- Embora os investimentos com integração de ESG estejam se consolidando como uma tendência de mercado no Brasil, a criação de fundos temáticos, principalmente com critérios sociais, ainda continua a ser um assunto mais contencioso
- Alguns analistas do mercado acreditam que os fundos temáticos estejam na moda, mas eu acredito que eles vieram para ficar. Em minha opinião, eles fazem parte da mesma tendência mundial mais ampla de investimentos responsáveis e sustentáveis
Eu sempre fui terrivelmente otimista. Meus gerentes, inúmeras vezes, me fizeram lembrar disso, quando na verdade eles queriam mesmo era chamar a atenção para uma certa ingenuidade. Confesso que sem esta tal “ingenuidade” provavelmente eu não teria chegado onde cheguei, mas o que eu quero lhes contar é porque estou otimista em relação à indústria de investimentos no Brasil.
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Converso com gestores de fundos desde 2012 quando trabalhava com uma equipe de mercado de capitais estruturando linhas de financiamento verdes para bancos de desenvolvimento. Nessa equipe, meu propósito era aumentar o número de empréstimos com integração de questões ambientais e sociais, especialmente equidade de gênero e raça.
Participei da estruturação de operações para bancos de segundo piso no Brasil, Colômbia, Bahamas, Barbados e Paraguai, mas foi durante um trabalho que realizei em 2013, o desenho da Estratégia de Inclusão Financeira de uma multilateral, que nasceu o Programa de Apoio ao Fortalecimento do Empreendedorismo Afro-Brasileiro (Inova Capital). Um projeto, implementado entre 2015 e 2017, que revitalizou o ecossistema afro-empreendedor.
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Eu conheci vários gestores de ativos trabalhando nos setores público e privado, mas nenhum deles, com a exceção de um, acreditava que um fundo de investimentos temático era uma ideia viável. Vale a pena lembrar que naquela época ainda nem se falava na aplicação de critérios socioambientais nas decisões de investimentos, mas apenas como estratégia de mitigação de riscos como, por exemplo, evitar investir em portfólios que destruam o meio ambiente.
De lá pra cá a indústria de investimentos amadureceu e o ESG (do inglês environmental, social and governance) ganhou muita força no Brasil, tanto nos filtros das carteiras quanto nas análises de oportunidades de investimentos.
A Itaú Asset Management, maior gestora de fundos privados do país, com mais de R$ 700 bilhões em ativos sob gestão, anunciou recentemente que cerca de 95% dos atuais ativos em carteira já passam por essa análise e a meta é chegar a 100% até 2022.
A S&P Dow Jones e a Bolsa Balcão (B3) anunciaram em setembro deste ano o lançamento do índice ESG Brasil S&P /B3, com o objetivo de fornecer aos investidores no mercado de ações a possibilidade de investir em um índice ESG.
Ações sistemáticas foram cruciais para que ESG ganhasse adeptos no Brasil como, por exemplo, o lançamento do PRI (Principles for Responsible Investment) em 2008 e as pesquisas da Global Sustainable Investment Alliance.
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Hoje em dia não faltam estudos que demonstrem que investimentos com o rotulo ESG superam substancialmente os índices tradicionais, mesmo durante o período do coronavírus. As empresas que priorizam fatores ambientais e sociais, bem como governança corporativa são institucionalmente mais fortes, melhor gerenciadas e podem, portanto, orientar-se melhor em meio às crises.
Embora os investimentos com integração de ESG estejam se consolidando como uma tendência de mercado no Brasil, a criação de fundos temáticos, principalmente com critérios sociais, ainda continua a ser um tema mais contencioso.
Os fundos temáticos, como os de energias renováveis são a exceção, pois já existem há algum tempo, mas aqueles especificamente dirigidos a certos grupos demográficos (mulheres, negros, indígenas e LGBTQIA+) ainda não são amplamente discutidos. A Vox Capital é uma pioneira mesmo adotando uma tese de investimento mais focada no mercado consumidor e menos no perfil dos donos das empresas investidas.
Alguns analistas do mercado acreditam que os fundos temáticos estejam na moda, mas eu acredito que eles vieram para ficar. Em minha opinião eles fazem parte da mesma tendência mundial mais ampla de investimentos responsáveis e sustentáveis.
Eles são produtos financeiros viáveis, lucrativos e que ao mesmo tempo resolvem problemas sociais estruturais históricos. Existe carteira de projetos lucrativos de empresas lideradas por empreendedores diversos e um número cada vez maior de investidores que buscam produtos deste tipo.
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Embora os dados sobre investimentos específicos em empreendedores diversos não estejam amplamente disponíveis, alguns estudos mostram que a diversidade racial e de gênero tem benefícios econômicos e sociais.
Existem evidências demonstrando que empresas diversas produzem melhores retornos e são menos voláteis; que empresas que promovem a igualdade LGBTQIA+ tendem a ter melhor percepção por parte do consumidor, lucratividade e produtividade maior e, ainda, que gestores de ativos mais diversos são mais propensos a direcionar investimentos para empreendedores também diversos.
Ou seja, mudanças, no perfil dos tomadores de decisões na indústria de gestão de ativos, pode ter um efeito cascata que resultaria em melhor suporte para empresários negros, indígenas, mulheres e LGBTQIA+ em todas as áreas do mercado de capitais.
O mercado mundial de produtos financeiros temáticos está se expandindo mais rapidamente do que no Brasil, com serviços financeiros sendo lançados todos os dias. No ano passado foi lançado o Índice LGBTQ100 das 100 empresas de capital aberto mais amigáveis a pessoas gays e trans nos Estados Unidos. Isso era inimaginável há 10 anos!
Investidores realmente passaram a se preocupar menos em ganhar retornos absurdamente altos em detrimento ao nosso futuro, e mais com o poder transformacional dos seus investimentos. As pessoas estão começando a ver que é possível ter retorno financeiro enquanto se muda o mundo para melhor.
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Para avançarmos será necessário que tanto os fundos de ações com gestão ativa usem filtros sociais (de equidade de gênero e raça) mais rigorosos e também que novos fundos temáticos, que investem diretamente em equidade social, sejam lançados. Precisamos de mais produtos financeiros ESG e de impacto social, inclusive nas categorias de private equity e venture capital.
No entanto é preciso que estejamos atentos para os produtos temáticos que eu chamo “carteirinha marcada” e ter cuidado com o oportunismo que a oferta de capital temática cria. Gestores que usam as mesmas empresas, que já fazem parte das suas grandes carteiras para captar recursos destinados para equidade social, sem necessariamente saber o que ela realmente significa, por exemplo.
Dito isso, preciso deixar claro que produto financeiro temático não é trabalho de final de semana e os gestores realmente precisam pensar na cadeia de valor do tema. Precisam ter certeza de que a motivação e abordagem são sinceras e estar ciente de que os fundos temáticos definitivamente vêm com trabalho adicional. Ao mesmo tempo investidores precisam pensar que a diligência necessária para um fundo temático não deve ser maior do que seria para um fundo tradicional.
Enfim, apesar destas ameaças estou otimista com as mudanças no mercado de investimento brasileiro. Por menor que seja, existe a possibilidade de que se criem aqui no nosso país os primeiros produtos financeiros de equidade de gênero e raça da América Latina, os primeiros gestores de investimento negros e indígenas, mais gestoras mulheres e LGBTQIA+, e que sejamos nós que apresentaremos para o mundo as primeiras startups com status de unicórnio (avaliadas em US$ 1 bi ou mais) lideradas por empreendedores diversos da América Latina.