- O consumidor tem cada vez mais acesso a informações sobre a pegada de carbono de cada produto e vai escolher produtos com a menor possível
No início deste ano, tive o privilégio de participar de uma conferência com o líder indígena, escritor, jornalista, professor e doutor pela Universidade de Juiz de Fora, Ailton Krenak.
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Ailton nasceu na região do vale do rio Doce, um lugar cuja ecologia encontra-se profundamente afetada pela atividade de extração mineira.
Durante a conferência, alguém perguntou sobre o lixo. “O que é lixo?? Não existe lixo. Vocês falam sobre jogar o lixo lá fora. O que é lá fora?? Não existe lá fora. É tudo aqui dentro. Vocês estão jogando lixo na sua casa.” – respondeu Krenak. Esse olhar já nos faz refletir sobre nosso estilo de vida, nossas crenças e nossos valores.
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Nos anos 60 e 70 a configuração antropocêntrica da nossa pedagogia tornou natural a exploração ambiental. Criamos um abismo entre o homem e outros seres. A educação do século XX separou cultura e natureza. Krenak explica que quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista.
No seu livro “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, Krenak critica a ideia de humanidade homogênea na qual há muito tempo o consumo tomou o lugar daquilo que antes era cidadania. Segundo ele, transformamos as pessoas em consumidores e as crianças já nascem clientes.
Krenak diz que do nosso divórcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos.
Fala-se muito sobre o desafio de alimentar bilhões de pessoas na Terra. Segundo Krenak, este risco não existe. Ninguém vai morrer de fome. Nosso grande problema é que cultivamos em um lugar e transportamos tudo para outros lugares. No meio do caminho, o alimento estraga e perde-se muito nessa logística. Além disso, nosso padrão alimentar criou um mundo de obesos. Precisamos mudar essa lógica. Estamos abusando da capacidade do planeta.
Segundo Chico Mendes, seringueiro, ativista político e ambientalista, morto em 1988, a floresta era lugar de viver. A floresta é farmácia, é hospital, é supermercado. A floresta dispensa a intervenção. A floresta é rica. A biodiversidade é produção. Nós somos a biodiversidade.
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Contei tudo isso para dizer que essa conversa não é só de um líder indígena. Essas ideias sobre biodiversidade, preservação das florestas, dos rios chegou aos mercados, economistas e empresários. Coincidentemente, ontem a UNEP (United Nations Environment Programme) lançou um relatório “Fazer as pazes com a Natureza: um plano científico para enfrentar as emergências do Clima, da biodiversidade e da poluição”. O relatório comunica como a mudança climática, a perda da biodiversidade e a poluição podem ser enfrentadas conjuntamente dentro da estrutura dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
O relatório traz um diagnóstico das mudanças atuais e das projeções de alterações futuras no meio ambiente que foram induzidas pelo ser humano e identifica as mudanças necessárias para fechar as lacunas entre as ações atuais e aquelas necessárias para alcançar o desenvolvimento sustentável.
Também participei de uma conversa organizada pelo sociólogo e empreendedor Jose Cesar Martins com empresários, economistas, políticos, cientistas, jornalistas e outros- em que o tema era “A economia verde e o capital natural no Brasil”. Para começar, Beto Veríssimo, co-fundador do Imazon falou sobre os desafios para a preservação da Amazônia. Se por um lado, a Amazônia armazena carbono suficiente para fazer frente ao Acordo de Paris, por outro lado, 42% dos gases de efeitos estufa vem do desmatamento da Amazônia. Beto falou sobre o desafio de se construir uma agenda nacional.
Bernardo Strassburg, coordenador do Centro de Ciências da Conservação e Sustentabilidade do Rio (CSRio), diretor executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade, professor do Depto de Geografia e Meio ambiente da PUC-Rio e coordenador do mestrado profissional em Ciência da Sustentabilidade, falou sobre os riscos e oportunidades da preservação da Amazônia.
