas sugeriram novas restrições às empresas financeiras que operam criptomoedas.
A recente instabilidade do mercado agravou as preocupações existentes sobre criptomoedas, incluindo temores sobre o impacto ambiental criado por coisas como a mineração de bitcoin. Autoridades do governo também acreditam que essas criptomoedas facilitam as transferências de dinheiro por criminosos sem serem detectadas. A capitalização de mercado para criptomoedas chegou a US $ 2 trilhões pela primeira vez em abril, poucos meses depois de atingir US $ 1 trilhão.
“As cripto estão virando um segmento maior dentro do sistema financeiro, e os reguladores devem se preocupar com a forma como este mercado se cruza com nossa estrutura regulatória financeira à medida que os bancos e outras instituições financeiras ficam mais entrelaçados ao mercado cripto”, disse Gregg Gelzinis, especialista em sistema bancário do Center for American Progress, um think tank de centro-esquerda.
Principais riscos
As operações com moedas digitais representam um enigma para os formuladores de políticas há anos. São difíceis de regular em parte porque não são controladas por instituições comerciais convencionais, como bancos ou outras empresas financeiras típicas.
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Quando surgiram, as criptomoedas atraíam menos escrutínio. Sua proeminência se acelerou durante a pandemia, quando centenas de bilhões de dólares federais injetados diretamente nos consumidores estimularam os investidores casuais a explorar novos instrumentos financeiros. Players institucionais, incluindo algumas empresas da Fortune 500, também se envolveram, levando à sua proliferação.
A quantidade de energia necessária para “minerar” várias criptomoedas alarmou os ambientalistas, com a mineração de bitcoins consumindo mais eletricidade do que países inteiros, de acordo com o Cambridge Center for Alternative Finance. “É um número assustadoramente grande para algo absolutamente inútil”, disse Eswar Prasad, economista da Universidade Cornell. “É um desastre ambiental”.
Esses temores aumentaram à medida que as realidades políticas dificultam o controle das criptomoedas. Grupos do setor dizem que cerca de 20 milhões de americanos atualmente possuem criptomoedas. Conforme a bitcoin e outras criptomoedas aumentam em tamanho e escopo, elas ficam mais difíceis de gerenciar, porque mais pessoas aderiram ao sistema e serão mais afetadas por uma regulamentação.
“Gostaria de ter sufocado isso há uma década, antes que tivesse se transformado num monstro de US $ 2 trilhões”, disse Jason Furman, economista sênior do governo Obama. “As moedas digitais só têm desvantagens, nenhuma vantagem: meio ambiente; crime; volatilidade; tirar proveito de investidores desavisados. Se tivessem alguma utilidade, poderíamos debatê-las. Mas elas não têm serventia nenhuma”.
Dificuldades para regulação
A extensão da ascensão das criptomoedas complicou uma resposta política direta, embora várias propostas tenham surgido ou sejam consideradas razoáveis. Por exemplo, o Departamento do Tesouro divulgou na semana passada um plano para exigir que as empresas de criptomoeda forneçam mais informações financeiras à Receita Federal americana (IRS, na sigla em inglês). Os requisitos de relatórios atingiriam as empresas que recebessem criptomoedas com valor de mercado de mais de US $ 10.000. Essa medida está ligada às propostas mais amplas de impostos e gastos do governo Biden, complicando seu caminho para a aprovação.
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“Se você aumentar os relatórios de terceiros para transações de moeda, isso vai ajudar significativamente na cobrança de impostos e é isso que o Tesouro está propondo”, disse John Koskinen, que trabalhou como comissário da IRS nas duas últimas administrações. “Faria muita diferença. As estatísticas são claras: quanto mais informações de terceiros a IRS tem, maior será o índice de observância das normas”.
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A Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC, na sigla em inglês) também pode pressionar por mudanças. Em sua primeira audiência pública, o presidente da SEC, Gary Gensler, disse no início deste mês que o Congresso deveria fazer mais para esclarecer as regras sobre criptomoedas, embora também reconhecesse que a SEC tem limites no que pode fazer. No mês passado, o aumento do risco de regulamentação levou alguns investidores a vender criptomoedas.
Constance Hunter, economista-chefe da KPMG, disse: “A regulamentação é o que permite que os leigos confiem numa variedade de coisas em que não são especialistas – seja medicina ou mercados financeiros. Mas o fato de que os reguladores estão de olho nesses ativos é uma grande bandeira vermelha em termos de seu valor intrínseco”.
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Funcionários do Federal Reserve também estão avaliando as potenciais vantagens de um “dólar digital” administrado pelo governo. Os bancos centrais de todo o mundo começaram a estudar a possibilidade de emitir suas próprias moedas digitais principalmente em resposta a preocupações de que as empresas de tecnologia aumentem seus próprios sistemas de pagamento privados, como a diem do Facebook, anteriormente conhecida como Libra. Mas esse desenvolvimento também pode trazer implicações para as criptomoedas. Bob Hockett, ex-funcionário do Fed agora na Cornell University, disse que discutiu com funcionários do Tesouro e outros reguladores bancários a possibilidade de os Estados Unidos lançarem um sistema de moeda digital que poderia enfraquecer as criptomoedas. As criptomoedas recebem seu nome em parte porque os pagamentos são criptografados de uma forma que evita a detecção, uma técnica que poderia ser imitada pelos bancos centrais.
Hockett acrescentou que a criação de um sistema de moeda digital acessível a todos os americanos permitiria aos formuladores de políticas depositar fundos nas contas bancárias dos contribuintes, reduzindo as taxas de transação atualmente cobradas por empresas privadas. Cerca de um quarto de todos os americanos não são bancarizados ou têm pouca bancarização – o que inibiu os pagamentos de estímulos federais durante a pandemia – mas apenas 5% dos americanos não têm acesso a smartphones.
“As pessoas usam as criptomoedas por muitos motivos, mas algumas das coisas que essas pessoas procuram podem ser fornecidas pelo banco central, como facilidade e velocidade de transação que sejam seguras e consistentes”, disse Hockett. “Não existe razão para que não possamos, do ponto de vista do usuário individual, permitir transações sem taxas. E isso poderia deixar a política monetária muito mais fácil e suave”.
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John Fagan, que foi diretor da Sala de Mercados do Tesouro dos Estados Unidos e agora é diretor da Markets Policy Partners, disse que o governo Biden deve olhar para as questões das criptomoedas atentando aos problemas causados por lavagem de dinheiro, evasão fiscal e proteção ao investidor. O Tesouro provavelmente se concentraria nas duas primeiras, enquanto a terceira ficaria com a Comissão de Valores Mobiliários.
“O que temos dito aos nossos clientes há meses é que o complexo de criptomoedas não está precificando toda a atenção regulatória que provavelmente vai cair sobre a bitcoin e outros operadores”, disse Fagan. “Esse tipo de estrutura regulatória de ‘ambiguidade construtiva’ será trocado por linhas muito mais claras”.
Ainda assim, Adam Ozimek, economista-chefe da Upwork, disse acreditar que as criptomoedas podem não ser um investimento seguro, mas não parecem representar uma ameaça mais ampla para a economia. Muitos especialistas e grupos da indústria de criptografia alertam sobre os perigos de uma reação exagerada do governo.
“Não acho que seja algo com que os reguladores devam se preocupar, mesmo que as pessoas que estão investindo certamente devam se preocupar”, disse Ozimek. “É um investimento especulativo de altíssimo risco. Mas os reguladores se preocupam com o preço das obras de arte? Esses preços sobem e descem de repente”.
(Tradução de Renato Prelorentzou)