Pensando uma nova economia

Luana Ozemela é CEO da DIMA, uma empresa de desenvolvimento internacional estabelecida no Qatar que é uma porta de acesso ao mercado árabe. Doutora em economia e professora pesquisadora de gênero e políticas públicas da universidade Hamad Bin Khalifa da Fundação do Qatar, ela é diretora de relações com doadores da ONG PEGF da Nigéria na área de saúde. Foi funcionária do BID, em Washington DC, nos EUA. Ao longo da sua carreira, Luana interagiu com dezenas de governos, doadores, investidores e ONGs nos EUA, América Latina, África e Oriente Médio.

Escreve mensalmente, às terças-feiras

Luana Ozemela

Saiba quando você precisa dizer não para um investidor

Muitos podem até discordar, mas nem todo dinheiro é igual

(Foto: Envato Elements)
  • Como rejeitar uma oferta de um investidor depois de tantas rejeições recebidas? Como dizer não a única oferta que apareceu depois de tanto tempo?
  • Uma oferta de um investidor que não compartilha os mesmos valores com você, pode se tornar um verdadeiro pesadelo (por mais tentadora que a oferta possa parecer)

Pode até soar contraditório vindo de alguém que ativamente investe em startups em estágio inicial. Mas acredite, por mais que receber um aporte de financiamento seja o sonho de qualquer startup, quando você está nos estágios iniciais do negócio ou recebe uma oferta de um investidor que não compartilha os mesmos valores com você, pode se tornar um verdadeiro pesadelo (por mais tentadora que a oferta possa parecer).

Se você tem uma startup e está tentando uma captação, provavelmente deve estar com “todo o gás”(se começou recentemente). Mas se você está entre aqueles que estão na batalha há anos, você já deve estar cansado de receber não. Saiba que você não está sozinho. Pelo contrário, tem uma multidão com você, aproximadamente 99% dos empreendedores para ser mais exata. E, para esses, chega um momento em que bate o desespero e qualquer aporte é bem vindo. Você não lê o contrato direito, não
negocia os termos, aceita todas as exigências, mesmo que elas sejam extremamente desfavoráveis no longo prazo. Você pensa consigo mesmo: “o importante é colocar o pé na porta, sair do sufoco, depois a gente vê como resolve o resto”. Escuto isso de muitos empreendedores.

Mas como rejeitar uma oferta de um investidor depois de tantas rejeições recebidas? Como dizer não a única oferta que apareceu depois de tanto tempo? Quando terei a mesma “sorte”?

Eu sei. É difícil dizer não

É quase impossível não aceitar dinheiro. Principalmente, quando você deixou seu emprego para se dedicar à empresa, possui responsabilidades familiares e sua poupança está se esvaindo. Como empreendedores, nós fazemos muitos sacrifícios para começar nossas empresas. Nós pensamos nela o tempo todo e em todo lugar, do momento que acordamos até tarde na noite, quebrando a cabeça no travesseiro sem poder dormir. Portanto, acredite em mim quando eu digo, eu sei que é extremamente
difícil recusar um aporte de investimento. Na hora, o investidor parece ser a sua salvação divina, porque você realmente acredita na sua ideia e tem convicção que ela vai dar certo.

Pode ser muito cedo para ceder patrimônio significativo

Durante o processo de construção da sua empresa, você pensa em solicitar financiamento para ajudar a acelerar o processo. No entanto, aceitar uma oferta bem cedo no processo significa que você terá que diluir muito de seu patrimônio para obter um capital relativamente pequeno dos investidores. Se esse for o caso, não hesite em recusar a oferta, por mais tentadora que seja; principalmente quando trazem apenas dinheiro.

Mas como saber quando é muito cedo para ceder patrimônio? É muito cedo quando você ainda não tem o MVP (Produto Mínimo Viável) totalmente desenvolvido e não tem certeza se alguém compraria seu produto. Mesmo que a solução seja genial, primeiro você precisa provar isso. Evite dar um tiro no próprio pé abrindo mão de tanto patrimônio antes de dar ao seu produto uma chance de se mostrar e crescer. Calcule quantos clientes você precisaria para obter o mesmo capital que lhe foi oferecido,
quanto tempo você precisaria e qual seria seu novo valuation (avaliação patrimonial da empresa) em comparação ao aporte com perda de patrimônio. Avalie as opções friamente, sem desesperos e saiba que existem alternativas.

Você pode ter ouvido falar de algumas startups levantando enormes quantias de capital antes mesmo de começarem qualquer coisa, e você pensa “porque não eu?” – mas meu conselho para qualquer pessoa na mesma situação é ter resiliência para aguentar um pouco mais. Se você puder desenvolver a primeira iteração do produto sem nenhum outro dinheiro além do seu, da sua família ou de amigos, doações de fundações ou de programas de fomento, sempre faça isso primeiro. Dessa forma, você estará em uma posição bem melhor para fazer uma negociação melhor depois, o que significa que você terá maiores chances de levantar uma quantia maior dando menos patrimônio a um investidor.

Ao esperar um pouco mais para chegar a um momento em que você tenha usuários e um pouco mais de lucratividade, o quadro mudará completamente ao seu favor quando você quiser levantar capital no futuro. Se havia interesse de investidores antes do MVP, imagina quantos mais não se interessariam se você pudesse oferecer um produto com comprovada lucratividade.

O investidor pode não ser ideal para sua empresa

A indústria de investimentos nunca foi uma indústria em que os empreendedores pudessem confiar cegamente nos investidores. O mundo é dominado por quem detém o capital, por tanto, como empreendedor você está ciente de que não está no topo. Entenda, portanto, que o term sheet ou termo de compromisso nunca será suficiente para confiar que um investidor tem um compromisso com você ou com sua empresa. Você deve buscar “smart-investors”. Isso quer dizer que você precisa se perguntar o que ele ou ela traz além do dinheiro. Com a caça ao tesouro por bons deals, alguns investidores podem oportunisticamente oferecer um term sheet para uma startup, apenas para que ele possa barganhar com outra.

Em um momento em que as startups precisam se esforçar mais do que nunca, alguns investidores não honram seus compromissos de apoio ao empreendedor. Eu ouvi um empreendedor dizer que uma vez que perdeu seu termo de compromisso devido a uma situação de racismo e outro investidor o aconselhou: “Não diga às pessoas a verdadeira razão pela qual perdeu seu termo, outros investidores não serão simpáticos à sua situação.” Essas situações são sentidas de forma desproporcional pelos empreendedores negros e mulheres que não fazem “parte do clube” e não têm uma manada de investidores perseguindo-os.

Se algo semelhante aconteceu com você, meu primeiro conselho é não ficar em silêncio. Converse com seus mentores e investidores-anjos e tenha um diálogo mais aberto quando um termo de compromisso for perdido por motivos perniciosos. E meu segundo conselho é buscar investidores cujo compromisso histórico realmente se alinhe ao seu. Faça a sua própria diligencia do investidor. Espero que as aceleradoras trabalhem mais para desestigmatizar essas conversas e comecem a colocar os holofotes também nos investidores.

Em dezembro do ano passado organizamos um Pitch Reverso através da Global Leaders of African Descent (GLAD), onde vários investidores internacionais puderam compartilhar mais sobre seu valor agregado em termos de capital humano e social (além do dinheiro) com startups do Brasil, Angola, Moçambique e Cabo Verde. Esta foi uma oportunidade rara de ter sobre a mesma mesa investidores e empreendedores que compartilham a mesma identidade, sonhos e visões; e, quando isso acontece, o resultado é transformador para ambos os lados.