Se ignorarmos a agenda global do clima, podemos sofrer bloqueios a produtos brasileiros e até ficar fora de acordos bilaterais e multilaterais. Segundo Bernardo, o consumidor tem cada vez mais acesso a informações sobre a pegada de carbono de cada produto e vai escolher produtos com a menor pegada possível.
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O Brasil tem 1 hectare por habitante de terra arável – isso é quatro vezes a média mundial. Significa que é possível realizar uma expansão agrícola com desmatamento zero, apenas aumentando a produtividade que no Brasil ainda é uma das piores do mundo. Precisamos de um planejamento territorial sério.
No que tange a Conservação, Bernardo explica que através do mercado de carbono, o Brasil poderia ter acesso a US$10 bilhões por ano em incentivos internacionais. No que tange a Restauração a oportunidade é maior ainda. Segundo estudo publicado por 27 pesquisadores sob a liderança de Bernardo na revista Nature, o Brasil tem o maior número de áreas prioritárias para a restauração. A restauração de biomas como a Mata Atlântica e Cerrado correspondem a 1/3 da solução da crise climática global.
Segundo Fernando Gabeira, o Brasil nunca teve tantas possibilidades como agora. É a primeira vez que estamos vendo bancos, fundos de pensão e empresas falando da economia verde. Ficou claro que a economia verde é fonte de riqueza. No livro Paraiso Restaurável de Jorge Caldeira, Julia Sekula e Luana Shabib eles comentam que hoje existem US$280 bilhões de verbas disponíveis para o sequestro de carbono, três vezes mais que as exportações do setor agrícola brasileiro. Gabeira explica que biodiversidade somada a conhecimento tem um valor extraordinário. Seria uma pena jogar fora todo esse valor por falta de compreensão e ignorância.
Por último, Andre Lara Resende falou sobre a Teoria Econômica e explicou que esta jamais levou em consideração questões ambientais. Ressaltou que é preciso mudar a percepção do que é valor e o que é riqueza. Sobre a Teoria do Valor Andre explicou que no início valor vinha da produção agrícola. Com a exploração dos metais preciosos vieram os mercantilistas, e com a Revolução Industrial valor passou a ser tudo aquilo que a indústria cria.
No final do século XIX e início do século XX, surgiu o conceito de utilidade marginal que domina o entendimento econômico até hoje. No século XX criou-se o conceito de PIB (produto interno bruto) no qual tem valor aquilo que tem demanda. Preço passa a ser medida de valor. No entanto, o PIB é incapaz de incorporar questões negativas. O desmatamento da Amazônia não entra no PIB. Todo o arcabouço foi construído para maximizar lucro sem olhar para a pegada negativa. Emitir carbono deveria custar caro. Andre explica que é preciso repensar a mentalidade, a concepção da teoria econômica corresponde a uma realidade física imutável, porém a realidade social muda.
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Finalmente o mercado está acordando. Segundo a Sitawi, as emissões de títulos verdes ou sustentáveis no Brasil atingiram US$5,3 bilhões em 2020. Só em janeiro deste ano foram emitidos US$ 3,5 bilhões. No mundo, emissões de títulos sustentáveis devem chegar a US$650 bilhões segundo previsões da Moodys. Segundo relatório da Global Sustainable Investment Alliance, o mercado de investimentos sustentáveis em 2019 representava US$40 trilhões e o mercado de investimento de impacto socioambiental US$715 bilhões. Acredita-se que em 2020, investimentos sustentáveis tenham atingido US$45 trilhões.
Do ponto de vista de alocação de portfolio, devemos levar essa mudança de mentalidade em consideração. Por um lado, algumas empresas que não fizerem a lição de casa ou não se adaptarem a esse novo mundo deixarão de existir ou perderão muito valor. Por outro lado, novas empresas e oportunidades, estão surgindo: empresas de reciclagem, infraestrutura verde, energia renovável, bioeconomia, agritech, mercado de carbono, educação, saúde online, inclusão financeira, entre outras.
De acordo não só com Ailton Krenak mas inúmeros economistas e cientistas precisamos mudar nossos hábitos, nossa maneira de consumir e de investir – quem sabe assim possamos evitar o “fim do mundo”.