Havia uma sensação de que a crise econômica estava com dia e hora para terminar. As bolsas de valores em vários países do mundo cresciam, a valorização de empresas mirando o topo e a confiança entre investidores brasileiros nas alturas. Essa sensação naturalmente envolvia análises técnicas de muitos desses investidores que identificavam sinais de recuperação, mas também provinha de uma dose de euforia dentro da lógica da profecia autorrealizável: “De tanto acreditar que algo de bom irá acontecer, o sentimento se espalha até que algo de bom acontece”.
O balde de água fria que o presidente do Fed americano, Jerome Powell, deu na quarta-feira (10) teve impacto imediato nas bolsas do mundo inteiro e gerou fortíssimas reações do presidente americano, Donald Trump. Para Trump, em ano eleitoral, a percepção da realidade é mais importante do que a própria realidade, e a fala de Powell aponta para um horizonte de problemas, desemprego e dificuldades econômicas que não ajudam a narrativa presidencial.
Mesmo assim, em conversas com vários fundos do exterior, percebo que existem “otimistas” e “pessimistas” em relação à crise e ao timing para uma superação. Um importante gestor de NY acredita em uma recuperação em V (rubber band effect, do Milton Friedman), pois entende que, diferentemente da crise de 2008, o setor bancário não se encontra comprometido. Além disso, o excesso de liquidez no mercado demonstra que as ações do Fed e do Banco Central Europeu tiveram um efeito positivo, sendo refletido nas mais importantes bolsas do mundo e no ímpeto comprador de vários fundos americanos e europeus.
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Para ele, essa crise é bastante similar a crises vivenciadas por países emergentes no passado, quando um fator externo aparece e atua para desestabilizar o ambiente, forçando mudanças de rumo e ajustes adequados de superação. Anteriormente, quando crises baseadas em fatores externos afetavam economias emergentes, muitos desses países, com suas próprias economias comprometidas, não possuíam caixa para gerar liquidez.
Em 2008, o impacto da crise no Brasil foi mais leve, pois o setor bancário brasileiro era infinitamente mais sólido do que o de nossos vizinhos (esse fator nos possibilitou uma recuperação menos dolorosa do que a da Argentina, por exemplo). Além disso, tínhamos uma situação fiscal confortável, acesso aos bancos públicos e o pacote de infraestrutura chinês na ordem de 1 trilhão de dólares favoreceu muito nossas exportações.
Numa visão mais otimista, a leitura é que o mercado já está descontando 2021 e isso se refletiu em desempenhos mais positivos nas últimas semanas. As expectativas de curto prazo foram esticadas um pouco mais para já entrar em 2021.
Há dois meses tínhamos uma perspectiva negativa que se estendia até o fim do ano, devido à visão nebulosa sobre a covid-19. Nessa linha, os investidores otimistas acreditam que o mercado terá mais paciência com determinadas ações, olhando para uma recuperação no ano que vem.
No entanto, essa mesma lógica da perspectiva da covid-19 de dois meses atrás compõe as análises dos investidores mais pessimistas. Para eles, a possibilidade de uma segunda onda da doença é real, e não pode ser ignorada. O número de mortes segue crescente nos EUA e no Brasil e, no caso do nosso país, as respostas dadas pelo governo federal e pelos governos estaduais estão aquém do necessário.
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O PIB e a queda de 8% no Brasil (estimativa do Banco Mundial) é um reflexo importante na composição de análise dos mais “negativos”. Um ponto importante que é considerado é o aumento da dívida em relação ao PIB chegando perto dos 100%. Não observam isso como um desastre automático, mas como um elemento de que 2021 não será tão “rosa” quanto alguns otimistas estão avaliando.
Há uma fórmula, na visão de muitos em NY, Washington e Londres, que parece batida, porém indica mais do que os atos em si: a manutenção do teto de gastos, o avanço na agenda de reformas e uma estabilidade política podem indicar uma trajetória positiva para a dívida lá na frente. Entendem que, se o teto de gastos for para o espaço, poderemos ter um movimento de saída de capitais capaz de gerar uma crise de confiança.
Essa percepção é disputada entre alguns gestores. O Brasil possui diferentes atratividades para diferentes investidores. Os de capital produtivo (uma multinacional por exemplo), ou os que visam a compra de uma empresa, enxergam variáveis que demonstram um ambiente positivo: estabilidade institucional (apesar da instabilidade política), mercado consumidor amplo e ávido, e perspectiva de longo prazo no país.
Já o investidor especulativo pode ser, grosso modo, dividido entre o especulativo e o de renda fixa. O de renda fixa sai em busca de segurança, e o mercado americano oferece isso. O de ações, observa a política monetária, a política cambial, a performance das empresas e a conjuntura política. O impacto da conjuntura política é o grande diferencial desse investidor estrangeiro em relação ao nacional, pois a sensibilidade ao risco político é maior para quem não está inserido em um ambiente de constante ebulição. Logo, a precificação do risco político funciona como o divisor de águas para esses.
Cabe lembrar que, por mais que o Brasil esteja relativamente atrativo por conta da desvalorização cambial e da solidez de algumas empresas, o mesmo estava ocorrendo nos EUA. Um fundo com histórico de investir no Brasil diminuiu consideravelmente sua participação em cima de um argumento muito simples: o Brasil está, sim, atraente para comprar ações de algumas empresas de renome, mas nos EUA podemos comprar volumes interessantes de empresas com rating positivo, como Marriott, Disney e Delta, por valores que não poderíamos comprar antes. Por que arriscar no desconhecido, se o conhecido está indo tão bem quanto?
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Nas últimas semanas, tivemos uma correção em relação à queda acentuada nos preços dos ativos no início da pandemia. Isso aconteceu em vários mercados do mundo, incluindo o Brasil. Todas as vezes que temos um choque onde as taxas de câmbio são afetadas, o preço dos ativos se modifica fortemente, fatores de equilíbrio são revistos e carteiras passam por uma recomposição. Essa recomposição gera um ajuste onde os preços de alguns ativos vão além da tendência observada antes desse choque.
Nesse ambiente, a resposta do Fed, do Banco Central Europeu e do Banco Central no Brasil foi considerada correta. Quando os bancos se mostram reticentes em repassar liquidez, os governos criam linhas de crédito corporativas gerando um refluxo que atinge inclusive os mercados emergentes. Esse refluxo gerado pela liquidez não nos coloca, naturalmente, no patamar de janeiro ou fevereiro, mas recria uma sensação de recuperação. O grau de vulnerabilidade fiscal no pós-crise, no entanto, poderá indicar dificuldades adicionais em uma recuperação de médio prazo.
Naturalmente, tudo isso nos traz para a leitura do futuro. Quando Jerome Powell faz uma leitura pessimista do futuro, o reflexo do investidor é reter seus investimentos quase que imediatamente em busca de outro sinal de positividade. A euforia do mercado poderá entrar em banho-maria, seja agora ou daqui a algumas semanas. No Brasil, voltaremos às expectativas óbvias de agenda de reformas e equilíbrio fiscal, não apenas como fatores literais de mudança, mas, principalmente, de demonstração de comprometimento fiscal.
A ilusão do dinheiro abundante, gerada pelo excesso de liquidez, é vista por bancos centrais como uma solução que deve ser adequada à abertura da atividade comercial, pois essa abertura poderia impulsionar a retomada econômica devido ao alinhamento com os estímulos fiscais e monetários, absorvendo esse “excesso de liquidez”, sem gerar um ambiente artificial de capital disponível enquanto o mercado consumidor se torna novamente ativo.
Cabe lembrar que, dada à nova composição legislativa da base aliada, um comprometimento com equilíbrio fiscal por parte do governo será ainda mais complicado, dada a necessidade de seguir reaquecendo a economia mesmo após a abertura dos negócios.
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Não teremos uma recuperação mágica, simplesmente porque o comércio reabriu. Isso levará tempo e irá requerer vontade da equipe econômica em seguir com políticas públicas opostas ao seu pensamento inicial. A queda de popularidade do presidente e o ambiente polarizado farão com que a retirada do benefício de 600 reais seja politicamente inviável.
Para a recuperação da economia é essencial que o consumidor tenha a sensação de segurança em sair às compras novamente ao invés de se retrair e evitar a circulação enquanto uma vacina não estiver amplamente disponível. A economia pode continuar patinando se a sensação de segurança não for amplamente sentida pela população.